quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ilusões do mundo “civilizado”: A mega sena em cena mega

Devo aqui fazer uma confissão: Sim, eu pensei, por um momento, em jogar na mega sena da virada. Assim como em outras ocasiões, o desejo material tomou conta de mim e, independente da quantia absurda a ser sorteada, tive o ímpeto de jogar assim como já tive com prêmios menores. Em 29 anos joguei apenas uma vez em loterias. Não ganhei. Mas não é o valor do prêmio atual, mas sim a possibilidade de ter recursos materiais para realizar os sonhos mais distantes no que tange a carne que me atraia. Mesmo com idéias altruístas de cunho reparador e pensando na partilha, não consegui amenizar o que penso e o que me impediu de jogar: O abismo ilusório da riqueza sem esforço e a falsa sensação de eqüidade social que esses prêmios promovem.

O sistema humano atual, com predomínio do capitalismo e individualismo, tem esses instrumentos sórdidos para a manutenção do status quo. Os quase 200 milhões de Reais em jogo na Mega Sena da virada são responsáveis por manter viva na mente do povo a ilusão de que nesse sistema todos tem a chance de ascender de classe, de ficar rico. Loterias acabam por se transformar em justificativas para as desigualdades econômicas e sociais, mexendo com os sonhos mais íntimos de tantos, que separam um pouco do seu suado dinheiro para ter a sensação de que há esperança fora do trabalho árduo e da perspectiva de mudança de conduta perante os bens materiais, consumo, coletividade e status social.

A grande mentira das loterias está explícita na forma como são divulgadas e vendidas. Eles dizem: “jogue, você também tem chances de ganhar”. E ai todo mundo joga esquecendo que quanto mais gente jogar menos chance VOCÊ tem de ganhar. O fato é que mesmo com a conjuntura atual do país, necessitado de formas de transferência de renda para amenizar as desigualdades econômicas e investimentos para melhorar a qualidade de vida do cidadão, ainda se fomenta nos corações das pessoas a chance de ascender de classe social, exercendo o poder do dinheiro sobre a vida, o mesmo poder que em muitos casos oprime esses mesmos espíritos ávidos pela chance de ser rico. Essa mania de sobrepujar o outro, deixando pra trás a pobreza e indo em direção a riqueza, em nada colabora para a construção da necessidade de dividir que temos hoje a meu ver. Ai, quem já é rico, se sente correto em não partilhar seus recursos com o próximo, levando uma vida de luxo e opulência, sem se preocupar com os milhões que passam fome e que não tem como suprir necessidades básicas. Acho muito injusto que haja a possibilidade de alguém ganhar sozinho essa bolada. Parece-me o reforço daquilo que muitos consideram um mal a nossa sociedade: a exacerbação da desigualdade social.

Criar a sensação de que existe eqüidade nesse sistema é uma forma de mantê-lo imperando nas nossas vidas, seja botando lenha nas paixões humanas, ou mesmo manipulando psicologicamente a compreensão e o discernimento das pessoas em relação às necessidades coletivas e responsabilidade cidadã. Acaba sendo uma grande contradição moral jogar na loteria, porque qual o brasileiro que nunca reclamou das desigualdades do país? Quem não se manifesta contrário as diferencias econômicas e sociais que fomentam a criminalidade, violência, corrupção e tantos outros problemas da nossa sociedade? Acho que somente aqueles que se beneficiam disso, não é? Só que quem joga na mega sena não é o rico explorador nem o político opressor. Quem joga é quem sofre, o povo, que sonha em um dia deixar de ser empregado e virar patrão, mesmo que seja como capataz do sistema.

A publicidade e a propaganda trabalham com o emocional das pessoas para angariar consumidores e clientes. Superestimando a materialidade, o acúmulo e o pensamento individualista, ela é responsável por grande parte do conteúdo de cunho manipulatório veiculado na imprensa e nos meios de comunicação. A mega sena funciona da mesma forma. Só que sem precisar de subterfúgios para enganar instantaneamente. Seu apelo é pela ganância, e em uma sociedade com moral ainda frágil e valores conflitantes, esse apelo tem sua força explícita nos quase 200 milhões de Reais oferecidos no prêmio.

Será que não há nada mais útil pra fazer com essa grana em beneficio da coletividade? É justo que com tantas mazelas no nosso país nós ainda almejamos ter mais e viver melhor que o próximo? Mesmo querendo realizar meus sonhos mais ambiciosos, mesmo pensando na partilha, não é justo reforçar tal pensamento egoísta e carregado de ganância. Eu fiquei com vergonha de mim, depois da ficha cair, por ter cedido a essa tentação. Acordei antes de me arrepender. Espero que assim como eu tive um momento de lucidez em meio as fantasias que em tantos se instalam com a possibilidade de ganhar a bolada, você, leitor, tenha. Torço para que esse prêmio tenha 200 ganhadores! Serão 200 milionários - melhor do que só mais um! Mas na verdade mesmo, torço para que não haja mais mega sena, quina, jogo do bicho, bingo, etc. Que não haja mais subterfúgios para manipulação do entendimento de liberdade e direito nas sociedades humanas. Que não haja mais um abismo social e que a sociedade de classes se dilua, transformando o dinheiro em apenas aquilo que ele é de verdade: um pedaço de papel colorido.

www.palavraodoosi.blogspot.com
Osíris Duarte 30/12/10

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O anti-social revolucionário

A expectativa que muitos criam em relação às correspondências de conduta, ou discurso, em relação aos paradigmas dos sistemas humanos de organização social vigentes, são meramente o reforço das mazelas causadas pelos mesmos ao convívio humano. Esperam que eu seja mais um boneco do sistema, até nas coisas que parecem mais leves, menos significativas. Isolar-se é impossível, mas o despertar da consciência da dicotomia humana pode significar a disponibilidade para viver e compreender a vida de maneira mais abrangente, sem necessidade de cumprir com as cartilhas de sistemas humanos falidos, auxiliando a construir novas formas de organização social, baseadas em valores imutáveis e mais evoluídos.

Constantemente somos cobrados pelo próximo a interagir de acordo com determinadas condutas. E essa cobrança se faz independente da consciência do cobrador em relação à individualidade do cobrado. Claro que tal consciência não representa um verdadeiro ato de esclarecimento, seguindo de respeito, em relação ao universo particular presente em cada um de nós. Certos ritos sociais e determinadas práxis da boa convivência são apenas reflexos viciosos da necessidade de domínio sobre o “outro” e alento em relação aos próprios medos e permissividade das responsabilidades humanas, projetadas ao próximo em tom de cobrança, corroborando assim com sua própria conduta e servindo de justificativa para a manutenção dela, mesmo sabendo no íntimo que ela é distorcida ou errada, e que a cobrança é uma mera projeção do íntimo de cada um.

Desde que parei de comer carne e decidi me excluir de determinados ritos da sociedade humana, me tornei um ser anti-social. Esses pontos são só alguns exemplos particulares. Na verdade deixei de ser “sociável” quando me enveredei pelo caminho da auto-descobrimento. Na procura de minha identidade essencial, da minha autenticidade, cada vez mais venho desconsiderando as obrigações sociais que fomentam relações egocêntricas, dominadoras e cheias de apego. Os rótulos não me aprazem mais, os preconceitos somente confundem meu entendimento do mundo, distorcendo meu julgamento e meu discernimento. E isso não pode ser considerada uma demonstração de frieza ou indiferença, não quando o foco é a evolução própria que, consequentemente, beneficia o coletivo e clareia a conduta sob a luz da compreensão.

Hoje é comum dissociar caráter de conduta. Pregasse a boa relação, valores elevados, justiça... Mas faz-se pouco para atingir tais metas. Nos discursos sempre estão presentes tais valores importantes: Amor, fraternidade, união, solidariedade... Mas muitas vezes essas palavras são somente palavras, nada mais. A participação em determinados ritos sociais somente reforça estereótipos burros, servindo para muitos como uma fuga da realidade a ser encarada e das verdades a serem vividas. Quando a boa educação serve para um propósito que não o amor ao próximo, ela é apenas um instrumento de dissimulação, que reforça a mentira dos rótulos que assumimos, disfarçando a conduta que realmente adotamos. Na política partidária esse exemplo é corriqueiro, não é?

Ter me excluído de rodas de cervejada semanal, de churrascadas regadas a gargalhadas em meio à comilança, não me afastou da noção real que deve estar presente na forma como nos relacionamos, pelo contrário. Viver com mais certeza das minhas buscas e daquilo que sou aproximou muitas pessoas de mim. Parece que a necessidade de se descobrir atrai quem sente dentro de si o mesmo anseio. E sem me afastar de ninguém me aproximei de todos, estabelecendo os consensos nas relações que vivo sem mentiras. Não deixei minhas amizades, mas deixei meus amigos sim. Deixei com que eles trilhassem seus caminhos, empreendendo a mesma busca que faço comigo, busca essa repleta de alegrias e conquistas, muito maiores do que as vitórias meramente materiais.

O afastamento de determinadas convenções sociais também me proporcionou a vivenciar as minhas próprias convenções. Assim me aprofundei ainda mais no que sou, dando chance para ver coisas que antes não podia ver, mesmo estando guardadas em mim. É assim que hoje caminho, no presente. A transitoriedade da vida, quando vivida, abre portas que antes nunca pareceram possíveis, ou que nunca passaram por nossas cabeças. Aí novas coisas, que antes eram desdenhadas ou não almejadas, passam a ter importância, tudo graças à impermanência da vida.

Mas apesar dessa condição instável – que demonstra a constante busca por equilíbrio da existência, fato que nos ensina o caminho do equilíbrio em si – viver nos reserva verdades essênciais absolutas, como, por exemplo, o fato de coexistirmos. A condição biossocial do homem é algo factual. A interdependência existencial das individualidades humanas está sempre presente na construção de rótulos e máscaras, mas eles só se constróem porque não possuímos, ainda, a firmeza em nossas reais identidades, nosso eu integral. Assim, para nos sentirmos parte da sociedade, assumimos os paradigmas pré-estabelecidos pelo sistema de organização humana, feito pelos próprios homens, que desconhecem a profundidade real que reside dentro deles mesmos. Antes de estabelecer paradigmas é necessário conhecer o terreno onde essas referências se apóiam. Em um mundo que se apresenta tão caótico, será mesmo que conhecemos a terra onde pisamos? Será mesmo que nos conhecemos? A pergunta filosófica fundamental não é só apenas um devaneio intelectual de boêmios na madrugada, é necessidade existencial.

