terça-feira, 21 de outubro de 2014

Arturzinho


Quando Arturzinho corria na campina e brincava com o vizinho, tudo era sonho. O menino ensejava ideias livres com aquele ar risonho, correndo frouxo em meio a brincadeira de crescer. Arturzinho cresceu para aprender que ganhava a mãe mais pelas brincadeiras, mais pelas inventividades, criatividades e imaginações do que pelas besteiras, pela razão. Mãe, deixa eu brincar... Dizia sorrindo, com os olhos a brilhar... Já arrumou a cama menino?! Já! Ele dizia e, saia pra farrear. A mãe ia ao quarto inspecionar e via: Um cabo de vassoura, uma coberta em tenda e toda a merenda num pano de piquenique. Ela se esvaia em orgulho, mesmo pra depois dar chilique. Dizia: meu menino é puro, vive pra nascer todo o dia e o dia nasce só porque ele vive.

Osíris Duarte

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Poeta dos dias


O dia do poeta tem sol e chuva, não tem necessariamente seta. Tem que ter discreta e seleta suavidade, aquela que requer toda verdade bem dita. É um dia em que se acredita, seja em lágrimas, fadas ou gargalhadas inauditas. O dia do poeta e feito de lua, é no meio da rua, na esquina incerta. Ele tem cheiro de grama, de orvalho e flor dileta. Tem dor e amor, tem ternura... O dia do poeta é um dia de viver nas alturas, pairar sobre as agruras, sem frescuras e sem sucesso. É um ostracismo inverso, sem louros, amealhando glórias pequenas, tesouro da alma, sem público, felicidade calma que busca verso.

Osíris Duarte

Poemas e imagens!




Minha querida colega Bianca Veloso tem feito desafios de poesias constantes na rede. Ela joga uma imagens e instiga os poetas a escrever com os temas propostos. Enfim, eu embarquei e renderam algumas imagens para poemas meus!  








terça-feira, 23 de setembro de 2014

Certos dias

Certos dias são passíveis de se deixar passar. O que não rende é melhor rendar, tecer devagar... Essa pressa de viver me mata a alma, me tira a calma e me faz pirar. Nem tudo que nos faz crescer nos faz andar. O que é rápido para viver é rápido para morrer, é apto à fauna desse mar. Sou bicho de alma, peixe de calma, que anda devagar...
Osíris Duarte

Prima Vera

Prima Vera era delicada e materna, quase mãe era. Quando chegava trazia com ela flores de cores, na lapela daquela bata fina, cheia de vento, que lhe deixava aérea. Prima Vera era filha do Tio Outono e Verão nela os traços do irmão Inverno. Ela tem um afago terno, uma voz mansa e um cheiro interno que brota como flores, odores etéreos, quase como perfume de alma, quase como cheiro de calma, prelúdio do eterno.

Osíris Duarte

Sou um ditador

Há poetas ditadores. São queles que ditam as dores, incitam calores, persistem nos amores e insistem em dizer que há cores onde há quem diga que só existem ares incolores. Dito a dor dos amores porque amo a dor de crescer sem temores.

Osíris Duarte

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Olavo


Olavo era um escravo marcado pelo agravo, largado aos dilemas. De bom grado Olavo lavava o jarro da Dona Helena. Problema, Olavo. O jarro quebrou e estilhaçou a condescendência do mecenas. Olavo era escravo, mas achava que as dores nas costas eram amenas.
Osíris Duarte

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Meu desabafo

Alguns choram, outros fingem, esquecem... Tem quem grita pra ver se aquece, esperneia, padece... Tem quem cala, desce, e enterra a cabeça na areia. Tem quem teça esquemas, acredite em sereias, ressalte os problemas, lamente os dilemas... Já eu, eu escrevo poemas.
Osíris Duarte

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Cara, tu sumiu!

