sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A saúde em Santa Catarina


Por Elaine Tavares - Jornalista

As mulheres falavam alto, porque, afinal, o ônibus é espaço pedagógico. Discutiam a greve dos trabalhadores da  saúde que, em Santa Catarina, já passa dos 30 dias. No dia anterior trabalhadores do transporte público e os bancários haviam feito uma paralisação em apoio aos grevistas, provocando horas de filas e ansiedade, tendo o apoio de estudantes, sindicalistas e militantes sociais. E, no dia seguinte, a imprensa catarinense tocava o pau em todo mundo, alegando que o "pobre" governador Raimundo Colombo, não tinha como dar o aumento "absurdo" que os trabalhadores pediam. Não bastasse isso, ainda vinham os "baderneiros" dos motoristas e cobradores fazer confusão.
O tema era esse. As mulheres discutiam a eterna capacidade da imprensa de distorcer os fatos. Ao longo da greve, passa para a população a ideia de que o "absurdo" é os trabalhadores quererem aumento, e não o fato de um governo deixar a população sem atendimento de saúde simplesmente porque não quer se render à luta. Algumas pessoas viravam o rosto com um olhar fulminante até as mulheres, numa clara atitude de discordância. Certamente acreditavam na imprensa e nas inverdades que cria.
Mas, no banco da frente, uma outra mulher espiava com o rabo do olho, até que não se conteve. "As pessoas não sabem o que a gente passa". Explicou que era trabalhadora da saúde, aposentada há alguns anos. "O que faz os trabalhadores entrarem em greve agora é que foi tirada do salário a hora-plantão, E é isso que dá alguma dignidade ao que a gente ganha. Sem isso, o meu salário, por exemplo, fica 800 reais. Como é que uma família vai se sustentar assim?".
Então, enquanto partilhavam o trajeto, as mulheres foram ouvindo aquela cuidadora de gente. Ela contou que a maioria dos trabalhadores da saúde é obrigada a ter dois e até três empregos para  garantir um salário digno. E que isso se reflete no trabalho. "Imagine a gente passar duas, três noites sem  dormir, nos plantões. Quanto erros não são cometidos? O perigo que isso é? Não porque a gente seja incompetente, é o cansaço. Fico pensando porque as pessoas não se indignam com isso. Amanhã ou depois elas vão parar num hospital e vão ser cuidadas por nós, trabalhadores esgotados, cansados, aturdidos. Isso sim deveria ser discutido".
A greve na saúde é de fato um transtorno e uma fonte de dor. Os empobrecidos, que sofrem tanto no dia-a-dia, sem médico, sem atendimento digno, sem acesso aos equipamentos modernos de diagnósticos, sem opções de tratamento nas cidades do interior, submetidos a ambulancioterapia, acabam enfrentando mais um obstáculo. Mas, se formos observar bem, nada muito diferente do cotidiano, o qual só é vencido por conta desses mesmos trabalhadores, alguns deles verdadeiros heróis, que conseguem tirar leite de pedra. 