Nossos valores incorruptíveis são inquestionáveis e independentes da vida dentro do sistema humano. A nossa dependência simbiótica do bioma terrestre, nossa necessidade de tolerância e paciência em relação às diferenças na busca pela paz, nossa necessidade de amor recíproco e de harmonia nas relações são coisas que todos nós, quando abdicamos por um momento do nosso ego inchado e da nossa cegueira arrogante, sabemos o quanto são verdadeiras e inquestionáveis. Portanto, se não nos falamos há muito tempo, se não apareci na festa, se faço questão de não falar sobre determinados pontos de vista, condutas ou temas, é porque me amo tanto quanto amo você. E não passarei por cima do teu livre-arbítrio, não vou tirar teu mérito em descobrir quem és realmente. Não hei de sugá-lo para justificar meus erros e não vou cobrá-lo por aquilo que devo esperar apenas de mim, assim como eu espero ser respeitado na particularidade do meu íntimo autoexistente, o eu e eu no balé da vida.

Artigo publicado neste Blog em 2009 e reeditado em 2010
Osíris Duarte – Jornalista

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre flores, dilemas e disputas

Lá em casa as flores crescem na medida do amor no meu coração. E quando um dia triste, de chuva e céu cinza, cobre meu telhado, as flores ainda insistem em perfumar meu jardim. Porque procuro não me abalar mais pela efemeridade dos sentimentos que o cinza da chuva me trás, mas sim viver mais as cores e os perfumes das flores. Lá em casa elas florescem sem meu auxílio ou minha interferência. Lá em casa as flores são livres para adornar de beleza meu dia de jardinagem, minha metáfora cotidiana, minha estante de livros em desordem organizada, minha vida...

Já falei, aqui mesmo nesse blog, minha opinião a respeito de conflitos, disputa, revolta, intolerância e indignação. Essas situações, ou sentimentos, permeiam nossas vidas coletivas, fazem parte do cotidiano psicossocial e determinam posturas e escolhas. Conflito é algo que acompanha a história da humanidade. Foram através deles, os conflitos, independente do tema a gerar tensão, que avançamos em muitas questões de ordem material, política, afetiva e social. O palco de forças antagônicas, ou mesmo discordantes, gera o conflito e, com esse conflito, é produzida uma energia que impele a humanidade para os próximos passos. Na dinâmica de nossa existência considero que sempre avançamos, mesmo quando não parece e, sendo assim, o conflito como força motriz da evolução se mostra como instrumento importante na depuração de valores e na construção de novos paradigmas. Mas então qual é a crítica ao conflito?

A crítica em si não reside no conflito do tipo individual, pessoal, íntimo, que produz em nós mudanças e nos faz refletir a respeito da vida e do nosso papel no mundo, mas sim nos pontos de tensão que se estabelecem em decorrência dos conflitos pela incapacidade de alguns seres humanos em olhar o próximo sem intolerância. Resquícios da primitividade humana. Num mundo com tanta diversidade (que não vejo como acaso) o conflito é instrumento esperado, necessário até certo ponto. Mas hoje sinto cada vez mais forte a necessidade de conciliação, mais do que a necessidade de conflito. E nela, na conciliação, que percebo o próximo passo evolutivo em termos morais e sociais para a humanidade. Grande parte dos entraves, mesmo com o grau de evolução do intelecto humano, não se dão pela necessidade de tensões para produzir novos valores nas pessoas, mas pela dificuldade de dissolver tais tensões em benefício próprio e do coletivo. Os conflitos de ordem social se estabelecem na sua maioria por uma postura egocêntrica e individualista, que não tem distinção de camada social. Mas ai você me pergunta: Osíris, como conciliar com patrões capitalistas e políticos safados, que querem somente explorar e obter benefícios nas costas do povo, trabalhador, humano? Respondo com uma frase que ouvi muitas vezes da minha mãe quando um colega ia a algum lugar ou tinha algo que eu pedia: Mas fulano vai mãe! Eu dizia. E ela: E se ele pular de um penhasco você também vai? Justificar nossas ações com as dos outros não guarda mérito moral nenhum para mim. É necessário sim que vivenciamos nossos conflitos mais íntimos, mas desnecessário é culpar o mundo e o próximo por eles. Não pegarei em armas para lutar pela paz.

Já a disputa pode ou não ter sua origem nos conflitos, seja de ordem pessoal ou conjuntural (política, cultura, gênero, raça...). Mas a palavra em si e a intenção que ela carrega é que me arregalam os olhos e me faz desconfiar da argumentação para justificá-la. Tudo aquilo que se disputa não se divide. A disputa tem em si a predisposição de prevalência perante algo, o que em si já é exclusor. Por mais que nossa sociedade esteja cheia de gente que está voltada para o mal, com caráter duvidoso, ou por mais que as instituições públicas e privadas sejam falhas e opressoras, por maior que seja a má vontade ou desejo de vingança e exploração, como podemos nos considerar aptos e dignos de combater tais coisas nos portando da mesma forma, ou mesmo utilizando isso tudo como argumento para que a bola da vez seja você, não aquele que você considera a escória da sociedade? Como acreditar em alguém que se diz socialista, defensor dos fracos e oprimidos, quando esse mesmo sujeito disputa a posição de destaque, ou a possibilidade de benesses e status, do seu dito opressor? Não que não queira gente boa nos cargos públicos e na gestão social, mas dentro de um sistema de cartas marcadas, disputar tais posições somente nos levará a ocupar da mesma forma o cargo do predecessor mau caráter, cumprindo o papel que lhe cabe no sistema para assumir tal posição. O problema do sistema somos nós gente, não ele em si. Por que somos nós que damos credibilidade a ele, somos nós que galgamos posições dentro do mesmo, fomos nós, direta ou indiretamente, que o construímos, sem preocupação, muitas vezes, com o coletivo ou o próximo. O passo evolutivo de abolição de conflitos e disputas é o que, para mim, se avizinha na evolução do nosso ser humano terrestre. Isso ainda pode parecer uma utopia hoje, mas o que é nossa realidade se não uma utopia do passado.

Por causa dos conflitos e disputas, geramos em nós sentimentos como a revolta, indignação, medo, ansiedade e agressividade. E nada disso, por mais que em alguns casos vá gerar frutos positivos em quem sente, pode ser considerado uma forma evoluída de compreender e apreender com a vida. Não quero aqui desvalorizar a caminhada de cada um. Cada qual com o peso da sua necessidade de crescimento, pois o ônus e o bônus da vida cabem a cada um em conformidade com aquilo que se semeou. Também não quero que esse artigo pareça uma forma de justificar a inércia ou a alienação. Só acho que há outras formas de lutar pela evolução tirando o conflito e a disputa. Acredito que possamos evoluir se adotarmos uma postura amorosa perante a vida, fomentando o que há de melhor nas pessoas. Acho que ter postura política, opinião e atitude cidadã não significa que devemos medir forças com o próximo. Penso que ao invés de destruir os jardins durante a batalha, mesmo com o argumento de reconstruí-los melhores - ao gosto próprio! - é mais contraproducente do plantar mais flores. Devemos sim nos indignar e nos revoltar contra aquilo que atenta a evolução da humanidade, não apenas com o que conflita com nossas escolhas pessoais de cunho religioso, intelectual ou político. E que esses sentimentos sejam o reflexo da vontade de transformar para o bem nossa existência, não a tradução do que há de pior em nós. Essa coerência, que vale para capitalistas, socialistas, anarquistas, budistas, cristãos ou mulçumanos. Que vale para pretos, brancos, amarelos, vermelhos e azuis, fala muito mais alto as nossas necessidades evolutivas do que a revolução socialista ou o desenvolvimentismo estúpido capitalista. Como considerar a humanidade preparada para galgar caminhos de justiça e fraternidade, se nos apoiamos não no sentir, mas no prevalecer? Como construir algo que sirva a todos excluindo sempre alguém da construção do processo?

Lá em casa as flores crescem na medida do meu amor. E quando elas florescem e o odor delas me amolece, sinto que a beleza da flor, que cresce sem que percebamos, durante a noite de sono, está no processo livre de viver para colorir o mundo, perfumar a vida e renovar a esperança do Jardim do Édem, da humanidade florescida.

Osíris Duarte
Tem/PB 02358 JP

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Nos mil mudei...

O Palavrão, esse bloguezinho despretensioso que montei há mais ou menos um ano chegou aos 1000 acessos. Sei que em termos de internet isso não é nada! Também sei que não vou ficar famoso nem ganhar dinheiro com isso, mas pra não deixar passar tão batido e dar algum crédito pela minha perseverança em atualizá-lo periodicamente, mudei o layout e coloquei mais uns aplicativos. Quem gostou ótimo, quem não gostou fala ai porque? Abraços a quem interessar.