São 7 horas da manhã e estou fazendo café. Lá pelas 8 horas já tomei dois, pelo menos. Me preparando pra sair para o trabalho, tomo um banho lá pelas 10 para, lá pelas 10h30 sair de casa, o mesmo endereço nos últimos dois anos. Já fazem 5 anos que estou no mesmo trabalho, localizado no mesmo ponto onde a 5 anos atrás comecei a trabalhar. Meu horário é vespertino. Como moro longe, no mesmo bairro, há uns 6 anos, levo uma hora e pouco de trajeto, dependendo do trânsito. Chego lá pelas 19h30 horas em casa. Passo antes na padaria, compro geralmente pão e queijo. Nos fins de semana, dependendo da grana, saio, vejo gente, ou faxino a casa, leio, vejo um filme... Ou então eu vou ver meus pais, que moram em uma outra cidade a quase vinte anos. É coisa de 2 horas de estrada, pelo menos, pra vê-los. Onde eles moram também tenho amigos. Todos me cobram, porque gostam de alguma forma de mim, nem todos eu vejo...Têm um monte de gente querida que não vejo faz tempo, talvez tempo demais já... Meu pai, que mora em São Paulo, é um, por exemplo. Acho que fazem uns 2 anos que não nos vemos... Ele não me cobra, até porque a "distância é a mesma", e ele também não vem pra cá. Na medida do possível, do bolso e do tempo, vou tocando o visível e o invisível da minha vida. Em geral somos bem mais exigentes com o outro do que consigo. To me exigindo e sigo, tentando podar o nocivo. Desde que escolhi ser independente, tentando desonerar minha família do custo de um marmanjo, e encarando a profissão que escolhi e a vida que Deus me proporcionou que falta tempo hábil pra corresponder ao que todos, as vezes, esperam de mim. Não se trata necessariamente de tempo, entende? O tempo do mundo não é o tempo em nós, de Deus, da verdade... Também espero dos outros, acho bobagem essa coisa de não criar expectativas. Nós sempre esperamos algo, como lidamos com essas expectativa ou frustração é que é o lance. Me restrinjo a corresponder o que me é possível e tem sentido. Um amiga me disse um tempo atrás algo duro de aceitar. Que não podemos contar com o outro e que, principalmente hoje, o mundo é cada vez mais feito de individualismo. Eu sabia, mas não deixa de ser duro de aceitar. E não se trata de estar cercado de gente, de ser bem quisto por uma legião e de dizer que se preocupa com os outros, com o planeta... Isso não apaga nosso indivíduo. Certos sensos e valores parecem servir como argumentos válidos para coisas antagônicas, que não guardam tanta virtude quanto os argumentos. Me pergunto, todos os dias, o quanto de verdade há nisso, o quanto o propósito luminoso é o propósito, e não retórica.  Passei anos acreditando que amealhava mais amigos do que bens. Me sentia rico. Mas sabecomé: o tempo passa, as pessoas mudam, a vida leva, fazemos escolhas e nem sempre o "séquito" de amigos segue esse rumo. E deveria? Por vezes questiono baseado em que são as relações que a gente faz. Porque se findam, é porque findam as razões. Quando a gente fala de amor também há fim, mas o que acaba, afinal? O amor por si só?! O que sinto fortemente hoje é que não posso mais aplaudir certas coisas em nome da cumplicidade que encontramos nos amigos com relação as falhas comuns. Acaba sendo argumento pra minha própria inércia. Escolhas que fiz por mim, pois são raras as pessoas, por mais prestativas que se digam, que se colocam no lugar do outro e se solidarizam de fato. Solidariedade é incondicional, se não não é solidariedade. Sendo assim, guardo pra mim essas crítica e tento praticar isso tudo ai, vomitado nesse texto, com mais afinco. Só que não. Só que dói e é foda. É assim que a mente caminha, negando as afirmações e afirmando negações, buscando médias para encontrar entradas ou saídas. Não me sinto a vontade mais com os cenários ilusórios, galgados em coisas superficiais que, quando não estão presentes, fazem com que as relações se dissipem. Pode ser uma tremenda viajem minha, mas é como tenho me sentido. Na medida do possível, da lealdade e da vontade mantenho as relações que me cercam, quando não é possível deixo para o astral. Sempre fui aquele sujeito metido a sensível saca, que se doía com a dor alheia, que se preocupava e, pra mim, é um exercício sofrido viver sem sofrer tanto pelo outro. Mas é necessário seguir, minha fé não me permite parar. E se então terei que viver com a indiferença, seja ela uma por uma certa vingança em correspondência, seja ela uma demonstração de ausência não percebida, seja ela orgulho ou resiliência, há de se ter algo pra aprender com isso, sempre há.       

