Ando meio assustado com os desdobramentos do movimento grevista de trabalhadores do Brasil nos últimos anos. E esse espanto não é com relação as lutas travadas por equidade social e por um universo de trabalho mais humano, porque por isso já se luta há muito tempo. Meu susto é com relação a forma como a sociedade vê, repercute e entende coisas como a greve, os sindicatos, militância e entidades civis. A legitimidade da organização civil, da liberdade de expressão e da responsabilidade cidadã de cobrar, fiscalizar e reivindicar o que nos é de direito, cada vez mais tem sido interpretada como atitudes de desordem, criminosas e individualistas, ou pelo menos alardeados como. O meu espanto ganhou mais corpo nesse momento da conjuntura internacional, no ano de 2011, onde na Grécia, em países da África, na Europa em geral e nos EUA, milhões de pessoas saíram as ruas protestando contra o mesmo destino a qual somos submetidos aqui pelo sistema de organização social largamente disseminado hoje. A diferença para mim está no grau de ilusão por trás do que se constrói como realidade. Os aplausos pela iniciativa dos "gringos" ecoam na imprensa brasileira em um coro contraditório e hipócrita com relação a abordagem da mesma quanto a militância civil tupiniquim. E enquanto a primavera exala seus perfumes e cores lá fora, aqui trememos ao vento gélido de um inverno sem prazo.
Dois pesos e duas medidas
O que pode ser considerado abusivo? O que determina os limites do aceitável, do legítimo, do abuso e do exagero? E quando se trata de defesa dos direitos do trabalho, dos direitos humanos... Até onde vai o limite de conduta coerente com a causa? Qual é e de quem é a régua que determina o que é liberdade e como ela deve ser usada para ser considerada realmente como tal? Parece-me que o grau de "adestramento" possível de se ministrar a uma sociedade atinge seu auge quando ninguém mais se faz tais perguntas. O que determina uma diferenciação de interpretação, entendimento e tratamento não está vinculado com uma idéia maniqueísta, mas sim com o grau de discernimento sobre nossa vida comum e até que ponto não apoiamos nossas construções morais em valores que priorizam nossa condição fundamental de seres biossociais, de coletividade incondicional. Quando se trata de dividir o bolo, tudo mundo quer o melhor pedaço. A matemática básica da divisão está excluída da média do entendimento sobre sociedade no nosso país, a não ser quando se trata de separar e afastar a nós, humanidade. No lugar dela, da divisão, exacerbasse a subtração para amparar a multiplicação. Quanto a soma, ela se restringe ao acumulo promovido pela multiplicação, não pela capacidade e responsabilidade agregadora que ela tem. Aceitar passivamente que determinadas classes da elite social do país aumentem seus salários, seus lucros e, conseqüentemente, seu poder na sociedade, dada a conjuntura de interesses que se mistura com política partidária, marketing empresarial, estratégia de mercado e manutenção do abismo social para hierarquizar nossas relações como coletividade, conferindo, sem critérios justos, poder de alguns seres humanos sobre outros, demonstra a grau de apatia com relação ao papel que entendemos que devemos assumir perante nosso "EU" coletivo. Ascender de classe social passa a ser a meta, não a equidade social. Multiplicar para ascender, não dividir para equiparar, essa é a receita do bolo mais consumido na nossa realidade. O individualismo generalizado dos dias de hoje, por uma questão de sobrevivência da idéia, se disfarça de herói quando se trata de criticar desconstrutivamente qualquer iniciativa coletiva de cunho civil que vise a divisão para promover a soma. O argumento do prejuízo a população serve de blindagem para as manifestações de descontentamento pessoal ou de defesa de interesses que não contemplam as necessidades coletivas. Ai veste-se a máscara de solidariedade porque convém, não porque se entende que ferir qualquer pessoa é ferir nossa humanidade e que estender a mão não é bonitinho e politicamente correto, mas necessário.