O governador Raimundo Colombo, que não precisa de atendimento público, prefere ignorar o grito dos trabalhadores. Faz queda de braço e se mantém inflexível. A imprensa reproduz os argumentos dizendo que o Estado não tem condições de dar a gratificação que substituiria a hora-plantão. Observem que a reivindicação dos trabalhadores ainda é modesta: apenas uma gratificação, que viria para substituir a hora-plantão, diminuída ou retirada. Ainda assim, o governador manda corta salários, humilha, recebe com gás de pimenta. Ora, não tem condições de dar a gratificação? Segundo dados do governo, no Portal da Transparência, só em recursos próprios o estado arrecada por mês 12 milhões para a saúde, gastando apenas 1,5 com pessoal. Do total do orçamento anual a saúde representa 15% de gasto. Que tal então cortar os comissionados que têm salários variando de 5 a 12 mil? Ou a publicidade, que consome 110 milhões ao ano? Dinheiro o estado tem, o fato que não quer investir na saúde. É, porque salário é investimento.
A questão é simples. Um trabalhador como o da saúde, que atua diretamente na sustentação da vida, precisa estar bem pago e bem descansado. O certo seria ter um único emprego, descansar o suficiente para poder cuidar bem de si e dos outros. Mas, o que se vê é um trabalhador desesperado, esgotado pelo excesso de trabalho, tendo de atuar com uma estrutura sucateada, um sistema desmontado, equilibrando-se no milagre. É esse o que cuida do doente, que pode ser o teu filho ou tua mãe. Aí está o ponto que deveria ser discutido pela imprensa.
O ódio da população deveria voltar-se para isso. Para o descaso com a saúde pública, com os trabalhadores, com a estrutura dos postos e dos hospitais. Mas, a maioria das gentes prefere odiar o trabalhador que luta. E mais, quando um trabalhador, esgotado pela exploração, comete um erro que custa a vida de alguém, todos os holofotes se voltam contra ele, apontado como o monstro, o assassino, o irresponsável. Lembram da enfermeira que injetou café na veia de uma pessoa? Pois é. Essa é crucificada! Não há nenhum dedo apontando para o Estado, para o governador, o prefeito ou para o diretor do hospital. A culpa é sempre individual, e do mais fraco.
O fato é que o desmonte da saúde é responsabilidade de quem governa, de quem gere os recursos, de quem decide para onde vai cada centavo. A negativa da gratificação aos trabalhadores é só uma ponta do problema. Há que pagar os trabalhadores, garantir a sua dignidade, há que garantir atendimento à população nos postos de saúde, nos hospitais, há que modernizar a estrutura, garantir os melhores equipamentos. E as pessoas também precisam se mobilizar para que isso aconteça de fato. Não basta choramingar. Há que lutar. Mas, para isso seria necessária uma articulação estadual e nacional, para além do sindical, que pudesse avançar para uma mudança radical do Estado brasileiro. Esse é o desafio da esquerda nacional. Ser capaz de gestar no meio das gentes o desejo de um mundo outro, que não esse, no qual os direitos precisam ser diuturnamente lembrados, na esgrima com o poder. Resta saber se isso é possível num país onde as lideranças sindicais e sociais estão - na maioria - domesticadas  e cooptadas.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A luta do negro é uma luta do Brasil