Osíris Duarte

terça-feira, 29 de julho de 2014

Entulho

É que meus poemas não vem em embalagens bonitas, acompanhados de fita, laço e embrulho. Não sou de juntar entulho literário. Meu itinerário poético é como um constante ato falho, um grito cético de quem quer acreditar que há valor na resenha, na contra-capa. Meus poemas não vem em tons de cores, em tipos estilizados, acompanhados de fotos cheio de apelo pelo fato. É um grito nato. Um desabafo nítido. O que preciso, por mais impreciso que possa parecer. As vezes tem um título, as vezes são apenas asco. Por tantas são um tiro, no escuro, no pé ou no alvo. Eu nunca aprendi a ser poeta, talvez seja essa a minha meta, nunca aprender o que depende de seta ou de sorte. É como viver, só se aprende vivendo e, quisá, morreremos ainda buscando um norte.

Osíris Duarte

A fera


E quando morres embebido por esse veneno, morre lento, morre aos poucos... Essa coisa por dentro que me joga ao vento, vago, alheio, largo... Mato devagar, mato lento, tormento que mexe, lua cheia, tempo, asco. Mato o homem e sobra o lobo, lobisomem como sendo um acalento, um presságio. A cada um que some, cada parte que consome a si, a fera espera, espreita o homem. Foges como quem come escondido, some, com fome de ser esquecido. A cada lua cheia mato o homem e deixo a fera, fere o abdômen, rasga o peito, quebra o nome e sente frio, no peito curto, arredio, rasga a pele, transfigura a derme, em pelo denso, no hálito que ferve, a besta que dormita breve no jeito aparentemente leve de ser prisoneiro do homem. 

Osíris Duarte

Casos e acasos


Acaso um caso raso,
Soca a cara no vaso.
Há casos em que casos
São vagos, são rasos,
São acasos no vaso.

Osíris Duarte

Em partes


A parte que me parte é o teu aparte enquanto sinto saudades. Partir deixa partes que se perdem na metade. É como um parto, sentir partir a realidade... Pari a partida, reparti a chegada, há partes da vida que são apartes de briga, são o todo do meio, são partidas perdidas em tempos inteiros, sem mentiras, sem caras metades. 

Osíris Duarte

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Você crê no que vê, apenas? Sabe de nada inocente...


O que a gente vive fortemente hoje - e me pergunto quando não - é uma necessidade construída de crer naquilo que vemos. Isso não é um cachimbo tio Foucault? heheheh Esse é um debate muito recorrente na fotografia, mas se aplica em vários campos da nossa vida. É como a primeira vez que houve uma exibição pública de cinema, que era apenas um tape de um trem vindo em direção a tela, e saiu todo mundo correndo da sala com medo de ser atropelado. Na época foi um susto, ninguém sabia o que era cinema ou que aquilo era possível! Imagem em movimento! Mas hoje, por mais que ainda tenha aquela tia que aborda o ator de novela e xinga ele por causa das maldades do personagem dele, estamos habituados com esse viver a "realidade" pelas imagens apenas. E, mesmo sabendo que não é real, que é uma mímese da realidade, o que vemos na tv tem um peso de verdade absoluta para muita gente. Nos acostumamos a ser levianos devido ao distanciamento paradoxal da aproximação que os meios de comunicação proporcionaram as sociedades no planeta hoje. Mesmo não presenciando os ditos "fatos" e apenas vendo o que empresas nos mostram (sejam de comunicação ou não) defendemos com unhas e dentes o que os âncoras de telejornais dizem. Os interesses quase sempre não ficam claros e construirmos opinião galgados em fatos que por vezes não são, ou são totalmente distorcidos. Portanto, reafirmo: Não contente-se! O exercício da apuração é tão importante hoje para o cidadão quanto é para o repórter. No passado não tínhamos tantas alternativas e meios para apurar informações. O questionamento ficava para o desconfiômetro! Agora não tem desculpa. Dá pra ver claramente quem se informa e quem de enforma, saca?! O analfabetismo midiático é hoje um problema tão sério quanto o analfabetismo funcional ou total. A falta de "lastro" de conhecimento pelas falhas (ou projeto de sacana) no sistema de educação, o tipo de valores fomentados nas sociedades capitalistas modernas e o grau de comodismo que a alienação proporciona fazem com que a gente alimente um mundo de mentiras aprazíveis aos momentos oportunos. Há de se ter cuidado e prudência. É como usar camisinha sempre. Nunca se sabe quando podemos cometer um ato falho. 