Osíris Duarte

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nós e o senhor das moscas


Por Elaine Tavares  - jornalista

01.12.2010 - Dias desses vi na televisão um filme que já havia assistido nos anos 90 e quem naqueles dias, já me causara profunda tristeza. Chama-se “O senhor das moscas” e mostra um grupo de crianças perdidas numa ilha, depois da queda de um avião, fugindo da guerra. Na ilha, sozinhos, eles têm de se organizar e aí aparecem todos os estereótipos do humano. O ditador, o herói, os elementos da democracia, o misticismo fundamentalista, a ciência, os covardes, os perdidos, os fracos, o selvagem. A película é inspirada em um livro do mesmo nome escrito na década de 50 que, em tese, tenta mostrar o quanto o ser humano carrega dentro de si o germe da corrupção. E aí não se trata desta corrupção que vemos na TV quando um suborna o outro, mas a corrupção existencial, essa que torna um garoto normal e educado num ser sem qualquer sentimento ou moral: um selvagem, na acepção mais crua da palavra.
O senhor das moscas tenta mostrar que há algo de podre no humano que, cedo ou tarde se manifesta, como já havia ousado propor George Orwell, no Revolução dos Bichos. Mas, ao mesmo tempo também aponta a presença do humano justo, digno, bondoso e capaz de conviver com o diferente. Este, ao longo do filme, em que um deles vai assumindo o controle de todos os garotos pelo medo e pela força, vai ficando sozinho. Até ao ponto de ser caçado por todo o grupo, que comandado pelo chefe, se dispunha a eliminar o menino que ousava instituir uma vida de liberdade e respeito pelo outro, nas suas debilidades e belezas.
É uma experiência dolorosa que só acaba com o quê? Com achegada da força, vinda de fora. O exército libertador.
Por algum motivo esse filme me faz pensar no que acontece no Rio, hoje. Por viver tão longe, não me sinto muito capaz de fazer uma boa análise dos fatos. Há tantas variáveis a considerar. O tráfico, duro e cruel, a ganância imobiliária que quer as terras dos morros, a violência da polícia, a corrupção, a ausência completa do Estado nas áreas de favela, os barões da droga que estão no asfalto, enfim... tanta coisa, e outras mais fora do meu olfato. Mas, de alguma forma vejo cada um daqueles meninos do “senhor das moscas” se expressando no turbilhão de notícias e opiniões sobre as ocupações dos morros cariocas, dentro do grotesco “espetáculo” montado pelas emissoras de televisão.
A ascensão dos chefetes das drogas nas comunidades empobrecidas não é coisa que brota do nada. É fruto de toda a omissão do estado burguês diante das promessas que faz. Não há saúde, não há escola, não há lazer, não há vida. O capitalismo suga todas as forças dos trabalhadores e os joga uns contra outros. O povo se vira como pode, equilibrando-se na corda bamba entre a lei e o tráfico. E, aí, assomam todos os tipos de seres: os bem intencionados, os heróis, os selvagens, os fracos, os bondosos, os medrosos, etc... Mas, como bem analisa o professor Nildo Ouriques, o povo é sábio e só sobrevive porque sabe avaliar a correlação de forças do espaço onde vive. Ninguém quer viver sob o terror dos soldados do tráfico, mas tampouco quer a presença de uma polícia corrupta, racista e violenta. É um fogo cruzado que nunca pára.
Hoje a polícia ocupa o morro e a TV expõe as gentes a celebrar o fim de um tipo de opressão. Mas e amanhã, quando o tempo passar, e as câmeras se voltarem para outro tema? E se a polícia sair? E se o Estado não cumprir de novo com suas promessas? E se voltar o terror do tráfico? E se o Estado não agir no espaço dos chefes graúdos, os que vivem no asfalto? Há uma coisa que se chama sobrevivência. As pessoas querem seguir suas existências, de alguma forma, e de preferência bem. Como viveram até hoje, sem o Estado e sem a polícia? Porque são sábias e vergam tal qual o feixe, ao sabor do vento. Se não fosse assim não estariam vivas.
Mas, e amanhã, quando com as UPPs todos os morros estiverem livres da força do tráfico, se as empresas de turismo quiserem os terrenos onde vivem as gentes para ganhar dinheiro durante as festas das olimpíadas e da copa? Haveremos de ter a mídia aliada ao povo do morro? Haveremos de ver os comentaristas das redes nacionais defendendo as “pobres” famílias das favelas?  Não! Não veremos. Será uma outra batalha a ser travada tal qual a do personagem do filme do senhor das moscas. Uma solitária batalha contra o capital, e aí não haverá um exército libertador. Pelos menos não um de fora.
A história dos empobrecidos é uma recorrente história de perdas. Coisa poderosa demais. Os de baixo estão sendo sempre colocados diante de suas derrotas, em todas as grande batalhas que travam por vida digna e farta para todos. A força do poder solapa e arrasa, fazendo com que as pequenas vitórias se desfaçam nas brumas. Isso cria uma atmosfera de profunda impotência. E não deveria ser assim. Se o povo empobrecido decidisse tornar-se quem é, as coisas seriam diferentes. Mas, para isso haveria que se despertar a consciência de classe, sair da emergência, da difícil tarefa de manter-se com a cabeça para fora do lodo mortal da sobrevivência cotidiana no reino do capital. Tanto trabalho a ser feito, tanto suor, quase um trabalho de Hércules. 
O Rio de Janeiro é esse campo onde reina “o senhor das moscas”, uma espécie de pedaço do campo geral que é o mundo capitalista. No filme, é a cabeça de um porco que representa o mítico, o poder, a força, o símbolo de algo intangível, inalcançável, a coisa etérea que mantém todos os meninos  sob um domínio incapaz de se desfazer. Vejo esse símbolo, agora, na caveira do BOPE. Em volta dela arma-se toda essa “festa” de libertação do morro. Mas o que esperar de uma força que tem a caveira como símbolo? Já bem disse Muniz Sodré num recente artigo sobre os fatos. Esta não é uma luta dos bonzinhos contra os malvados. Há tantos lados e tantas variáveis nestas personagens.
O Brasil vive nestes dias uma espécie de euforia desenvolvimentista. Desde o segundo governo Lula as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão se espalhando por vários cantos do país, como um símbolo da melhora da vida. Mas, muitas destas obras são questionáveis, não representam soluções reais para os problemas. Alguns, elas até aprofundam. Ainda assim, incensa-se sem sendo crítico. Agora, com o pré-sal, mais uma onda de “melhoras” deve atingir o país. Dinheiro do petróleo vindo aos borbotões. Para quem? Até onde esta onda alcançará as gentes simples? Receberão migalhas ou participarão do banquete, como convidadas? Garantirão aos milhões de jovens deste país a possibilidade da vida digna? Ou terão eles que enfrentar o “senhor das moscas”, como sempre foi?
Não sei. Tudo está aberto. Os meninos armados que hoje servem ao tráfico – urdido muito além dos morros empobrecidos – precisam de muito mais do que promessas. Precisam ver as coisas boas acontecendo com eles todos os dias, precisam se saber parte de uma sociedade justa e livre, na qual terão a chance de construir em pé de igualdade. Há uma cena no filme “o senhor das moscas” que me parece bem paradigmática das coisas que vivemos como seres humanos. O garoto “rebelde” está sendo caçado pelo grupo, o chefete quer a sua morte. Ele corre pela selva e se depara com um incêndio. Está acuado, sem saída. Então, dois dos garotos, que foram cooptados pelo líder ditador, o vêem sob uma árvore, quase sendo tocado pelo fogo. Eles estacam, atônitos. O chefe grita: “estão vendo algo?” E eles, olhando fixo nos olhos do menino, respondem, depois de um longo silêncio: “não”. É quando o garoto consegue fugir em direção à praia. Por um minuto, o sentimento de solidariedade e o desejo da liberdade se fazem parceiros. É a otimista mensagem do autor que, apesar de destacar o tempo todo a vileza e a capacidade de destruição que existe no humano, mostra que é possível, num átimo, tudo se transformar. E, claro, isso não se dá por magia, mas por uma profunda compreensão sobre o que, afinal, está em jogo.
No filme, os garotos entendem que algo está errado e procuram fazer algo para mudar. E nós, aqui, agora? Haveremos de continuar rendendo cultos ao senhor das moscas?

www.iela.ufsc.br

RIO: JORNAL VISAO DA FAVELA BRASIL

 Minha colega Marcela Cornelli me indicou a leitura. O Jornal Visão da Favela Brasil, produzido com a colaboração de membros de comunidades carentes do país, não é a Globo tá gente. Como manda o bom jornalismo, é necessário ouvir todos os lados, não apenas formar opinião com as "informações" da grande imprensa, que serve aos interesses políticos e economicos de determinados grupos da elite do poder, mas não necessariamente a população que mais necessita de informação com cunho educativo e sem vícios de cacuetes de marionetes da manutenção da concentração de poder no país. Segue abaixo a leitura. Minhas considerações guardo para o próximo texto de minha autoria, brevemente, aqui neste Blog  

JORNAL VISAO DA FAVELA BRASIL
A VERDADE CONTADA POR QUEM VIVE LÁ

A mais de uma semana, a grande mídia espetaculariza e incrimina os territórios pobres. A favela Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, é a pauta da mídia. As mesma emissoras de Tvs estão tentando passar para o povo Brasileiro, que estamos vivendo uma guerra no Rio de Janeiro. Não podemos negar que alguém, ou grupo praticaram ato criminoso e violento, incendiando carros e ônibus na metrópole. Mais porque será? Quem foi? A mídia fala muito que a policia irá acabar com o trafico? Será? Quem bota essas armas pesadas nas favelas? Quem bota toneladas de drogas nas favelas? - será que é criminalizando as favela que a violência da cidade irá acabar? Ou por outros víeis da cidade que tem que ser fiscalizado e reprimido? Bom, sabemos que o trafico gera muito lucro, cerca de 4 trilhões de dólares por ano, o trafico gera. E quem fica com toda essa grana, que eu e nem você sonha em ter em mãos? Você sabia que os grandes bancos ITAU, BRADESCO e outros, é quem lava essa grana? NÃO! Gente você conhece algum traficante nascido nestas favelas da VILA CRUZEIRO OU COMPLEXO DO ALEMÃO, que estão passeando de helicóptero? Que tem uma mansão em Ipanema, barra da Tijuca? É, é muito dicifio de responder essa pergunta! Agora pergunto, quem conhece algum traficante que não tem casa própria? Que não tem dente? Que é viciado? Que estar na miséria? Essa pergunta já é mais fácio né?... Gente, o que vinhemos chamar a atenção é que, não temos que aceitar esse sensacionalismo que a GLOBO,RECORD e outras estão fazendo com aquelas favelas. Não estamos em guerra. NÃO TEM DIA D. Porque temos que aceitar dezenas de pessoas serem mortas e ainda aplaudimos como se fosse um jogo de videogame? Porque a policia pode matar Preto e Braco pobres, e isso é aceito com a maior naturalidade por parte da sociedade. Por que o Medico Dr: Roger Abdelmassih foi condenado a 278 anos de prisão, acusado de abusar sexualmente de dezenas de pacientes, e hoje estar em liberdade depois de 4 meses de cadeia? Nós moradores de favelas temos que sentir na pele, o que aqueles moradores estão passando.
“MUITA GENTE ESTÃO SENDO
EXECUTADOS E ISSO A MÍDIA NÃO MOSTRA”
Muitos policiais estão arrombando as casas dos trabalhadores e roubando seus pertences, e isso não se comenta. Será que isso acontece em um condomínio de luxo, quando algum mega traficante é preso? Não! Sabemos que essa preparação da cidade para a copa do mundo, será feita nem que tenha que morrer,
Dezenas, centenas e milhares e favelados. E daí que assimseja. A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeirocidade tem que passar a sensação de segurança, caso contrario os turistas não vem. Gente a violência enriquece muita gente de alto escalão politico, e não fica nada nas favelas a não ser a repressão, o sangue derramado pelas vielas a criminalização do território e muita dor dos familíares que perdem seus filhos e parentes, envolvido no tráfico de drogas e muitos inocentes. Quem será melhor para dar as ordens na favela, trafico ou policia? Nem um devemos querer! Podemos viver em harmonia sem a presença das armas de ambas partes. Porque temos que viver na presença da armas? Nos condomínios os abastados não estão sendo vigiado pela policia, na portaria do prédio não estão revistando os moradores né verdade.
O Visão da Favela Brasil não é a favor de nenhum tipo de crime, seja ele trafico, mensalão, medico estrupador, politico corupito. E sim a favor da preservação da vida. Tem que prende-los não executa-los”.

