quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A sinceridade mora no silêncio moral

  Certas coisas não devem ser ditas, faladas ou comentadas. Certas coisas apenas devem ser sentidas. É que a palavra quase sempre esta carregada daquilo que queremos ou daquilo que almejamos. Carregada das nossas interpretações. O problema é que nem sempre nossa régua serve para medir os outros, temos nossa própria medita.  
  Sinceridade não é falar tudo que se pensa, ao contrário do que muita gente acredita. Muitas pessoas justificam grosserias, falta de educação e autoritarismo com a tal sinceridade. Pra mim, ser sincero é uma questão íntima, de veracidade para comigo. As palavras guardam uma força que muitas vezes extrapola nossas intenções.
  Existe sempre uma forma de dizer tudo sem dizer. Se talvez nos déssemos conta do quanto nossos atos falam por si, não falaríamos tanto. Existem temas e fatos que, quando ditos na sua raiz soam como cobrança, como apego, egocentrismo. É mais fácil esperar que o outro, por causa da sua “sinceridade”, compreenda suas atitudes, do que nós mesmos prestarmos atenção naquilo que fazemos.  
  Muitas vezes a sinceridade é apenas um apelo carente de alguém que precisa ser compreendido. Mas, e a compreensão do outro, onde fica? Colocar nos ombros de outro alguém as nossas necessidades de auto-compreensão existencial é fuga, insegurança, medo e egoísmo. Reparar nas atitudes dos outros sem refletir a respeito da própria atitude é um grito do ego que muitas vezes não percebemos. 
  Então, ao invés de fingir ser sincero com os outros, talvez devêssemos ser sinceros de fato com nós mesmos, mas sem comprometer as relações com flechas de palavras atiradas no campo de batalha social. Antes de dizer algo ou questionar alguém, devemos fazer isso com nós mesmos. Antes de julgar as atitudes do outro, deveríamos analisar as nossas próprias atitudes, para não cometermos tantas injustiças. Tem gente que espera uma conduta do próximo sem se dar conta de que a sua própria conduta gera no outro aquilo que ela não quer sentir dentro de si. 
  Não é fácil tal proposição. Eu mesmo luto todos os dias contra meus preconceitos, minhas desconfianças, meus ciúmes e meu ego, tudo em busca de ser justo comigo, me livrando das cobranças e culpas impostas por esse mundo que vivemos. Mas o que me entristece é ver que grande parte das pessoas não se propõe a tal jornada íntima. Tomam atitudes sem perceber os sentimentos e situações que elas geram no outro e no todo, tudo sob a falsa ótica de ser livre e de fazer aquilo que lhe apraz. Liberdade sem consciência é um cavalo selvagem solto no pasto. Ele é livre, mas para onde vai ninguém sabe.
  Se realmente queremos construir boas coisas de forma harmônica é necessário que entendamos nosso papel no mundo e como nos colocamos dentro dos contextos que vivemos. O respeito não está em permitir tudo com uma “liberdade” que beira a indiferença. O respeito está em saber transitar por tantos caminhos, consciente das repercussões que nossas atitudes têm perante a vida comum. Com tal consciência não há mais cobrança, há sim a retidão de uma conduta solidária e fraterna, onde ninguém precisa dizer como temos que ser ou o que temos que fazer.    
  Então ser sincero é algo que vai além do que dizemos. Então respeito é algo que não se cobra, mas sim o fato gerado pelo viver em comum, cientes das próprias falhas e humildes na forma como nos portamos perante o outro. Pelo menos é assim que penso, agora. Não me diga o que pensas se o que tens em mente não vale ser dito. Não me diga o que pensas se isso envolve o seu eu a se resolver. Antes de bradar, mastigue bem, se não as migalhas vão se espalhar nos rostos dos que estão a sua volta e, talvez, nunca mais você possa limpá-las dos rostos sujos. Vamos tentar nos manter atentos, controlando nosso impulsos, tudo em busca de aprender a respeitar a si mesmo e ao próximo, sendo sinceros realmente perante a vida.

Osíris Duarte - jornalista
publicado originalmente em 2009