Osíris Duarte

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O burguês escondido

Esse desejo de burguesia que te alicia, dia após dia... Nele mora essa tua agonia e, ainda que tardia os sonhos de igualdade, preferes. Não me trate com hipocrisia quando não se trata ilusão. Buscar certas verdades não implica em posição certa, nem sempre a porta está aberta e nem sempre estás são. Esses pequenos poderes nos seres, deveras apatia dos prazeres, conferem taquicardia em meio a tanta sede de si. Pensas que tudo é merda, segredo e cartão em vezes, que a alegria bate a porta todos os meses para quem acorda cedo, as vezes... Sucesso é mérito e honestidade é medo? Arremedo de projeto de gente, quem não desfruta da mesma facilidade do direito, da mente e de uma Mercedes. Tá latente esse enredo, tá dado. Serdes sonho enquanto somos pasto. No vasto peito se cultivam essas sedes, no lago escasso prendem-se em redes, afogam-se em meio ao reflexo turvo, vago... Quando foi que você viveu sem dor ou amor? E porque não cabe mais mão e menos condição senhor? É como crediário de solidariedade, é como parcelar em 10 vezes o pão. Temos fome. Então tome, pegue o poder que tanto te consome, não esqueça que as pessoas tem nome, mesmo que em terras partidas todos tenham o mesmo sobrenome e a mesma miséria: matéria.

Osíris Duarte

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A quatro mãos

Me faz falta alguém para amar e puxar a orelha. Alguém que só levante a sobrancelha e não precise me dizer nada. Diga só na chegada que não há partida, que há vida partilhada...

Osíris Duarte

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Crônicas de gaveta - Contos de fadas


Ele gostava de contar estórias. Puxava a memória e usava a neta mais dileta de plateia exorta. Começava assim: Num lençol de cetim, dormia um sono sem fim uma linda princesa. Sem a certeza de que teria a presteza de um príncipe enfim, conservava a beleza na profundeza dos sonhos que lhe davam um fim. A espera, era, com certeza, a maior delicadeza que o mundo lhe permitia. Viver enquanto dormia se tornou algo possível. A fila de príncipes, candidatos ao amor de sua alteza, era invisível a moça da realeza, que via em seu sono de beleza o mundo a lhe rondar, sem poder lhe dizer: estou aqui! É porque a princesa, muito esperta e cheia de firmeza, em meio aos seus desejos, decisões e certezas, sabia e levava com altiveza o critério do coração que decidia quem por à mesa e festejar a malfazeja sina de quem se destina a não partilhar o pão, a mão e a leveza da emoção de amar. Então, decidiu viver seu mundo de sonhar... Acreditava que não há príncipe que valha a incerteza de não poder se amar, de não poder partilhar sem que haja cobrança, sem que houvesse intemperança, com um peso maior do que o desafio de se encontrar, de encontrar... No fim, a princesa, que tinha doce semblante, mas que já não acreditava em romance quando lhe exigia abrir mão de sonhar, deixou-se dormitar eternamente. Então, viveu até o infinito conservando sempre rente aos caminhos latentes, um ser humano que não abre mão de sonhar.

Mas vovô?! Tadinha da princesa... Acabou sozinha, mas que malvadeza! Minha netinha, disse o senhor com tom de clareza, a vida ainda lhe trará uma surpresa! Sozinhos vivem aqueles que acham que tem certeza que se bastam, que esquecem de sonhar e acham que acordar pra viver se trata de corresponder a própria noção ilusória da vida fácil, de modelo, de paixão... Te dizendo de um jeito bem mais simples, não precisa de um monte de gente na sua volta não... Pra não se sentir só precisamos sim de pessoas simples, leais e amáveis... Mas sabe que mais do que isso, precisamos sonhar sonhos afáveis, acreditar que somos domesticáveis quando se trata de amor e amar, dormir, acordar...

Opa, dormiu, boa noite meu amor...

Osíris Duarte

Crônicas de gaveta - Picardia



A picardia contida na comiseração tardia, filha da agonia que se preza a emoção, é um tendão de Aquiles que afronta a mania de ser o que havia de menos valor, mas de mais tesão. São sonhos latentes enquanto o sol nascia que davam algum sentido a essa miscigenação. Aquela verdade cobrava em meio a apatia daquele que batia no peito para fazer voltar a bater o coração. Tão incontidas eram suas tensões que havia arranhões em todos os membros do cérebro. Dormitava ébrio a mão da caridade, o pé da fé e a cabeça do coração.