- O Jornal Visão Da Favela Brasil, é um informativo gratuito de comunicação popular
Diagramação - Texto - Ilustração : Visão da Favelas Brasil. Fone: 021-8670-0327
Blog - www.visaodafavelabr.blogspot.com Email: informativosantamarta@gmail.com
“VOCÊ TABÉM É COMPLEXO DO ALEMÃO”

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A culpa é dos golfinhos

   Os dóceis animaizinhos, alegres e simpáticos habitantes do mar, os golfinhos, nunca imaginariam que serviriam de bode-espiatório para as justificativas da imprensa e de alguns catarinenses em relação à mudança de endereço do futuro estaleiro do bilionário bonitão Eike Batista. Os pobres bichinhos, caçados até quase extinção em algumas partes do mundo, agora servem de argumento para diminuir a importância da não instalação desse empreendimento, que ameaçava a qualidade de vida de milhares de catarinenses, comprometendo fontes de renda importantes para o estado como o turismo. Colocar a culpa nos golfinhos é de uma conveniência argumentativa para os defensores do projeto que soa quase como piada.

  Um dos principais pontos de defesa do “bendito” projeto do estaleiro são os tais 14 mil empregos que o empreendimento geraria no estado. Relembrando que a maricultura gera os mesmos 14 mil empregos, setor esse que ainda tem muito para se desenvolver em Santa Catarina e de forma sustentável. Mas vamos então debater esses tais 14 mil empregos. Primeiro que são pelo menos 10 mil empregos indiretos, gerados em todo o processo de construção e manutenção do estaleiro, que tem prazo para ficar pronto e, conseqüentemente, prazo para desempregar. Apenas 4 mil vagas seriam de empregos diretos, quantia irrisória comparado com a geração de empregos no turismo, que depende intimamente da conservação do patrimônio natural para continuar gerando renda no estado. Santa Catarina é um dos destinos ecológicos mais respeitados do Brasil, não só pelas belas praias como também pela mata atlântica litorânea preservada (um dos maiores percentuais de conservação no Brasil) e região serrana, com seus cânions, cachoeiras e mata nativa. Na verdade, me parece que o argumento de geração de empregos no Brasil serve hoje para justificar qualquer ação, mesmo ela sendo a mais estúpida possível dentro do atual contexto ambiental, social e humano do planeta. Basta dizer que serão geradas algumas dezenas de empregos para que apóie a derrubada de florestas, a privatização de áreas da União (como é o caso da região costeira e matas nativas) ou mesmo o “desenvolvimento nas coxas” promovido pela ocupação de áreas sem qualquer fiscalização, planejamento ou vislumbre de uma estrutura sustentável. Enquanto os empregos forem gerados à custa da qualidade de vida do cidadão, fomentando as diferenças sociais – já que a maioria deles são subempregos, de baixa renda e com características exploratórias – e a exacerbação da importância do consumo e da notoriedade dentro de uma estrutura capitalista selvagem, não poderemos vislumbrar a manutenção desse belo estado da forma confortável e acolhedora, durante muito tempo.     

  Quanto ao senhor Eike Batista, o bonitão bilionário autor do projeto, há de se ressaltar que ele é um empresário que tem o lucro como objetivo, não o bem estar do cidadão. Um fato curioso e recente a respeito desse senhor foi a doação de 2 milhões de Reais feita por ele na campanha eleitoral desse ano. E para quem? Um milhão pra Dilma e outro para o Serra! Isso não me causou surpresa, apenas reforçou o papel que esse senhor tem na sociedade e como ele o desempenha. Fica claro o interesse desse sujeito apenas nos negócios, sem comprometimento ideológico ou posicionamento político. Estamos cansados de saber que o financiamento de campanha é uma troca de benesses entre grupos de interesse que nada tem a ver com o desenvolvimento do país e qualidade de vida do brasileiro. Dentro da realidade do “business” Eike exerce seu direito no jogo de toma lá dá cá da realidade Tupiniquim, mais isso não deve mais ser considerado uma condicionante para ascender economicamente no país, nem mesmo deve passar despercebida aos nossos olhos e senso crítico. É preciso saber quem são esses sujeitos para que possamos saber opinar melhor e de forma menos fragmentada.  

   Algumas das opiniões que ouvi, favorável a vinda do estaleiro e desfavoráveis a atual situação, a ida do empreendimento para o Rio de Janeiro, são de uma ignorância (daquele que ignora os fatos, ou o fato) descomunal. Como o foco da imprensa tem sido o meio ambiente emperrando o desenvolvimento – fato esse que colabora para a condição atual do clima e da sustentabilidade ecológica do planeta – muita gente tem se armado de cinco pedras em cada mão para acertar o primeiro golfinho que ver pela frente. Opiniões como “se matarem uma pessoa o culpado pode até não ser preso (Nota minha: se for rico né!), mas se matarem um animal com certeza serão”, ou até responsabilizando o empresariado catarinense, dito sectário e ortodoxo por alguns, são algumas das críticas feitas por quem não mora perto da área nem vai ganhar nada com o estaleiro. Não entendo como o empresariado catarinense, um dos principais segmentos a serem beneficiados com tal empreendimento, poderia ter investido contra a instalação do mesmo. Culpar políticos também tem sido pauta no debate sobre o tema, logo eles que tanto fizeram esforços para que o negocio saísse! Mesmo com o anúncio da ida do Eike pro Rio, para fazer a lambança dele lá, o governador em exercício Leonel Pavan chamou a OSX para conversar, na tentativa de salvar “algum” nessa história para Santa Catarina. Mas de que Santa Catarina estamos tratando? A dos empresários e políticos ou a do povo do mar, pescadores, ecochatos – como alguns gostam – que se reuniram as centenas durante meses nas audiências públicas para debater o projeto, que engrossaram o coro de descontentamento junto ao MP e aos órgãos ambientais, que numa atitude pouco comum a nossa realidade, fizeram cumprir-se a Lei!  Infelizmente no nosso país as Leis são exercidas de acordo com a posição social e conveniência, e mesmo o cidadão mais simples, que não ocupa altos cargos e ganha muito, repete o discurso de contravenção social em detrimento da organização pelo bem estar coletivo. É preferível burlar as Leis para gerar os tais empregos, do que segui-la consciente da existência dela como instrumento de preservação ao que pertence ao coletivo, não apenas a mais um empresa de um cara cheio da grana. E, enquanto navios saem no estaleiro, os golfinhos ficam com o ônus da ignorância humana. Somos todos seres vivos, e o benefício de uns não pode significar a morte de outros. Se assim como os golfinhos somos parte da natureza, porque ainda nos colocamos na posição de julgadores dos destinos dos seres da Terra? Porque para o lucro de alguns podemos matar outros? Se temos mais direitos sobre esse planeta do que as demais espécies, nossa responsabilidade deve ser proporcional a posição que nos colocamos. Acho que vou contratar um advogado para os golfinhos, coitados... Gerações e gerações usaram aquela baia como ponto de parada e agora são responsabilizados pela frustração de uma vontade imediatista humana. Acho que vou contratar o advogado para processar por calúnia e difamação aqueles que insistem em culpar os golfinhos pela ignorância do homem.


Osíris Duarte



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A todos com amor...




   É normal que no dia de nosso aniversário as pessoas nos cumprimentem, parabenizem e demonstrem carinho. Normal pelo menos pra aqueles que, como eu, têm o privilégio de conviver com muitas pessoas e se relacionar de forma amorosa com todos. As demonstrações de apreço e carinho que recebo nesse dia são a alegria do meu coração que tanto ama nossa irmandade terrestre e, essa alegria, nasce não da lembrança dispensada a mim, mas principalmente pela disponibilidade dos seres de demonstrar amor e carinho por um amigo. Quisá pudéssemos amar e demonstrar esse amor para todos a nossa volta todos os dias, quisá...

  Essa história de rede social, internet, celular, fez com que nos dias de hoje nos possamos estreitar distâncias que impediam tais demonstrações. A facilidade e agilidade da net permite que nos expressemos em tempo real, colocando a mostra não só o que queremos mostrar, mas nosso estado de espírito momentâneo, nossas angústias nossa ansiedade... A net também permitiu que muitos lembrassem do dia do aniversário do próximo, coisa que pra mim, que sou ruim de data, foi ótimo. Assim como a internet permite que publiquemos os maiores absurdos, permite também a expressão daquilo que há de melhor no ser humano, mesmo que virtualmente.

  Nesse dia 11, onde completo 29 ciclos na minha caminhada terrestre, faço os melhores votos não apenas para meu anseios e sonhos, mas principalmente pela propagação desse amor dispensado em forma de mensagens curtas, mas carinhosas, dos meu amigos. Sou o que sou porque somos meus irmãos. Se falo de um jeito, me visto, me comporto, e porque existe VOCÊ ai do outro lado me dando um referencial, uma razão para expor quem sou e minha maneira de pensar. Sozinho não seria o Osíris que vocês conhecem nem você seria alguém, um indivíduo. O mais loco desse lance de indivíduo, de individualismo, é que pra existir tal conceito é necessário que haja um coletivo, afinal só separamos ou individualizamos algo que tem como tem distinção dentro de um coletivo, grupo ou sociedade. Só apenas existisse Adão na Terra, por exemplo, existiria o conceito de indivíduo ou mesmo de coletividade. A interdependência desses conceitos, ou nomenclaturas, é o que dá a razão da própria existência dos mesmos.

  Por isso, se sou o que sou, sou por sua causa! Que nesse dia a festa fique por conta dos filhos de Deus, que o mesmo amor a mim dedicado retorne em dobro a todos e que a luz de um amanhã mais fraterno, amoroso e justo paire nos corações daqueles que dispõe do seu amor em prol da felicidade e reconhecimento do próximo. Aniversário tem todo o ano, então meu obrigado fica por conta da humanidade e afeto nos corações dos meus. Um grande beijo do amigo Osíris Duarte.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Apontamento sobre a censura e os conselhos de comunicação

Elaine Tavares  - jornalista

Um tema bastante complexo tem tomado o imaginário brasileiro através das usinas ideológicas da classe média, as revistas semanais, e os telejornais das grandes redes: a censura. O motivo de tal questão ter vindo à baila é a proposta de institucionalização dos Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação.   Jornalistas, comentaristas, analistas e palpiteiros tem se referido a esse assunto de forma rasa e redutora, o que é bastante prejudicial para a formação do juízo das pessoas sobre o que é verdadeiramente censura.
Para falar sobre esse assunto vou me remeter ao livro da historiadora Beatriz Kushnir, lançado em 2004, mas ainda pouco conhecido na área da comunicação. É o “Cães de Guarda – jornalista e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O trabalho tem uma importância tremenda porque, com ele, Beatriz desvela o outro lado da imprensa nos anos de chumbo, tempo da ditadura brasileira.  Ali, é possível caminhar pelas intrincadas veredas do processo de censura que tomou conta do país depois do Ato Institucional número 5, em 1968, e ver o quanto a categoria dos jornalistas também colaborou para que a censura se fizesse real, seja através dos profissionais que assumiram o cargo de censores ou dos que assumiram a função de polícia.

