segunda-feira, 13 de maio de 2013

E quando não é dia das mães? Ou dos pais? Ou dos filhos...



  Passada a ânsia por consumo e os apelos do comércio e da mídia com relação ao dia das mães, me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema. Não é ranço, radicalismo, nem orgulho, é só uma escolha de cunho didático, buscando uma reflexão em ânimos menos exacerbados pelas influências do período. Também por uma razão simples, uma pergunta fácil de formular: E quando não é dia das mães, afinal? As datas comemorativas, na verdade, não servem ao propósito de lembrança, comemoração por fato importante, militância... Elas servem muito mais ao sistema, ao comércio, a política, do que as pessoas. Para falar sobre mães hoje em dia não é possível descolar a abordagem de uma discussão sobre papéis, gênero, família e sociedade. Para além do amor que o filho sente pela figura materna, há um debate mais amplo, mais necessário do que lembrar como mãe é amada e importante.
  Para manter o mínimo de clichê, vou rasgar uma ceda aqui para minha mãe, mas ela é justificável no contexto da minha abordagem. Dona Cibele foi mãe nos anos 1980. Eu nasci em 1981, seu primeiro filho. Já formada em ciências da computação, ela remou contra a maré da época e da cultura nordestina de meu avô, sertanejo e cabra macho. A contra gosto dele ela estudou fora de João Pessoa, em Campina Grande, na serra paraibana. A contra gosto do pai e do marido, ela embarcou para São Paulo, em busca de algum sucesso na profissão, já que na Paraíba emprego faltou por quase 9 anos depois de formada. Lá, conquistou trabalho, trouxe o marido e os filhos e estruturou a vida financeira e profissional. Educou a mim e meu irmão com o máximo de acesso a informação e educação formal possível, assim como nos criou com valores morais firmes, éticos e solidários. Minha mãe representa uma mulher que vem se desenhando a décadas, na busca por igualdade de direitos e justiça social, quebrando tabus e preconceitos e, inclusive, enfrentando o machismo contido nela e na sociedade, tanto em homens como em mulheres.
  Historicamente a mulher ocupou o papel de cuidadora da sociedade. Sempre coube a elas os cuidados com os filhos, marido, velhos, enfermos, crianças e toda sorte de desvalidos e fragilizados. Características e virtudes atribuídas a feminilidade, como zelo, carinho e paciência, serviram e servem como argumento para o papel da mulher na sociedade. Os atributos físicos foram determinantes para a definição de papéis nas sociedades humanas ao longo da história. A força física do homem lhe conferiu uma posição de dominância durante nossa existência pregressa, lhe reservando os postos de controle e os ditames das regras sociais. A mulher, depreciada nessa relação, desenvolveu também instrumentos humanos para sobrevivência e disputa por poder na coletividade. Ao mesmo tempo que a necessidade lhe ensinou a se valer da posição de objeto de desejo, elas também eram as principais responsáveis pela transmissão de valores a prole, presas num ciclo de subserviência a sistema imposto pelo homens, e subversão exercida pela necessidade de também exercer poder na sociedade, mesmo que cerceado e vigiado pelos homens.
  As conquistas das mulheres ao longo da história são fruto dos instrumentos de sobrevivência adotados por elas nessa luta, solapando e galgando espaços na sociedade machista instituída. As grandes guerras, bem como a revolução industrial e o capitalismo tem seus papéis nas conquistas do feminismo, mas essencialmente, a necessidade de pluralismo e diversidade na construção social são determinantes na abertura de espaços na busca por igualdade civil e direitos humanos. Para mim, é o irrevogável curso da evolução. Ao mesmo tempo em que as mulheres galgaram seus espaços, - que ainda precisa de avanços até hoje - aos homens foi imposta a necessidade de adequação a essa nova mulher. O processo de diluir a visão fragmentada e compartimentada que tempo de coletividade passa pelos conflitos gerados por essa pluralidade, formando nossa caráter e nossos valores através da energia gerada pelos embates, contradições e reflexões conscientes. Para manter uma relação social, que preserve o afetivo, o psicológico e o espiritual, os homens tiveram, e ainda tem, que dar um passo moral na sua relação com o feminino e com a mulher na sociedade. Eu sou filho de uma geração que começou a desfrutar de uma sociedade, ainda que longe do ideal, mais equilibrada, mas diversa e, portanto, mas propensa a justiça. Sob esse ponto de vista nada mais normal que equidade de direitos para combater a ignorância, mãe do preconceito. Sendo assim, o entendimento de mãe, em uma sociedade onde novos valores pesam sobre a construção dos indivíduos, onde o cenário e os personagens mudaram de roupa, comportamento e papéis, passa muito mais pelo entendimento de amor ao próximo do que de personagem social. Mesmo com tantas mudanças comportamentais e de rotina de vida, o que define mãe na essência é a imposição prática de amor ao próximo, mesmo que na prática isso nem sempre se dê. Quantas mãe modernas tem a mesma disposição de cuidar e educar seus filhos? Os métodos mudaram de acordo com as mudanças do tempo e da sociedade? E se não mudaram, se adéquam aos dias de hoje? O que representa a figura da mãe na família moderna? Por mais que o modelo continue com bases sólidas, de cuidado e carinho, muitas mães hoje delegam a formação de seus filhos a sociedade e suas instituições, seja a escola, o estado ou a própria sociedade. "A vida cria", dizem ainda por ai. É de se pensar...
   Eu tenho uma família com a cara dos tempos novos. Somos uma mãe, um padrasto, um pai e uma madrasta, um irmã adotada, dois irmão, um filho da mãe outro do pai, fora os agregados que se somam ao núcleo base da minha família. O modelo de família, católico, baseado no conceito arcaico de sobrevivência da espécie, serve para a manutenção e permanência de valores que dizem respeito a uma época que não é a nossa. O mundo já tem gente suficiente para se preocupar com povoar o planeta como Adão e Eva. O questionamento aqui não é contra a responsabilidade que os pais devem ter para com seus filhos, mas sim na saúde mental e social necessária a nossa realidade, que mesmo com o formato de família: papai, mamãe e filhinho, não garante felicidade, amor e respeito. Valores não estão atrelados a orientação sexual, escolha religiosa ou política, até porque para serem valores, devem ser coerentes, de discurso para atitudes, e esse tipo de escolha não define coerência.      
  O que define mãe é uma lembrança. Quando chorava por algo que não tinha, e queria, e ela me deixou chorar. Quando me deu aquilo que eu não queria, mas precisava. A lembrança da festinha de escola, e ela sorrindo na primeira fila. O gosto de ficar velho, e ter ela fazendo o café quando estou na casa dela, arrumando minha cama, cuidando de mim mesmo quando já não é mais necessário. O que define mãe não é o papel social, ou moral ou afetivo. O que define mãe é o amor pela humanidade, que pode vir através da maternidade ou da consciência sobre coletividade. Mãe é a acepção do amor ao próximo. É a imposição do universo pela aceitação. Assim, todos os dias, na minha visão, são delas, as mães, de verdade ou postiças, mas as presentes, as atuantes. Aquelas que estão lá, dia após dia, nos amando e zelando por nós.  Se for pensar com calma, talvez o único dia que não seja tão delas, seja o da data comemorativa. Pode ser dia das mãe para o comércio ou para a sociedade, mas o dia delas mesmo é todo dia.                  
       

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