Osíris Duarte

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Silêncio


Mais do que faladas, minhas ideias são sentidas... e isso sim faz sentido! Mais do que descrita, minha história é vivenciada, todo dia, num enredo que aos outros é muito mais feito de desejo, ilusão, alegria do que realidade. Meu dia é mais calado do que dizendo, verdade. Quando falo é só um terço, quando calo é mais da metade. Como é sua relação consigo? Enquanto falo não brigo comigo, não ralo por dentro, não enfrento o que me trás sentido.Falar é um exercício social, calar é um exercício pessoal. Parece um paradoxo, um arroubo cabal de sentido... mas é no meu silêncio onde sinto mais fundo, onde tenho abrigo, onde entendo mais profundo meu sentimento aturdido. Por mais tagarela que eu seja amigo, minha verdade mais profunda reside apenas num olhar pedido, num momento calado, em casa, vendo o vento chegando e partindo, eu no fim da tarde amarela, ouvindo meu meu coração gritando, parindo...

Osíris Duarte

terça-feira, 29 de abril de 2014

Crônicas de Gaveta - Banzé


  De cima do tronco, Banzé, o chimpanzé, fitava a menina de vestido rodado. Ela comia pipoca, tomava suco gelado e fitava Banzé de volta. Meio de lado, o macaco olha admirado as cores do vestido dela, bem cuidado, colorido, decorado... A menina se chama Ana e, enquanto ele mastiga a banana, ela acena e chama adoidado. Quero ver o macaco já Nana! Dizia para a Babá que mesmo no fim de semana estava lá, a trabalhar, a lhe cuidar sem merecer. Ana era mimada, adulada e voluntariosa. Não tinha proza de criança doce. Fosse o que fosse seria feita sua vontade. Sua mãe ficava perplexa com nossa sociedade, então tomava mais uma dose de hipocrisia todas as manhãs. Já Banzé não sentia desejos complexos, mas para ele não tinha nexo só água, comida e teto. Via as flores coloridas ali perto, na cerca. No vestido de Ana o vento balançada solto, atrás do muro e, mesmo quando escuro, olhava as pessoas ali no vai e vem, pela cerca, envoltos no absurdo... Mas a maior contradição daqueles que pensam ser o símio superior, que comparam a dor com a destreza, vivendo no temor da incerteza de sua superioridade, esquecem que na verdade nesse zoológico, por de trás das grades, no viveiro utópico concebido como realidade, mora Ana, sua mãe, Nana, e toda humanidade, enquanto Banzé clama piedade aos céus ao nos ver réus da nossa própria iniquidade. 

Osíris Duarte

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Dia do Jornalista - Sobre papéis



"Eu mamava na onça e comia carne de rinoceronte coleguinha!". Seu Waldemar tinha dessas, disparates disfarçados de lendas, estórias travestidas de história, ou vice versa. Seu Waldemar Duarte, dentre tantas outras coisas, era um bom contador de estórias. Jornalista, escritor, poeta, sertanejo, colecionador de livros, pai, filho, avô... Talvez tenha sido com ele que aprendi a sonhar com jornalismo, mesmo sem me dar conta. Voínho era de um tempo onde não existiam cursos de jornalismo no Brasil. As redações nessa época (décadas de 1930 à 1950, mais ou menos) eram cheias de escritores pobres, funcionários públicos metidos a intelectuais e figuras ligadas a política, em meio a uma variedade grande de espécies dadas a escrita e a documentação dos fatos. 
Quando eu entrei no curso de jornalismo, entrei obrigado por mim mesmo. Depois de um ano na Relações Públicas, curso que entrei como forma de rebeldia, porque "não vou copiar só porque vovô foi", cheguei a conclusão de que na Comunicação Social o único caminho que me restava para coerência com meus princípios e busca pelo papel social que queria exercer era no jornalismo. Um contador da história presente, seria a atribuição. Nessa caminhada, desde a faculdade até ingressar no mercado de trabalho, descobri que o jornalismo não é o que eu sonhava, não é o que eu aprendi na faculdade, mas ainda é um caminho para pessoas como eu, com vontade de falar sobre nós, mesmo quando o nós vem como justificativa do eu. Descobri que mercado é a merda da frase, mas descobri também, pasmem, que não preciso do mercado para ser jornalista! Essa mania de contar estórias que viram história. Essa coceira constante no senso crítico, na reflexão crítica, na busca crítica por algo que se aproxime de alguma verdade palatável para maioria dos gostos, alguma verdade crítica... De fato descobri que essa busca pela verdade alheia, pelas verdades do mundo e dos seres humanos, da existência em si, é uma busca pelas minhas próprias verdades. O jornalismo acaba sendo um exercício filosófico prático sob esse viés, acredito. Acho que é a busca de todos, não só do jornalista, busca por respostas... E se acreditamos que encontramos verdade é só para aprendermos que, de fato, nos formamos nas mentiras. São elas que contestam as verdades e fazem delas realidade. A minha mentira foi acreditar no mercado, mas a minha verdade sempre sobrepuja a ilusão, e me lembra que fatos não são notícia, mas sim o desenrolar entre um fato e outro. É ai que mora a estória e a história. Se existe algo que o jornalismo fez de bom pra mim, além de me empregar, foi me ensinar a ver o mundo do "outro". Mesmo que sempre estejamos condicionados a mediação dos nossos sentidos e idéias, viver de narrar a vida nos doutrina numa senda de sensibilidade e noção de existência comum. Por isso que, pra mim, o mal jornalista é aquele que se prende e se restringe a entidade, empresa ou grupo em que atua, moldando-se, se enformando, sem se informar. O bom, pra mim, vive em movimento, se dá ao tormento ético, moral, está na rua, junto com as pessoas, não apenas com os seus. O bom conta estórias sabendo que a história se constrói na narrativa dos que se prestam vivê-lá e contá-la. O bom jornalista vive e narra sob seu ponto de vista a mesma, sem se esconder, assumindo a responsabilidade e o papel do narrador. Acho que ai está o mérito dessa profissão. O mesmo mérito que meu avô tinha quando contava suas estórias mirabolantes do sertão, e eu imaginava ele mamando na onça e ficava com vontade de mamar também. 