O livro de Kushnir talvez não seja tão conhecido porque é justamente uma chaga aberta a sangrar, mostrando que não só os donos dos grandes meios foram coniventes com as barbaridades do regime militar, mas também muitos profissionais do jornalismo colaboraram de forma ativa. Naqueles dias, a censura era concreta e cotidiana. Palavras eram proibidas de serem pronunciadas, notícias sobre fatos de interesse público como uma epidemia de malária eram proibidas, informações sobre as arbitrariedades do regime, torturas, assassinatos e desaparecimentos então, nem pensar. Havia um setor que cuidava da censura aos meios de comunicação, aos artistas e a qualquer outro sujeito que usasse a palavra. A censura era uma imposição do estado ditatorial e impedia a livre expressão das idéias. Ela permeava todas as instâncias da vida, uma vez que também as reuniões eram proibidas. Um grupo com mais de três pessoas já era considerado motim.

No campo do jornalismo ela se expressou com a obrigatoriedade de revisão prévia das notícias feita pelos censores que, como revela o trabalho de Beatriz, tinha entre eles um número expressivo de jornalistas. As pessoas que se prestaram a esse papel eram contratadas como funcionários públicos e tinham curso superior, desfazendo-se então a idéia corrente de que os censores eram criaturas ignorantes e incapazes. Não o eram. No mais das vezes chegavam a ser “treinados” nas universidades, que ofereciam cursos sobre como censurar. O governo investiu muitos recursos neste tipo de capacitação. Vários dos censores foram entrevistados por Beatriz e a maioria tinha consolidada a certeza de que estava realmente ajudando a manter a moral e os bons costumes.

O livro de Beatriz também desvela como a censura explícita e realizada diretamente pelos funcionários públicos vai se transformando em autocensura. Os donos dos grandes jornais se mostravam incomodados pela intromissão governamental, mas não era muito em relação ao conteúdo noticioso, uma vez que a maioria dos empresários da comunicação apoiou o golpe e conspirava das mesmas idéias. Houve uma certa rusga, mas logo tudo foi se acomodando, e tanto, que os grandes jornais contratavam censores, aposentados ou não, para fazerem a pré-triagem. Ou seja, eles eram pagos pelo jornal para adequar as notícias ao gosto dos censores, para impedir que os jornais sofressem atrasos ou cortes. Isso foi gestando uma cultura de autocensura nos jornalistas, que acabaram incorporando a idéia de que certas coisas, temas, palavras e assuntos eram proibidos. Tudo se ajustou. A TV Globo, conta Beatriz, teve um funcionário deste tipo até os anos 90, ou seja, sobreviveu ao próprio regime militar.

Informações desta natureza dão conta do caráter conservador do jornalismo de massa brasileiro, ficando para a resistência – pequena, alternativa e quase ineficaz – o território do jornalismo crítico. A coisa ficou tão contaminada nas grandes redações que, no início dos anos 70, os jornalistas contratados para noticiar a vida, distorcida pelas lentes da censura, eram também policiais. Ou seja, desfaziam-se os limites da repressão e da notícia. Só era noticiado aquilo que interessava ao regime e os jornalistas eram eles mesmos os cães de guarda. Arrepiante relato.

A herança policialesca

Não foi sem razão que esta forma de autocensura acabou se irradiado pelos demais meios de comunicação. No geral, os donos da imprensa nacional compõem uma meia dúzia de famílias que, de forma capilar, acabam se reproduzindo em todos os estados da federação.  Em cada um deles se pode observar o monopólio de um determinado grupo, que tem ligações muito próximas dos “jornalões” e TVs do eixo Rio-São Paulo. E, como os donos são sempre parte das elites locais, a forma de enxergar o mundo passa pelas lentes conservadoras e muitas vezes oligarcas.

Quando a ditadura militar terminou, o processo de censura estava consolidado. Mesmo com a volta da chamada democracia, nos veículos de comunicação os temas proibidos pelos militares continuavam proibidos. Basta lembrar a cobertura dos fatos que envolviam o MST. Ainda na metade dos anos 90, falar de sem-terra era aberração. E, quando estes temas puderam ser mostrados, a faceta policialesca do jornalismo seguiu de dentes arreganhados. Gente em luta logo era enquadrada nas caixinhas de “bandidos”, “baderneiros”, “invasores” e, agora, em pleno século XXI, “terroristas”. 

Isso mostra que o terrível momento da censura e toda a sua organização institucional e empresarial, tão bem narrados por Beatriz Kushnir, ainda não acabou. Se assim fosse por que teríamos as matérias da Veja? Ou os editoriais raivosos do Jornal Nacional? Por que causa tanto medo à elite que domina os meios de comunicação um Conselho de Comunicação que junte movimentos sociais, sindicatos e gente do povo? Por que a idéia de ter gente “comum” discutindo a comunicação é apresentada como a possibilidade da censura? Por que regular a atividade de comunicação está sendo chamada de censura?

Na verdade, toda essa algaravia de que  o Conselho vai trazer a censura é o exercício da má-fé dos mesmos de sempre, os que, inclusive, sustentaram todo o processo de censura nos anos de chumbo. A chamada “imprensa livre” não quer controle, não quer ninguém metendo o bedelho na sua extração de mais-valia ideológica, como bem já analisou o pensador venezuelano Ludovico Silva. A proposta do movimento social organizado não é a da censura. Não é esconder temas, proibir palavras, impedir que a vida real se expresse nos meios. Pelo contrário, o que foi construído pelos movimentos ao longo desta infindável transição para a democracia é a proposta de controle social, algo absolutamente natural num espaço que se diz democrático. As gentes têm sim o direito de opinar sobre o que sai na TV e no rádio. Estes setores são concessões públicas e a sede do poder é o povo. As pessoas têm sim o direito de estudar, discutir e deliberar sobre a programação e os horários de exibição de determinados conteúdos. Isso não é censura. Censura é o que os donos da maioria dos meios fazem hoje ao ocultar fatos, ao não contextualizar os acontecimentos, ao obscurecer a verdade. Isso é censura! O exercício do poder de veto de uma elite, dona dos meios.

Por isso que num momento como esse, de profunda desinformação provocada pelos mesmos meios, seria bem importante a leitura do livro de Beatriz Kushnir. Porque ela dá nome e sobrenome aos donos dos meios e aos jornalistas que colaboraram com a ditadura e com a censura. Porque mostra que ser jornalista não significa, em última instância, ser crítico. Não o era, naqueles dias, com grande parte dos jornalistas formados à facão, nas redações e na vida, e continua assim hoje, com os jornalistas formados em cursos na maioria medíocres e colaboracionistas em igual medida, articulados mais com os empresários do que com os trabalhadores.

Beatriz desvela esse universo desconhecido do período da ditadura militar que vai de 68 a 88 (quando da Constituinte), e isso é bom, porque, afinal, a imprensa só fala bem de si mesma, e os jornalistas críticos não têm onde escrever. Então, estas histórias muitas vezes só podem ser contadas assim, quando são objetos de dissertações ou teses. No caso da Beatriz avançou, virou livro e está aí para ser devorado.

Na história, o jornalismo sempre serviu às elites

É claro que um trabalho de gênese acadêmica tem suas limitações. Ele precisa de recortes, é o que pede a academia, tão pouco afeita a totalizações. Nesse caso, da discussão do jornalismo colaboracionista em tempos da ditadura militar, faltou um pouco da história do próprio jornalismo. Porque se a gente mergulha nessa história vai perceber que o papel da imprensa não é, nem nunca foi fiscalizar o poder. De que a imprensa não é, nem nunca foi um “quarto” poder. Ela é braço forte do poder instituído pelos poderosos, pelas elites.

O jornalismo como profissão, como espaço de divulgação diária de notícias sobre o mundo, nasceu com o capitalismo. Não que não houvesse jornalismo antes, se considerarmos jornalismo o ato de noticiar algo sobre o mundo. Os desenhos pré-históricos são notícias, as tábuas da mesopotâmia são notícias, as pedras chinesas são notícias, a bíblia, o alcorão, os vedas, a ilíada. Tudo isso são notícias. Mas o jornalismo, tal como o conhecemos hoje, como espaço da informação diária, ela própria virada em mercadoria, é cria do capitalismo. Os jornais diários são criados para o anúncio das mercadorias. Os textos são assessórios.

Assim, se é o capitalismo que  cria o jornalismo, o que podemos esperar desta prática humana? Nada mais nada menos que ela trabalhe para a consolidação daquilo que é o próprio sistema que a engendra. Se for assim, é da natureza do jornalismo ser colaboracionista do sistema. Do status quo.  Por isso, durante a ditadura iniciada em 64, assim como no Estado Novo, boa parte do jornalismo esteve a serviço do sistema. Então, o que o trabalho da Beatriz nos revela é pura e simplesmente o jornalismo sendo ele mesmo.

 Ao longo da história do jornalismo nós vamos observar que o que sempre esteve em questão foi a liberdade de expressão dos donos do poder. As situações de crítica ou do jornalismo assumindo a frente de denúncias, desvendando maracutaias, etc, sempre foram coisas pontuais, espaço específico de alguns “jornalistas”, hereges, os fora da casinha. Pessoas, seres humanos comprometidos com uma outra visão. E também, ao longo da história podemos perceber que quando estes jornalistas tiveram poder, é porque de alguma maneira estavam ajudando seus patrões a ganharem dinheiro, ou porque estava acontecendo alguma mudança de temperatura do mundo, como por exemplo, no período da abolição.

E os dias atuais?