Rótulos não são garantia de qualidade
A palavra "política" provém do vocábulo grego pólis, que eram as Cidades-estado da antiga Grécia, significando a reunião de pessoas que formam uma sociedade. Enfim, política é tudo aquilo que diz respeito coletividade, e exercício do poder na sua concepção mais ampla, no sentido de o que podemos ou não podemos na coletividade. Então, é necessário saber diferenciar política partidária do termo política para poder formular uma opinião mais justa e menos ignorante sobre o assunto. Até dar bom dia para o motorista do ônibus é política, coisa que muita gente que se diz interessada pelo assunto não sabe fazer. O descrédito da política partidária no Brasil tem muito mais a ver com valores sociais do que com discernimento intelectual. Tem mais a ver com o que a política partidária defende do que com o ente político em cada um de nós. Uma legenda de partido não vem com caráter embutido. Por mais que cada partido defenda no seu discurso uma gama de valores, servindo de critério para formular esse mesmo discurso, que distante da prática acaba servindo unicamente como instrumento de dissimulação, não significa nada além do discurso em si, meramente palavras... E a questão da crítica não reside em escolher para que "time" eu tremulo a bandeira, porque os elencos e a tática são as mesmas, independente da camisa, mas sim qual a bandeira que levanto e o que me levou a defende-la. O não lidar comum com transparência permite que sejamos usados como bucha de canhão numa guerra onde somos vítimas, pelo menos a grande maioria de nós.
Essa visão estreita que temos sobre política contamina todos os meios de exercício e convívio coletivo, pois a política é produto dessa condição coletiva da nossa existência, bem como a comunicação. O vínculo partidário atribuído as entidades sindicais são uma herança da ascensão ao poder através do uso dessas instituições como trampolim para a vida pública. E, apesar de ser verdade que grande parte das entidades sindicais no país defendem posições político-partidárias, que não contemplam as necessidades da militância dos trabalhadores, na sua raiz elas não existem para isso e tal situação não é condição para a existência delas. Os partidos, atrás de formar seus "currais", assaltaram as entidades civis através do uso da paixão e esperança dos trabalhadores em construir um país mais justo e solidário. Não há diferença em partido político na minha avaliação. PT, PSDB, DEM e os demais partidos no país cumprem um papel idêntico na desmobilização do povo, fomento a apatia e exploração da massa em detrimento da manutenção do poder das elites. O conluio de políticos, empresários, magistrados e demais figuras influentes em termos de poder econômico e social representam essa face nefasta do poder que nos oprime, não são apenas alguns seguimentos da elite ou um ou outro sujeito pontual o responsável por tamanha inércia social no Brasil. Portanto, considerando essa visão, comete-se um equívoco - que muitas vezes é proposital - no julgamento da crítica a situação (governo) como sendo uma posição de quem quer fazer oposição apenas, bem como o juízo sobre a crítica a oposição, como sendo defesa do governo tão somente. Todos são "farinha do mesmo saco" e a responsabilidade cidadã não deve passar por uma escolha de posicionamento fundamentalista com relação a ideologia ou partido político, assim como se faz muitas vezes com futebol e religião.
O que é decente e o que é indecente. A inversão de valores em uma sociedade tacanha
O conformismo é um dos sinais mais graves de um pensamento reacionário. Quando esse sentimento de derrota, de entrega, se instala e é percebido em uma sociedade, o fato se torna mais grave ainda. A partir do momento em que não consideramos aviltante, desrespeitoso e indecente a condição humana a qual o sistema nos submete, mas consideramos um abuso, um desrespeito, fazer greve ou lutar pelo que nos é direito, demonstra que há uma falta de solidariedade e de valores profícuos e do bem na nossa sociedade, ao contrário da ilusão que se vende mundo a fora sobre a "República das Bananas". Enquanto poucos desfrutam de uma vida na opulência e no luxo, vivendo em um padrão que no mínimo demonstra um desprezo e um cinismo tremendo para com a realidade de um país tão carente quanto o nosso, a grande maioria se contenta em ficar em baixo da mesa a esperar pelas migalhas do banquete dos ricos, "porque é e sempre foi assim", argumentam alguns covardes. O fato é que essa característica servil acaba sendo um argumento para viver uma ilusão de segurança e, para aqueles que não querem assumir seu papel e sua responsabilidades como cidadãos, a desculpa perfeita para justificar um comportamento dócil, apequenado e covarde. A conformidade guarda um grau imenso de preguiça e ignorância, deixando para os outros decidirem sobre nossas vidas para que depois possamos exercer nossa hipocrisia e criticar quem tomou ou teve delegado para si a iniciativa de decidir e construir os ditames da nossa vida comum. Uma posição confortável não é? Sem deveres nem obrigações. Somente discurso, ranço, retórica e inveja. São esses os valores fomentados nessa lógica individualista do sistema. As coisas só são injustas a partir do momento que prejudicam o indivíduo isoladamente, pois ai ele tomará para si as dores da iniqüidade da sociedade, e reivindicará para si o tratamento que considera certo, independente do que é feito ao outro. Desde que seu quinhão esteja garantido, não importa a sorte do próximo.