Osíris Duarte

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O que me pega


Me apego e não nego. Eu não pratico o desapego porque fui pego pelo mundo num arremedo profundo de virtuosismo, tudo para disfarçar meu medo cego. O problema não são os apegos, são as razões que nos levam apegar ou desapegar. Desapego as vezes é justificar escolhas, e dar um sentido nobre a negligência, fechar com rolhas o entendido amor da existência, para destampa-lo quando convir, as vezes sem paciência. Contradiz a forma da comunhão, não dar a mão aos irmãos perante a eminencia da solidão... Desapegar é válido em segredo. Apreendesse e não rendesse a indolência. É aprender resiliência entendo, saber abraçar e resistir as deficiências, as consequências, sabendo deixar quando não há mais lugar para permanência, assim como devemos abraçar sempre de forma intensa, quando se pode, quando se quer. Desapego não pode ser filosofia, tem que ser com alegria, maturidade, de saber que o barco parte no raiar do dia assim como ele chega no final da tarde. 

Osíris Duarte

segunda-feira, 31 de março de 2014

Entre culpas e culpados, culpei a culpa.


A culpa é sua sempre até que provem que sempre é sua culpa. O bode espia o falatório no curral. A culpa é da chuva não do varal. Viúvas do tempo verbal. A culpa é nossa até que provem que a culpa é vossa. Não importa se é Bossa, Samba, Rock ou Vanerão. A culpa é do cidadão não do Estado. A culpa é do viado, não do preconceito. A culpa é do respeito que não se faz respeitado. A culpa é do amor, não da dor. Inocente é o estuprador. Quem têm culpa para a flor não tem culpa para a primavera. Quem tem culpa para a fera não tem culpa para o caçador. Quem têm culpa, senhor? Desculpa, mas não, essa culpa não se diz. Tira a culpa do meu nariz e põe na de quem diz : culpa um pra não sobrar culpa para mim.

Osíris Duarte

quarta-feira, 26 de março de 2014

UFSC divulga nota de repúdio contra ação da polícia no Campus

Nota de repúdio

No dia 25 de março de 2014, a comunidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi vítima de uma ação violenta e desnecessária – comandada por delegados da Polícia Federal (PF) –, que feriu profundamente a autonomia universitária, os direitos humanos e qualquer protocolo que regulamenta as relações entre as instituições neste país.

A partir do momento em que fomos informadas, por terceiros, sobre a ação da PF, suspendemos a reunião – que estava em andamento com o comando de greve local dos técnicos-administrativos em educação – e, imediatamente, telefonamos para o superintendente da Polícia Federal em exercício, Paulo Cassiano Junior, para solicitar esclarecimentos sobre a ação que estava sendo realizada. Lembramos ao delegado que, em todos os contatos com a Polícia Federal, sempre foi solicitado que quaisquer ações de repressão violenta ao tráfico de drogas fossem realizadas fora das áreas da Universidade, e que – em nenhum momento – fomos informadas sobre a realização do procedimento que ocasionou o tumulto.