Vamos nos remeter ao hoje. Qual a diferença entre o jornalismo entreguista e colaboracionista dos anos de chumbo e o de hoje? Qual a diferença do jornalismo praticado pelos Frias/Caldeira naqueles dias, e o praticado pela Globo hoje, ou qualquer outro, Diário Catarinense, Record, etc??? Como eles noticiam as FARC, os fatos na Venezuela, na Bolívia, em Cuba? Como são as manchetes? Que denúncias aparecem na televisão, se não aquelas que são levantadas pelos repórteres/policiais, que sobem os morros no carro da polícia? Quem são os terroristas de hoje, apontados com nome e sobrenome na televisão? Nada mudou. É da natureza do jornalismo ser parceiro do sistema.

Agora, mesmo diante desta realidade e justamente porque o jornalismo é feito por pessoas, ele pode escapulir de seu leito. O jornalismo, então, pode ser crítico. Sim, pode. Assim como o direito pode ser crítico, a arquitetura, a história, a medicina. Todos os saberes podem ser críticos se as pessoas forem formadas para isso, se aprenderem a fazer uso da criticidade. Mas, como sê-lo se a escola é formatadora de uma mentalidade conservadora, se a universidade é hoje um dos espaços mais atrasados, de colonialismo mental, de reprodução do mesmo

Há um autor gaucho que formulou seu pensamento mais original em Santa Catarina, na Universidade Federal: Adelmo Genro Filho. Ele criou o que chamou de “teoria marxista do jornalismo”.  Também compreendeu que o jornalismo é filho dileto do poder instituído, do capitalismo, mas, igualmente percebeu que o jornalismo não é um “ente”, algo imobilizado, cristalizado. Ele é praticado por pessoas. E estas são passíveis da dialética. Portanto, o jornalismo apresenta brechas. E os jornalistas críticos podem e devem mergulhar nessas brechas, trazendo para os leitores/ouvintes/espectadores um texto que possa caminhar da singularidade do fato até a universalidade de toda a atmosfera que envolve aquele acontecimento singular. Isso tira o maniqueísmo do processo jornalístico e ele pode ser crítico em qualquer tipo de sistema. Adelmo é pouco conhecido na universidade, talvez por sua teoria ser “marxista”, o que só consolida o atraso da academia.

No caso da ditadura militar brasileira, foi o jornalismo alternativo que usou do expediente de ser crítico. E hoje, igualmente é o alternativo que combate o jornalismo chapa branca, que se entrega aos dominantes. Mas, já não mais apenas como o jornalismo, tal qual o conhecemos, e sim como uma proposta original, nascida das entranhas do que deveria ser, de fato, a sede do poder, ou seja: o povo organizado. É a proposta da soberania comunicacional, na qual está inserida a ideia de um conselho de comunicação democrático, onde as gentes sejam protagônicas.

A soberania comunicacional

Por isso que não trabalhamos mais com a ideia de democratização da comunicação, que era válida nos anos 90, mas que, agora, encontra seus limites. Democratizar implica em melhorar o que aí está. E não é isso que queremos. Nossa proposta é a de soberania comunicacional, algo que pressupõe o novo, o absolutamente novo. O jornalismo reinventado, o jornalismo assumido pelas gentes organizadas. Porque as pessoas sabem que o jornalismo que aí está não lhes diz respeito. Por isso foi tão difícil aos jornalistas, e eu diria que foi impossível, fazer as gentes compreenderem porque o STF devia manter a exigência do diploma para o exercício da profissão.  As pessoas não se reconhecem no jornalismo dos grandes meios, não se vêem. Sabem que não os representa. E isso provocou uma profunda derrota aos trabalhadores do jornalismo, vitória para os patrões, que agora poderão explorar mais.



Mas, é por conta de não se reconhecerem no jornalismo oficial, dos grandes meios, que os movimentos sociais estão se apropriando das técnicas de comunicação para contar suas histórias. Querem produzir conteúdo, controlar os meios, decidir o que é importante ou não. Querem exercer a soberania. Uma grande batalha com a corporação, mas que precisa ser pensada e compreendida. A luta contra o capital pressupõe a parceria com o povo. Sem as maiorias os jornalistas que estão fora do sistema de colaboração tampouco poderão avançar.

Não é sem razão que o sistema de poder, a se ver ameaçado pelo povo, a verdadeira sede do poder, revê suas estratégias e as legaliza, como vimos no livro de Beatriz Kushnir “Os cães de guarda”, no qual ela mostra como a ditadura ia criando as leis que determinavam a censura, amparando “legalmente” os desmandos de um governo ilegalmente constituído. Por isso, não causa surpresa, hoje, a decisão jurídica definida pelo STF no que diz respeito à profissão do jornalismo. Os empresários temem a opinião pública bem informada, tal como já alertava George Orwell, no seu prefácio ao livro “Revolução dos Bichos”. Assim, com medo do povo informado e caminhando para a soberania, os donos dos meios inviabilizam a presença da massa crítica nas redações dos seus veículos. Desregulamentar a profissão é diminuir ainda mais a chance de qualquer pensamento crítico nos meios de comunicação de massa, porque, afinal, mesmo levando em conta a formação colonizada, sempre há a possibilidade de alguém escapar. Agora, sem lei que os ampare, sem exigência de formação, será mais fácil contar com os colaboracionistas, os que se autocensuram em nome da manutenção do emprego. Jogada de mestre.

Uma olhada no acórdão do STF e lá está: “os jornalistas são os que se dedicam profissionalmente ao pleno exercício da liberdade de expressão. Estão ligados e não podem ser pensados separadamente, então a regulamentação da profissão vai contra o direito inalienável de expressão”. Ora, que relações perigosas da justiça com o empresariado provocam uma fala como essa?

O jornalismo é uma profissão, a liberdade de expressão não depende do jornalismo. Qualquer ser humano pode escrever uma carta, pintar um muro, fazer um desenho, gritar na praça. O jornalismo é uma profissão que, por acaso, usa a palavra. Mas, agora, desregulamentado, se prestará ainda mais ao jogo obsceno na censura velada. E aí estamos de novo no mesmo mundo de 68, 69, 70. A proposta dos conselhos de comunicação, com a participação de outros setores da sociedade organizada,  não garante nada, nem democratização, nem soberania. Isso pode ser visto em outros conselhos já existentes como o da saúde e o da educação. Mas é um espaço importante de organização, de compreensão. Ou seja, é espaço “perigoso”, que pode provocar esclarecimentos, que pode fazer as gentes avançarem para o desejo de soberania. Por isso esse é um tema tão atacado. As elites têm medo do povo e isso é muito bom. Não é à toa, portanto, que os dignos representantes da elite nacional falem tão mal do conselho, e se esganicem falando que eles trarão a censura. Porque, na verdade, é o contrário. O povo não trará a censura e sim o esclarecimento. E isso é coisa difícil de engolir.                     

Então, não surpreende que nas redações continuem vicejando os cães de guarda, mais do que nunca. Aos jornalistas críticos estão relegadas as margens, o alternativo. Com a diferença de que, agora, estes e as gentes, juntos, poderão avançar no rumo da soberania comunicacional, construindo com os movimentos organizados um outro tipo de estado, que não este, e uma outra forma de organizar a vida, que não a capitalista.







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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Uma mulher na presidência

Por Elaine Tavares - Jornalista

Sempre admirei as mulheres valentes e ainda me arrepio ao lembrar Micaela Bastidas, vendo seus filhos e seu marido serem esquartejados, impávida, sabendo que havia feito a coisa certa: lutar pela liberdade, contra o colonialismo, pela sua terra e pelo direito de ser quem era. Encanta-me a história de Juana Azurduy, espada em punho, lutando pela libertação desta “nuestra América”, encurralada, com seus filhos nos braços, sem nenhuma vacilação. Ou ainda Bartolina Sisa, comandando as tropas aymaras no cerco a La Paz, poderosa como uma deusa, a alertar para o perigo da conciliação de classe. E Manuelita Saenz que, desde seu profundo amor por Bolívar, se fez generala, defendendo a liberdade assim como defendia seu homem, adaga na mão, lutando contra os assassinos. Ou Anita Garibaldi, que enfrentou o olhar de reprovação dos seus e partiu, montada em seu cavalo, com seu amor, empunhando a espada na luta pela liberdade. Ah, essas mulheres...

Poderia ainda citar outras tantas que, nestas terras de Abya Yala, mostraram seu valor, entregando a vida para construir um mundo novo, que garantisse a liberdade e a soberania popular. Mulheres guerreiras que simplesmente foram à luta sem reivindicar diferença de gênero, porque o que estava em jogo era o futuro das gentes e isso era tudo o que importava. E foi porque me criei ouvindo estas histórias que nunca fui muito afeita a esse debate feminista. Desde pequena, nas planuras da fronteira, as mulheres da minha vida, poderosas, estavam muito mais para Ana Terra que para Bibiana. Sempre prenhas de minuano e horizontes, as mulheres da minha infância empunhavam armas, corcoveavam nos cavalos bravios, banhavam-se nuas nas sangas, dormiam com seus homens na campina, disputavam carreira, queda de braço, tomavam caçacha e ainda lavavam roupa e faziam comida, com o palheiro acesso entre os lábios e aquele olhar de picardia.

Digo isso para alertar sobre o fato de que termos agora a primeira mulher presidente não quer dizer muita coisa. Porque antes de tudo é preciso saber: que projeto de país tem essa mulher? Que propostas têm para a educação, a saúde? Que modelo econômico vai defender? Com que valentia vai enfrentar a oligarquia agrária? Como vai enfrentar o tema dos povos originários? Até onde vai ceder diante da pressão das transnacionais? O quanto vai efetivamente tornar real o serviço público capaz de atender as demandas concretas da população? Assim, o fato de ser mulher não a torna especial. O que a fará única e “imorrível” é o caminho que vai trilhar. Basta lembrar Margareth Tatcher, a dama de ferro, mulher. E aí? Qual o seu legado para a Inglaterra? Para quem governou? Quem não se lembra da lenta e cruel destruição da categoria dos mineiros?

Dilma Russef tem uma linda história. É, sem dúvida, uma guerreira. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras desta nossa América. Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma bonita carreira profissional e política. Mas, no governo de Luis Inácio, foi “a mãe” do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, muitas vezes, mal planejado e eleitoreiro, não cumpriu com a sua promessa de melhorar a vida das gentes. Um exemplo da minha aldeia: aqui, no bairro Campeche, o PAC financiou a construção de uma rede coletora de esgoto. Isso é bom. Mas a proposta que tem para o destino final é a construção de um emissário que leve os dejetos todos para o mar, poluindo e destruindo a natureza. Que crescimento isso acelerou? Também foi ela quem ajudou a derrubar os “entraves ambientais” para a construção de grandes usinas, comprovadamente nocivas ao meio ambiente e as gentes. Isso foi ruim, muito ruim. Que o digam as gentes ribeirinhas e os povos indígenas.

