quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ilusões do mundo “civilizado”: A mega sena em cena mega

Devo aqui fazer uma confissão: Sim, eu pensei, por um momento, em jogar na mega sena da virada. Assim como em outras ocasiões, o desejo material tomou conta de mim e, independente da quantia absurda a ser sorteada, tive o ímpeto de jogar assim como já tive com prêmios menores. Em 29 anos joguei apenas uma vez em loterias. Não ganhei. Mas não é o valor do prêmio atual, mas sim a possibilidade de ter recursos materiais para realizar os sonhos mais distantes no que tange a carne que me atraia. Mesmo com idéias altruístas de cunho reparador e pensando na partilha, não consegui amenizar o que penso e o que me impediu de jogar: O abismo ilusório da riqueza sem esforço e a falsa sensação de eqüidade social que esses prêmios promovem.

O sistema humano atual, com predomínio do capitalismo e individualismo, tem esses instrumentos sórdidos para a manutenção do status quo. Os quase 200 milhões de Reais em jogo na Mega Sena da virada são responsáveis por manter viva na mente do povo a ilusão de que nesse sistema todos tem a chance de ascender de classe, de ficar rico. Loterias acabam por se transformar em justificativas para as desigualdades econômicas e sociais, mexendo com os sonhos mais íntimos de tantos, que separam um pouco do seu suado dinheiro para ter a sensação de que há esperança fora do trabalho árduo e da perspectiva de mudança de conduta perante os bens materiais, consumo, coletividade e status social.

A grande mentira das loterias está explícita na forma como são divulgadas e vendidas. Eles dizem: “jogue, você também tem chances de ganhar”. E ai todo mundo joga esquecendo que quanto mais gente jogar menos chance VOCÊ tem de ganhar. O fato é que mesmo com a conjuntura atual do país, necessitado de formas de transferência de renda para amenizar as desigualdades econômicas e investimentos para melhorar a qualidade de vida do cidadão, ainda se fomenta nos corações das pessoas a chance de ascender de classe social, exercendo o poder do dinheiro sobre a vida, o mesmo poder que em muitos casos oprime esses mesmos espíritos ávidos pela chance de ser rico. Essa mania de sobrepujar o outro, deixando pra trás a pobreza e indo em direção a riqueza, em nada colabora para a construção da necessidade de dividir que temos hoje a meu ver. Ai, quem já é rico, se sente correto em não partilhar seus recursos com o próximo, levando uma vida de luxo e opulência, sem se preocupar com os milhões que passam fome e que não tem como suprir necessidades básicas. Acho muito injusto que haja a possibilidade de alguém ganhar sozinho essa bolada. Parece-me o reforço daquilo que muitos consideram um mal a nossa sociedade: a exacerbação da desigualdade social.

Criar a sensação de que existe eqüidade nesse sistema é uma forma de mantê-lo imperando nas nossas vidas, seja botando lenha nas paixões humanas, ou mesmo manipulando psicologicamente a compreensão e o discernimento das pessoas em relação às necessidades coletivas e responsabilidade cidadã. Acaba sendo uma grande contradição moral jogar na loteria, porque qual o brasileiro que nunca reclamou das desigualdades do país? Quem não se manifesta contrário as diferencias econômicas e sociais que fomentam a criminalidade, violência, corrupção e tantos outros problemas da nossa sociedade? Acho que somente aqueles que se beneficiam disso, não é? Só que quem joga na mega sena não é o rico explorador nem o político opressor. Quem joga é quem sofre, o povo, que sonha em um dia deixar de ser empregado e virar patrão, mesmo que seja como capataz do sistema.

A publicidade e a propaganda trabalham com o emocional das pessoas para angariar consumidores e clientes. Superestimando a materialidade, o acúmulo e o pensamento individualista, ela é responsável por grande parte do conteúdo de cunho manipulatório veiculado na imprensa e nos meios de comunicação. A mega sena funciona da mesma forma. Só que sem precisar de subterfúgios para enganar instantaneamente. Seu apelo é pela ganância, e em uma sociedade com moral ainda frágil e valores conflitantes, esse apelo tem sua força explícita nos quase 200 milhões de Reais oferecidos no prêmio.

Será que não há nada mais útil pra fazer com essa grana em beneficio da coletividade? É justo que com tantas mazelas no nosso país nós ainda almejamos ter mais e viver melhor que o próximo? Mesmo querendo realizar meus sonhos mais ambiciosos, mesmo pensando na partilha, não é justo reforçar tal pensamento egoísta e carregado de ganância. Eu fiquei com vergonha de mim, depois da ficha cair, por ter cedido a essa tentação. Acordei antes de me arrepender. Espero que assim como eu tive um momento de lucidez em meio as fantasias que em tantos se instalam com a possibilidade de ganhar a bolada, você, leitor, tenha. Torço para que esse prêmio tenha 200 ganhadores! Serão 200 milionários - melhor do que só mais um! Mas na verdade mesmo, torço para que não haja mais mega sena, quina, jogo do bicho, bingo, etc. Que não haja mais subterfúgios para manipulação do entendimento de liberdade e direito nas sociedades humanas. Que não haja mais um abismo social e que a sociedade de classes se dilua, transformando o dinheiro em apenas aquilo que ele é de verdade: um pedaço de papel colorido.

www.palavraodoosi.blogspot.com
Osíris Duarte 30/12/10

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