Segundo relatos que nos foram feitos por telefone, a imagem era de terror: antes mesmo de quaisquer conflitos existirem, já estava presente um grande efetivo – a tropa de choque, com armas de bala de borracha e cachorros –, pronto para o conflito; foi isso que encontraram os que foram até o local, inclusive representantes da Reitoria. Tentamos, incansavelmente, negociar com o superintendente em exercício. A intransigência era clara e foi percebida por todos os presentes.

Foram agredidos muitos estudantes, técnicos-administrativos e professores. Estavam presentes vários membros da Administração da Universidade. A Direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas acompanhou todos os momentos. O Diretor do CFH, Paulo Pinheiro Machado, foi agredido. Estavam presentes também o Chefe de Gabinete da Reitoria, Carlos Vieira, o Procurador Chefe, Cesar Azambuja e outros Secretários e Diretores da Administração Central. Toda a comunidade e autoridades universitárias foram profundamente desrespeitadas.

Já havíamos destacado, em vários momentos, que agir dessa forma dentro do campus poderia colocar em risco a vida das pessoas. As crianças saiam do Núcleo de Desenvolvimento (NDI) e entraram em pânico no momento em que as bombas de gás começaram a ser lançadas. O cenário rememorava os períodos vividos nos mais violentos regimes de exceção.

Enquanto os relatos chegavam ao Gabinete, estávamos em constante contato com a Secretaria de Relações Institucionais, com o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos em Brasília, solicitando uma mediação desses órgãos para que não ocorresse um previsível desfecho violento.

Reafirmamos nosso total repúdio ao lamentável episódio vivido hoje pela Comunidade Universitária, reiterando que, em nenhum momento, solicitamos ou fomos previamente informadas dessa ação.

Para que tanta truculência, intransigência e obstinação em levar adiante uma situação que já se anunciava como tragédia, uma vez que outros caminhos mais lúcidos e racionais foram apresentados, os quais seriam dignos de uma autoridade de Estado?

Comprometemo-nos a tomar as medidas cabíveis para preservar a UFSC e defender todos os que foram vítimas desse ato de violência.

Florianópolis, 25 de março de 2014.

Roselane Neckel e Lúcia Helena Martins Pacheco

Cabelo


Tem cabelo que não tem cara de pelo, nem modelo nem formato. Tem cabelo que é nato, que é certeiro. E não fale do meu cabelo, se você não tem recheio na cobertura. Cabelo bom é cabelo que dura e não queima com o esforço do pensamento. Cabelos ao vento para quem é livre. Cabelos crespos para quem vive ao invés de morrer na frente do espelho. Cabelo farto, colorido eu despenteio, não ligo. Cabelo bom se mede pelo que faço, não pelo que digo. Para o seu desespero, sua inveja e seu pobre destino, cabelos negros eu tenho e são lindos! Cabelos na testa não vem primeiro, é o caráter que faz o penteado, farto ou rasteiro. E pra você, fascista embusteiro digo: Vai pentear macaco.

Osíris Duarte

segunda-feira, 24 de março de 2014

Tanta certeza


Ela não quer presteza. Essa certeza de ser mulher.... E enquanto eu ponho a mesa ela dança a beleza de fazer como quiser. Não quis meu bom dia, não demorou nessa tardia forma de amar. Ela quer o mar, o dar e a cerveja. Ela quer chocar a sociedade que malfazeja sua verdade, fazendo alarde enquanto dorme só. Essa certeza de ser mulher é como brigadeiro de colher. Deleite-se, se puder, seja, se vier, maior que as cólicas, menor que as sólidas entranhas das manhas de quem, se quer, começou a entender sobre amor, liberdade e Baudelaire.

Osíris Duarte

Impassível


Sempre é possível, para quem é impassível, justificar o impossível, o indigerível, com perfumaria incrível, filosofia imbatível e hipocrisia irresistível. Indivisível é quando esquecem de ver o invisível, coisa de insensível, viver na ilusão plausível da negligência do virtuosismo em detrimento do aprazível gozo da própria incoerência. Ai, o outro se torna desprezível na sua busca por existência. Indivíduo que se apaga em meio a desistência dos outros "eus". Não creio mais em resistência do sensível, só na resiliência do que ainda é crível dentro de mim. 