Agora ela aí está. Competente, séria, dedicada, criatura do Lula, a quem agradeceu emocionada no seu discurso de posse. “Sou uma mulher de esquerda”, declarou em uma entrevista. “Vou governar para todos”, insistiu na sua fala à nação pouco depois de eleita, e deu bastante ênfase a idéia de desenvolvimento, fazendo crer que o Brasil pode entrar para o seleto clube dos países centrais. Mas, é isso que se quer? Ser “desenvolvido” como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França? Ser predador, explorador, imperialista? Há que ver qual é a estação final a qual Dilma quer chegar.

Os oito anos de Luis Inácio foram anos de bonança para a elite nacional. Nunca os ricos ganharam tanto, nunca os bancos ganharam tanto, nunca os latifundiários ganharam tanto. O próprio Luis Inácio admitiu isso em um de seus discursos. É fato que os pobres tiveram um quinhão do bolo, mas, vamos combinar, um pequeno quinhão. O bolsa família deu sobrevida a uma gente que definhava, mais ainda não lhes apontou o caminho da libertação. Criaram-se 14 novas universidades, que ainda patinam na qualidade. Com o Reuni, deu-se muita grana para as escolas privadas, embora isso garantisse vaga para alunos carentes. Então, não dá para negar que houve alguns avanços, mas sempre se reivindicou que era preciso mais. Muito mais.

Hoje, na senda neodesenvolvimentista apregoada por Dilma, estão encerradas as promessas de crescimento econômico e social, o que parece coisa boa. Mas, talvez falte ao governo explicar a custa do quê isso pode acontecer. Se antes o chamado desenvolvimento estava bloqueado pela dívida externa, hoje, sendo o Brasil periferia e dependente, esse tal desenvolvimento só pode chegar com o sacrifício da maioria, os mais pobres. E sempre tem sido assim. Desenvolvem-se os mais ricos, recorrentemente.

Dilma falou em diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, em acabar com a miséria, com a cracolândia, com o atraso. Promessas grandiosas que serão cobradas. Mas, na queda de braço com a elite nacional é que se poderá ver até onde vai a posição de esquerda da nova presidente. Existe aí um grande desafio que não será vencido sem uma mudança radical na proposta de organização da vida. O desenvolvimento sonhado não pode ser o mesmo dos países centrais. Há que se avançar para uma proposta nacional popular, capaz de realmente garantir a participação popular efetiva e protagônica. Sem a soberania do povo os avanços serão pífios.

Enfim, aí está a nova presidenta, uma mulher que “sim, pode”. Mas, feminina ou não, sua proposta de governo estará sob as luzes, e a nós cabe acompanhar. Sabemos que na composição PT/PMDB não deve haver espaço para o avanço no rumo do socialismo. O que se pode esperar são algumas reformas, e muitas delas serão contra as gentes, como a anunciada nova reforma da previdência, cuja versão européia está levando milhões às ruas no velho continente. Isso significa que não há tempo para esmorecer na luta por outra forma de viver. A luta das gentes segue e seguirá até que se construa, coletiva e conscientemente, a nova sociedade.

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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O que nasce partido jamais será inteiro

 
 Depois de algum tempo sem proferir nenhum palavrão, volto a destilar minhas opiniões. O momento não poderia ser mais oportuno, afinal, com as eleições, todo mundo dá sua opinião a respeito do processo de escolha de nossos governantes para os próximos anos. Infelizmente esse debate só vem à tona na sociedade brasileira na sua amplitude nessa época. Então, pra não deixar o bonde passar sem minha presença, faço aqui algumas considerações levantadas por mim em debates nas redes sociais.

   Depois de 10 anos marcando presença nas urnas, resolvi por uma escolha ideológica e de exercício democrático – por mais que não ache o Brasil democrático – não votar. Pra mim a obrigatoriedade do voto é uma das várias demonstrações de falta de democracia no Brasil. Ao invés de lutarem para convencer as pessoas a votarem, políticos de todos os partidos lutam para que votemos no menos pior, já que vamos ter que votar mesmo né!  Achar que cumprimos nosso papel como cidadão somente votando é como assinar um cheque em branco pra estelionatários. Cidadania não diz respeito à pretensa democracia brasileira, mas sim sobre a qualidade do ser humano e a consciência da nossa condição biossocial. Não peço a ninguém que pense e faça como eu. Vote, mas não se porte como mais um reaça de pijamas. Digo isso porque daqui alguns meses poucas pessoas vão lembrar de quem votaram nessas eleições, tirando a presidência e, essas mesmas pessoas serão as primeiras a repetir o discurso enfadonho de críticas aos políticos, a sociedade e ao povo. Eles vão dizer que o brasileiro é burro, que elegeu sei lá quem (ai ressaltasse as críticas) e vão dizer que não tem nada com o país, que a culpa e deles.

  Pra mim o voto obrigatório serve como instrumento de manipulação, forçando a população, já tão desamparada de oportunidades para construir conhecimento, a fazer uma escolha na ignorância. E não me limito apenas a quem não teve oportunidade de educação formal – o que seria em preconceito ignorante – mas me refiro também a muitos bem “educados” que se prestam a repercutir o jogo estúpido dos partidos, transformando a disputa em um mero jogo de personalidades. Voto em fulano por que não quero que beltrano ganhe. Não vote em ciclano porque ele tem tal amigo, vote em mim pra o outro não ganhar... É esse tipo de coisa que se houve no debate político partidário no Brasil, agora debater o país a sério ninguém quer. E os grandes projetos necessários para o desenvolvimento do povo deste país, onde ficam nesse debate? E você, caro leitor, conhece a fundo as propostas do seu candidato e que tipo de pensamento ideológico ele defende? Coerência não se justifica pela conveniência nem por subterfúgios de política partidária. Votar em quem está na frente ou em qualquer um por mero desafeto e jogar fora qualquer consciência política que ainda se têm em razão da arrogância de quem não teve a vontade prevalecida. Não passa de um voto inconsciente baseado nas falta de virtude nos seres humanos.

   A palavra "política" provém do vocábulo grego pólis, que eram as Cidades-estado da antiga Grécia, significando a reunião de pessoas que formam uma sociedade. Enfim, política é tudo aquilo que diz respeito coletividade, e exercício do poder... Então, é necessário saber diferenciar política partidária de política antes de afirmar que o desinteresse é alienante. Até dar bom dia pro motorista do ônibus é política, coisa que muita gente que se diz interessada pelo assunto não sabe fazer. O descrédito da política partidária no Brasil tem muito mais a ver com valores sociais do que com discernimento intelectual. Tem mais a ver com o que a política partidária defende do que com o ente político em cada um de nós.  No dia em que as pessoas enxergarem que votam em ideologias e grupos de interesses, e não em pessoas apenas, talvez possamos falar sobre a falta de interesse em debater o coletivo. O que nasce partido jamais será inteiro, e política diz respeito ao todo. Política partidária não pode ser encarada como torcida de time de futebol. Quero saber que hora vamos debater esse país a sério ao invés de defender pessoas que nem se sabe realmente quais são as propostas e qual ideal ou grupo de interesse defendem.


  Agora nos vemos, novamente, diante de um impasse. E na minha opinião não é entre Serra e Dilma, é entre ser ou não ser. Vamos continuar sendo omissos no nosso trato social, nas nossas relações e na nossa responsabilidade como cidadãos ou vamos, mais uma vez, passar essa responsabilidade pra quem assumir o poder. O fazer político que nos cabe, longe dessa coisa partida que só defende os interesses de pequenos grupos que lutam por migalhas do poder, passa pela nossa predisposição a SER HUMANO. O nosso ser político deve ser educado, participativo, deve cobrar, deve se manifestar fora das eleições deve buscar a solidariedade e todas as outras virtudes humanas.Vejo que nosso senso coletivo está prejudicado por um sistema maniqueísta e exclusor, mas acredito que esse sistema não prevalece sobre as vontades humanas, bastas querer e fazer sem esperar. Agora, vou ter que justificar ao Tribunal Eleitoral o porque de não ter votado. Vou lá pagar uma multa, pegar uma fila e perder mais algum tempo para que o estado saiba que tem o controle sobre mim. Liberdade, democracia... Alguém ai já se fez esse questionamento? És livre porque consomes? És livre porque votas? O Brasil é justo com essa conjuntura? Não sou um sujeito pessimista, nem por demais racional, mas algumas coisas devem ser ditas e, o que digo é que vivemos uma grande mentira.
 
Osíris Duarte - Jornalista

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Maranhão: Um lindo lençol de ceda, mas curto.

Por-do-sol na praia do Araçagi
Uma frase popular exprime bem a visita que fiz ao estado do Maranhão no mês de julho. Minha passagem por lá deixou comigo a impressão da história do cobertor curto: Cobre a cabeça, mas descobre os pés. Caminhando pelos lençóis maranhenses, pela Capital São Luis e pela cidade histórica de Alcântara, pude vivenciar uma das experiências de viajem das mais bacanas que já tive e, ao mesmo tempo, das mais decepcionantes. Mas antes de fazer observações nesse breve diário de viajem, devo antes ressaltar a beleza de um estado enorme, com natureza exuberante, povo verdadeiro e espirituoso e história rica e interessante.

  Ao descer do aeroporto, peguei um ônibus para o centro da cidade, onde pegaria outro para chegar ao meu destino. Como nordestino que sou, com orgulho, já estava de certa forma habituado a ver as desigualdades gritantes que se mostram nessa parte do país. Diferente do Sul do Brasil, os problemas comuns aos brasileiros no Nordeste têm menos “maquiagem”. Ao mesmo tempo em que saltava aos olhos a herança do Brasil Colônia e o abismo social decorrente da mesma, existe um ar muito grande de veracidade humana. Nos olhos do povo, na conduta e maneira de lidar com o mundo, sempre há um ar de humanidade, sinceridade e desapego por coisas menores que, em muitos casos, é inexistente nos sulistas. Parece que aparência é algo mais difícil de manter no nordeste. A condição pobre e de desamparo com que a grande maioria do povo vive por lá lhes deu uma força de vivacidade que é muito mais rara de se encontrar por aqui. O Maranhense não é diferente nesse ponto. Vive mais leve apesar do peso grande que tem que carregar.