  O primeiro transporte negreiro no Brasil foi em 1594. Parece que faz tempo, mais de 400 anos, mas os rastros e consequências dessa viajem dolorosa e imposta aos africanos permanecem até os dias de hoje. Talvez não nos damos conta de o quanto essa história impacta em nossas vidas até o momento presente e, talvez, isso seja o principal motivo para continuarmos a reproduzir a segregação, a desigualdade e a desunião em nossa sociedade.
  O que é o Brasil?  Um país solidário, ético, para todos? Qual é nossa ideia de povo, de nação... Você já se perguntou? O movimento negro no Brasil não nasce por necessidade de reparação histórica apenas. Ele nasce por uma necessidade muito mais humana e ampla do que alguns discursos gritam. Para explicar, mais algumas pergunta cabem: O que define a qualidade de um ser humano? É sua cor, sua etnia, sua posição social ou seu caráter?
  Ao longo da história certas referências de bom, ruim, melhor ou pior nos foram impostas. A visão Eurocêntrica (a Europa como centro) predomina na média do pensamento do brasileiro como referência do que é melhor. Um certo complexo de primo pobre e uma necessidade de ascensão de classe passa por cima da nossa ideia de coletividade, de nação. Mas o que define o Brasil, mais do que o maior pais dos trópicos, do carnaval e do futebol é nossa diversidade cultural e étnica. Então, se o que nos define é nossa indefinição, porque ainda desconsideramos o papel, a importância e a contribuição do povo negro em nossa construção como Nação? Nossa cultura, nossas referências mais marcantes como povo, moram na herança dos Africanos, legado esse de peso de valor muito mais para o mundo do que a Europa nos deixou...
Consciência do que?
  Falar de consciência é falar de sensatez. É se contrapor a ignorância de quem não arreda pé de posicionamentos mancos, teimosos e arrogantes. É quando alegremente festejamos nossa cultura, esquecemos que ela é Africana em maior parte do que Europeia. Porque? Ser negro no Brasil ainda significa ser pobre, ser marginal, ser menos. É contraditório. Amar e admirar quem nos oprimiu ao longo da história, e odiar e diminuir quem nos deu o que temos de mais rico e bonito no nosso espírito brasileiro.            
 Nesse dia em que afirmamos a necessidade de uma consciência sobre o que significa a herança e o papel do negro no Brasil, é importante convocar  todos para uma reflexão. Se vivemos todos sobre o mesmo solo, brancos, negros, pardos, amarelos e vermelho, nesta terra onde nos construímos como coloridos, porque ainda os espaços sobre a terra mãe são limitados a cor, posição social e status? O negro ainda é o pobre, o marginal, a referência do que é sujo ou menor, mesmo sendo a maior parte da nação e mesmo não se valendo disso para ter prevalência na sociedade. O que a consciência negra prega não é uma inversão de ditaduras, o que ela propõe é uma noção mais profunda de valorização da nossa cultura e do nosso povo, de forma justa e humana.    
A dureza das conquistas
  Conquistamos o Estatuto da Igualdade Racial, Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades e Institutos Federais. O fato das Cotas Raciais serem oficializadas por força de lei, é a prova cabal de que as conquistas do negro sempre será mais difícil e que há um longo caminho a trilhar para transpor esse modelo de sociedade, abrindo um novo horizonte para construção de um país justo e igualitário.
A participação dos movimentos sociais na luta por igualdade
A invisibilidade histórica levou o Movimento Negro a empreender cruzada, prol a importância do negro no contesto histórico nacional. Na década de 80 o Movimento Sindical Brasileiro se aliou ao Movimento Negro em função da conjuntura brasileira, que expunha em suas entranhas, a segregação em especial do negro na sociedade brasileira. A importância da união dos movimentos sociais vai muito além de solidariedade de classe ou afinidades políticas. Diz respeito a construção de um mundo com lugar para todos, onde o individualismo seja suplantado pela noção de coletividade, com consciência de que as ações individuais afetam o coletivo, e de que a militância social não deve reproduzir modelos de segregação e disputa
Osíris Duarte
Jornalista
Wilson Martins Lalau
Diretor do SINERGIA-SC

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fotos: Quando morar é um privilégio



Uma história é contada por pessoas. E as pessoas, no plural, é que são a história.

Gente... Gostaria de frisar alguns pontos: Tive autorização dos pais das crianças e das lideranças da ocupação para fazer as fotos. São cerca de 200 famílias, em condições precárias e negligenciadas pelo estado. É duro ver que mesmo com direitos básicos, garantidos pela constituição, essas pessoas serem tratadas como párias, a míngua, e descriminadas. Assim como a saúde e a educação, o direito a moradia é um direito fundamental. Infelizmente o individualismo e o pensamento privativo se sobrepõe ao direito coletivo em um país como o nosso. Não publiquei no facebook e aqui a toa essas fotos, elas servem como um lembrete, depois de tantas promessas de campanha eleitoral, do quanto ainda temos para lutar por uma sociedade onde o seres humanos não sejam apartados por classe, gênero, raça ou credo. Fica aqui a lembrança e o reforço do papel do jornalista também, que se coloca fora de um contexto para relatar, mas perde a lógica quando decide não se envolver. Afinal, qual é a história mais verdadeira. Aquela de quem assiste o filme na sala do cinema, ou do ator que protagonizou a filmagem. É só uma reflexão crítica que acho que podemos fazer.