Osíris Duarte

quinta-feira, 20 de março de 2014

Outono


Frágeis como folhas ao vento, secas que caem no chão, meus pensamentos voam a tempo de minguar, dormir, florescer e brilhar, seguindo o ritmo de cada estação. Hoje reside outono onde já morou verão. E antes do sono do inverno, faço um afago terno nas ramas secas da atribulação, na expectativa de que o que quero virá no fim do inverno, uma primavera cheia de flores, odores e ressurreição.

Osíris Duarte  20.03.14

terça-feira, 11 de março de 2014

A moça dança



Naquela tez de brilho largo, preta tez de quem tem valor, corriam as mãos e os pensamentos meus sem dor ou pudor. A moça dança, não cansa e não deixa de lado essa alegria matava qualquer desvio magro de pensamentos gordos. Eu fiquei preso naquele rebolado, embasbacado com certas manias de moças belas. A moça dança na rua, nas curvas e vielas, e eu danço com ela, na curvas... Tinha um quê de sedução, ainda que pese minha tensão estremecida, eram leves aquelas viradas, guinadas, chegadas e partidas, verves contidas nos passos dela. A moça dança bela e, quem dera, ela dançasse comigo sem que eu dance. São coisas que dão sentido ao sentir, quase um transe. Dançar é subir com o espírito leve, cheio do que serve pro bem querer. Por isso dance pra sempre, ventre incessante, vento presente... São lindas aquelas que vivem de som, de ser e de sonho aos olhos meus.

Osíris Duarte

segunda-feira, 10 de março de 2014

Elas sem ponto nem vírgula

Seja princesa bruxa donzela Do que elas são capazes ases que curam sequelas Vielas e ruelas são passarelas embaixo do sapato de qualquer uma delas Quiseras momento discernimento para não atravessar as eras com elas modelas as partes do corpo um porto seguro nas coxas no busto que custo viver sem elas Não gosto de datas não conto com atas vírgulas ou pontos pra registrar importância relevância e indispensável presença até das megeras Todo dia paciência trabalho resiliência num mundo em que pede penitência mesmo na sua inocência Meninas ou moças as ouça se ainda tens razão e experiência Não gosto de datas são repletas de nadas quando o dia é todo dia mania carência eloquência alegria delas Mina ou dama desencana tpm cama chocolate romance não canse dance com ela fina trama fina ela acompanha se for capaz rapaz No mais sou incapaz de viver sem elas e aqui jaz um culpado deveras na conspiração que tramam a luz de velas por um mundo menos deles e mais delas

Osíris Duarte

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Lista


Não desejo um ano bom, desejo uma vida no bem. Os justos sabem o que tem valor. Não desejo dor em pedaços, desejo a flor e os abraços de quem entende sobre sofrer e crescer. Desejamos tanto... Mas em meio ao pranto de quem lamenta esquecemos de realizar. Eu desejava o mar, o tenho, mas continuo desejando... Existem meandros entre ser e estar, e tudo aquilo que se renova, nascendo já indo pra cova, é fato nem planeta que gira. Desejo que vá pra bem longe a ira, os apegos vãos, as ilusões e mentiras. Ciclos não tem começos nem fins, são assim, ciclos, me deixando tonto, mas já já e... pronto! O todo volta para o lugar. De tudo aquilo que desejo, desejei e desejarei existe um fato, de que sonhos são como mato no pasto, necessária fonte de desejos, um beijo, um átimo. Essa vontade de acordar feliz, de me dizer que me refiz, desejo... Uma necessidade de comer queijo de manhã, de cortar a grama no fim de semana, de abraçar os meus. De ver os teus felizes, porque me dizes sobre solidariedade, mas não te apraz a felicidade alheia. Desejo areia no pés no verão, uma canção que toque sem tocar, tocando na cabeça e no coração. Quero tanto que nós demos as mãos sem medo de chuva. Quero uva, alegria pra viúva, e um parto normal nessa vida insana. Quero me alimentar de prana, curtir a semana sem pensar só no final. Quero ser o tal das coisas boas, crescer a toa, sem perceber, como adolescente que cresce da noite pro dia. Não desejo coisas, nem pra mim nem pra você. Desejo que sejas maior que as coisas, maior que as dúvidas, que sejamos fé, amor nesses ciclos de viver.

Osíris Duarte 02.01.14