  Logo em seguida à minha chagada ao estado, embarquei em um ônibus rumo ao parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. São cerca de 4 horas de viajem até a cidade de apoio ao parque, Barreirinhas. De lá saem às excursões para os Lençóis e é na cidade que fica grande parte das pousadas e serviços de atendimento ao turista. Em Barreirinhas as motos não têm placa e tão pouco se vê policiamento ou sinalização, mas ao mesmo tempo a minha sensação foi a de que nada disso é necessário por lá. Os lençóis são uma maravilha da natureza com a força de fazer com que eu ponderasse sobre a humildade. Dá pra sentir o quanto somos pequenos quando se chega lá. Fazer essa reflexão me levou para uma viajem íntima que me fez chorar ao ver o sol se pondo atrás das nuvens. Por tantas vezes somos por demais arrogantes, achando que entendemos os propósitos do mundo e que sabemos o que é correto. Por muitas vezes nos enganamos. Foi lá que revivi uma sensação de liberdade e felicidade, reconhecendo que fazer o melhor de mim nessa vida é mais do que muitas vezes achei que devia fazer. Bons valores, eu pensava... Chega de conflitos, pensava. Chega de revolta. A paz no meu coração foi algo aconchegante, como colo de mãe. Me senti coberto dos pés a cabeça pelos lençóis, nos braços de Deus.

São Luís: A Sarneylandia desvairada

Busto do Sarney exibido em uma casa histórica no centro
  Na chegada a São Luís ouvi de um residente. - Tem uma coisa boa e uma coisa ruim no Maranhão: A ruim são os Sarney, a boa é ser da família Sarney. Que o contexto político do Maranhão é conturbado e sinistro, que o domínio da família Sarney é um suplício, todo mundo sabe. Mas confesso que não estava tão preparado assim para testemunhar a realidade maranhense. A coisa se mostrou muito pior do que eu imaginava. Depois de voltar já começo a achar Santa Catarina e Florianópolis primeiro mundo, assim como acham a maioria dos nordestinos, mesmo isso sendo uma mentira. Pra começar a “marca” da família Sarney está por toda parte. É bairro Vila Sarney, ponte José Sarney, escola com nome da mãe, do pai, do tio do Sarney... Inclusive ouvi histórias de áreas invadidas onde a própria população batizou com o nome da família na expectativa de algum benefício, dado o contexto de dominação e dependência política do estado. O cenário em São Luís é contraditório e desolador. Mesmo com um dos maiores centros históricos do país e com um mercado turístico com grande atividade, as construções da capital do estado estão em condições de abandono e precariedade funcional.
Rua Feliz - Centro histórico de São Luis
Grande parte delas está praticamente em ruínas, além da total falta de higiene no local. Nunca em minha vida tinha visto tanto esgoto a céu aberto. Pelas ruas de grande parte da cidade, não só nas regiões mais pobres, o cheiro de esgoto toma conta. São Luís tem mais de 1 milhão de habitantes e o esgoto da cidade sempre foi jogado para o mar, lagoa e rios. A lagoa da Jansem, um dos pontos turísticos da cidade, fede à distância, enquanto nas margens pessoas comem e bebem em bares e restaurantes. Problemas estruturais não faltam na cidade. Ruas sem meio fio, com iluminação pela metade, ônibus caindo aos pedaços, lixo pelas ruas... Foi à parte da viajem mais triste, as constatações. Do outro lado da Ponte José Sarney, na parte da cidade que se desenvolveu nos últimos anos, fiquei chocado com os presos das coisas. Apartamentos estilo classe média em Florianópolis custam milhões, sim, milhões de Reais. Os aluguéis ficam na casa dos milhares. A parte “rica” da cidade, apesar dos presos exorbitantes, e tão mal cuidada quanto à parte pobre. A especulação imobiliária na região chegou com força tal que extrapolou os limites do bom senso. Nem mesmo o custo em Balneário Camboriú, por exemplo, se compara. A analogia não podia ser melhor, do outro lado da ponte José Sarney existe outra cidade.
Casa em ruínas. Umas das muitas no centro.
   A forma indolente, descompromissada e irresponsável como o povo maranhense é tratado pelo domínio político refletiu na própria construção social desse mesmo povo. Os serviços na cidade são muito ruins. Minha impressão foi a de uma má vontade generalizada. Ao pedir o cardápio em um restaurante na praia, a garçonete me olhou com uma cara de desdém que me fez perder o apetite. Não quero aqui dar uma de sulista exigente, não é isso. É que lá foi demais. Já viajei por quase todo o Nordeste e nunca tinha sido tão mal atendido. Não foram duas nem três vezes que me deparei com esse comportamento. Quando precisava pedir informação de algo sempre tinha dificuldade de consegui-la, pela falta de vontade de dar auxílio das pessoas. Na rodoviária, quase perco o ônibus pra Barreirinhas porque as duas atendentes – duas! – conversavam enquanto a fila aumentava. Com apenas duas outras pessoas na minha frente na fila, demorei quase 30 minutos pra comprar a passagem. Até no trânsito ficou clara a forma displicente com que o maranhense leva o cotidiano. Com ruas e avenidas esburacadas, mesmo com o asfalto novo, e sem sinalização, presenciei mais de 7 batidas de carro pela cidade. E pelo que fiquei sabendo isso é bem comum. Tipo bate-bate de parque de diversão. Falta de mão de obra qualificada é um problema em São Luís, e a grande maioria da população vive sem acesso a serviços essenciais. A cidade de mais de um milhão de habitantes tem apenas 2 hospitais. Não é a toa que o Maranhão ocupa um dos últimos lugares nos Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil. Mas minha reflexão aqui não é taxativa e recriminatória, e contextual. Apesar da forma como o povo se porta por lá, não sendo a mais cortez ou atenciosa, há de levar em consideração a história de desamparo e descaso a que foram submetidos. E o Sarney ainda se diz orgulhoso do seu estado e do que fez com ele.
  
A Jamaica brasileira


No farol da preguiça, em Barreirinhas, um barqueiro Rasta ostenta as bandeiras do Brasil e da Jamaica no seu barco.  As semelhanças entre nossos irmãos caribenhos e os maranhenses são enormes... Entendi o título do estado. O Maranhão, assim como a Jamaica, é um grande gueto, com desiguladades sociais gritantes. Em plena campanha eleitoral, os jigles dos políticos são ao ritmo do reggae. Nas ruas, dentro dos carros, as pessoas escutam versões de músicas diversas feitas para o reggae. Em Alcântara, Bob Marley está pintado na parede do restaurante, assim como nas ruas de São Luís ele é figura sempre prsente. O Leão de Judá aparece grafitado pelo centro histórico. Nas ruas existe a Sapataria Kingston, lojas de roupa com motivos Rasta, reggae nas casas na tarde de domingo... Foi em um sábado a noite que comprovei isso. No palco, Eric Donaldson, Jamaicano famoso tocava, em baixo mais de cem pessoas dançavam agarradinhas o som do Jamaicano, em um pequeno bar na beira da praia. Pra mim que sou fã da coisa, uma noite na memória ficou. A Tribo de Jah reçoava na minha cabeça no fim da festa, mais um dia se levanta na Jamaica Brasileira.   

Considerações

Lindo boi ornamentado - Festas de julho
Mesmo com tantos problemas – iguais aos nossos aqui, mas em uma escala muito maior – o Maranhão é um estado incrível, cheio de beleza, franqueza e presteza. Talvez não naquilo que nos acostumamos na sociedade de consumo capitalista (ser bem servido, atendido, bajulado, aliciado, ser esteticamente bem encaixado), mas principalmente em relação à construção humana no contexto brasileiro. Apesar de tudo, as pessoas lá levam uma vida mais real, menos ilusória, mais prática. Exigir consciência política, atitude cidadã e postura ideológica de um povo que muitas vezes não sabe o que vai comer amanhã é tão hipócrita e autoritário quanto os discursos dos Sarney. A estratégia do desamparo manteve no poder esse senhor de 80 anos e sua família. A filha, seguidora número um da carreira do pai, continua no governo após um “golpe”, e agora concorre novamente ao cargo posando nas fotos ao lado de Lula e Dilma Russef. Nos carros a foto da tríade predomina no estado. Na minha ida fiquei com um gosto doce de liberdade ao mesmo tempo em que levava um amargo da opressão. Hoje, de volta a Florianópolis, faço uma reflexão mais crítica em relação a forma do comportamento e atuação social da população dessa ilha. Porque a ilha de lá, no nordeste, é tão bela quanto a nossa, mas a vida lá me pareceu mais viva, mais real. Numa realidade social com tanta dualidade, tanta contradição, nunca é possível reconhecer só a beleza, sem saber ver a feiúra. Parece que nossa noção do belo precisa de um paradigma feio pra se tornar realidade. Trouxe comigo uma bolsa de palha de Buriti, árvore nativa do Maranhão, pra dar de presente, mas trouxe algo muito mais substancial, trouxe comigo o gosto doce e amargo de ser brasileiro.

Osíris Duarte
Mte/PB 02538 JP

( As imagens são de minha autoria e sua livre publicação é permitida se devidamente creditadas)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Andando pelo passado tão presente

O continente de Alcântara, como se refere o guia da marinha do Brasil e nativo da vila, Juca, é muito maior do eu imaginava. São cerca de 40 mil habitantes e diversas comunidades, entre elas várias quilombólas, além da base de lançamento de foguetes, com cerca de 500 funcionários, antes tocada por estadunidenses e, agora, por uma parceria entre vários países. Depois de mais de meia hora de barco é possível ver de longe a grande ilha, que se estende até perder de vista. Caminhar pelas ruas de Alcântara é uma viajem no tempo inesquecível. É como se estivesse novamente no Brasil colônia - será que saímos? - respirando um ar que é familiar a qualquer brasileiro. Entre igrejas construídas pelos escravos e para os escravos, e outras feitas para os senhores, o retrato do Brasil de Dom Pedro está a cada esquina. Toda a cidade e preservada, muito devido ao número de estrangeiros que adquiriram imóveis e os restauraram. A Fundação Roberto Marinho é outra que investiu em Alcântara, tudo pelas novelas da Globo, claro. A emissora possui uma casa na vila, onde grava miniséries e novelas. Abaixo vão algumas fotos das ruínas do mercado de escravos, das igrejas feitas com pedra de minério de ferro e óleo de baleia, do casariu centenário, de um dos dois únicos pelourinhos originais no país, além de belas paisagens por entre portas e janelas em ruínas. Um passeio do mais bacanas que já fiz pela história do Brasil. 

Fatos e Fotos: Alcântara - MA


                                  
As fotos aqui publicadas são de minha autoria sendo a reprodução permitida desde que se respeite os direitos autorais, creditando devidamente o material.

Osíris Duarte - Jornalista Mte/PB 02538 JP