quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre flores, dilemas e disputas

Lá em casa as flores crescem na medida do amor no meu coração. E quando um dia triste, de chuva e céu cinza, cobre meu telhado, as flores ainda insistem em perfumar meu jardim. Porque procuro não me abalar mais pela efemeridade dos sentimentos que o cinza da chuva me trás, mas sim viver mais as cores e os perfumes das flores. Lá em casa elas florescem sem meu auxílio ou minha interferência. Lá em casa as flores são livres para adornar de beleza meu dia de jardinagem, minha metáfora cotidiana, minha estante de livros em desordem organizada, minha vida...

Já falei, aqui mesmo nesse blog, minha opinião a respeito de conflitos, disputa, revolta, intolerância e indignação. Essas situações, ou sentimentos, permeiam nossas vidas coletivas, fazem parte do cotidiano psicossocial e determinam posturas e escolhas. Conflito é algo que acompanha a história da humanidade. Foram através deles, os conflitos, independente do tema a gerar tensão, que avançamos em muitas questões de ordem material, política, afetiva e social. O palco de forças antagônicas, ou mesmo discordantes, gera o conflito e, com esse conflito, é produzida uma energia que impele a humanidade para os próximos passos. Na dinâmica de nossa existência considero que sempre avançamos, mesmo quando não parece e, sendo assim, o conflito como força motriz da evolução se mostra como instrumento importante na depuração de valores e na construção de novos paradigmas. Mas então qual é a crítica ao conflito?

A crítica em si não reside no conflito do tipo individual, pessoal, íntimo, que produz em nós mudanças e nos faz refletir a respeito da vida e do nosso papel no mundo, mas sim nos pontos de tensão que se estabelecem em decorrência dos conflitos pela incapacidade de alguns seres humanos em olhar o próximo sem intolerância. Resquícios da primitividade humana. Num mundo com tanta diversidade (que não vejo como acaso) o conflito é instrumento esperado, necessário até certo ponto. Mas hoje sinto cada vez mais forte a necessidade de conciliação, mais do que a necessidade de conflito. E nela, na conciliação, que percebo o próximo passo evolutivo em termos morais e sociais para a humanidade. Grande parte dos entraves, mesmo com o grau de evolução do intelecto humano, não se dão pela necessidade de tensões para produzir novos valores nas pessoas, mas pela dificuldade de dissolver tais tensões em benefício próprio e do coletivo. Os conflitos de ordem social se estabelecem na sua maioria por uma postura egocêntrica e individualista, que não tem distinção de camada social. Mas ai você me pergunta: Osíris, como conciliar com patrões capitalistas e políticos safados, que querem somente explorar e obter benefícios nas costas do povo, trabalhador, humano? Respondo com uma frase que ouvi muitas vezes da minha mãe quando um colega ia a algum lugar ou tinha algo que eu pedia: Mas fulano vai mãe! Eu dizia. E ela: E se ele pular de um penhasco você também vai? Justificar nossas ações com as dos outros não guarda mérito moral nenhum para mim. É necessário sim que vivenciamos nossos conflitos mais íntimos, mas desnecessário é culpar o mundo e o próximo por eles. Não pegarei em armas para lutar pela paz.

Já a disputa pode ou não ter sua origem nos conflitos, seja de ordem pessoal ou conjuntural (política, cultura, gênero, raça...). Mas a palavra em si e a intenção que ela carrega é que me arregalam os olhos e me faz desconfiar da argumentação para justificá-la. Tudo aquilo que se disputa não se divide. A disputa tem em si a predisposição de prevalência perante algo, o que em si já é exclusor. Por mais que nossa sociedade esteja cheia de gente que está voltada para o mal, com caráter duvidoso, ou por mais que as instituições públicas e privadas sejam falhas e opressoras, por maior que seja a má vontade ou desejo de vingança e exploração, como podemos nos considerar aptos e dignos de combater tais coisas nos portando da mesma forma, ou mesmo utilizando isso tudo como argumento para que a bola da vez seja você, não aquele que você considera a escória da sociedade? Como acreditar em alguém que se diz socialista, defensor dos fracos e oprimidos, quando esse mesmo sujeito disputa a posição de destaque, ou a possibilidade de benesses e status, do seu dito opressor? Não que não queira gente boa nos cargos públicos e na gestão social, mas dentro de um sistema de cartas marcadas, disputar tais posições somente nos levará a ocupar da mesma forma o cargo do predecessor mau caráter, cumprindo o papel que lhe cabe no sistema para assumir tal posição. O problema do sistema somos nós gente, não ele em si. Por que somos nós que damos credibilidade a ele, somos nós que galgamos posições dentro do mesmo, fomos nós, direta ou indiretamente, que o construímos, sem preocupação, muitas vezes, com o coletivo ou o próximo. O passo evolutivo de abolição de conflitos e disputas é o que, para mim, se avizinha na evolução do nosso ser humano terrestre. Isso ainda pode parecer uma utopia hoje, mas o que é nossa realidade se não uma utopia do passado.

Por causa dos conflitos e disputas, geramos em nós sentimentos como a revolta, indignação, medo, ansiedade e agressividade. E nada disso, por mais que em alguns casos vá gerar frutos positivos em quem sente, pode ser considerado uma forma evoluída de compreender e apreender com a vida. Não quero aqui desvalorizar a caminhada de cada um. Cada qual com o peso da sua necessidade de crescimento, pois o ônus e o bônus da vida cabem a cada um em conformidade com aquilo que se semeou. Também não quero que esse artigo pareça uma forma de justificar a inércia ou a alienação. Só acho que há outras formas de lutar pela evolução tirando o conflito e a disputa. Acredito que possamos evoluir se adotarmos uma postura amorosa perante a vida, fomentando o que há de melhor nas pessoas. Acho que ter postura política, opinião e atitude cidadã não significa que devemos medir forças com o próximo. Penso que ao invés de destruir os jardins durante a batalha, mesmo com o argumento de reconstruí-los melhores - ao gosto próprio! - é mais contraproducente do plantar mais flores. Devemos sim nos indignar e nos revoltar contra aquilo que atenta a evolução da humanidade, não apenas com o que conflita com nossas escolhas pessoais de cunho religioso, intelectual ou político. E que esses sentimentos sejam o reflexo da vontade de transformar para o bem nossa existência, não a tradução do que há de pior em nós. Essa coerência, que vale para capitalistas, socialistas, anarquistas, budistas, cristãos ou mulçumanos. Que vale para pretos, brancos, amarelos, vermelhos e azuis, fala muito mais alto as nossas necessidades evolutivas do que a revolução socialista ou o desenvolvimentismo estúpido capitalista. Como considerar a humanidade preparada para galgar caminhos de justiça e fraternidade, se nos apoiamos não no sentir, mas no prevalecer? Como construir algo que sirva a todos excluindo sempre alguém da construção do processo?

Lá em casa as flores crescem na medida do meu amor. E quando elas florescem e o odor delas me amolece, sinto que a beleza da flor, que cresce sem que percebamos, durante a noite de sono, está no processo livre de viver para colorir o mundo, perfumar a vida e renovar a esperança do Jardim do Édem, da humanidade florescida.

Osíris Duarte
Tem/PB 02358 JP

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