Sobre o meu umbigo
Sou jornalista, assessor de imprensa de entidade sindical. Esclarecer isso é questão de responsabilidade para que meu discurso seja contextualizado dentro da minha realidade de trabalho. Isso não significa que defendo toda e qualquer posição de entidade sindicais somente por ser sindicato. Trabalhar no meio me proporciona vivenciar as contradições dos movimentos e identificar as falhas e equívocos. Mas além de poder ver os deslizes e contradições, vejo também as razões nobres e os valores bons que justificam a organização de pessoas independente de governos. Sei qual é o discurso que devo defender e para quem trabalho, e isso no jornalismo, é um luxo intelectual e moral. Grande parte dos meus colegas desconhecem completamente que interesses defendem realmente, a quem servem... Vivem na ilusão de achar que trabalham para a sociedade e que defendem valores comuns. Acham que constroem uma realidade melhor quando na verdade servem de instrumento de fomento a ignorância e a inércia social. O fato de ter clareza sobre quem eu defendo com meu trabalho e o discurso que reforço no exercício da minha profissão é uma questão ética fundamental para que me mantenha jornalista. Durante a greve dos bancários de Florianópolis este ano, Sindicato na qual trabalho, pude constatar, mais uma vez, como o lógica de trabalho nas redações fomenta a ignorância e a desinformação da população. Com o interferência da justiça no movimento grevista, uma novidade com relação aos últimos anos, o imprensa se serviu de pratadas nas distorções de interpretação de magistrados quanto a Lei de Greve e o direito constitucional de liberdade de expressão. No meio de um guerra desigual de informação, a imprensa sindical dos bancários buscou a todo o momento subsidiar a grande imprensa de massa com a possibilidade de exercer jornalismo realmente, apurando com cuidado em busca da verdade, e não alardeando o primeiro discurso que um editor armado de chicote lhe impõe. Mas não foi isso que ocorreu, mais uma vez. Tal domesticação do profissional de imprensa começa na universidade e é concluída no mercado. A censura prévia se encontra nas cabeças dos comunicadores, que limitam sua reflexões e leituras a formas da empresa onde trabalham, tanto para garantir lugar no mercado de trabalho, quando para bajular quem pode lhe permitir alguns minutos de fama esporádicos e algumas massagens no frágil ego.
O que me assusta nos dias de hoje vai além de tanta hipocrisia e ignorância. O que me assusta tem um caráter muito mais afetivo. Quanto mais vivencio a militância da sociedade civil, mas me sensibilizo com a falta de sensibilidade da coletividade. Me assusta ver que leva-se mais a sério futebol, religião diversão e fama do que justiça, solidariedade, fraternidade e amor. É contraditório sim e, essa contradição é que me dá calafrios. Ela evidencia uma realidade triste, que tende a solapar nossa esperança. E a luta que me proponho passa mais por saber resistir a esse apelo pela omissão do que por defender ideologias ou posições políticas. O susto não me acovarda, porque é nele que me descubro humano. E no meu nariz resiste o cheiro das flores da primavera que lá fora desponta, mesmo com a ponta gélida do frio do inverno daqui. Ainda ei de plantar essas flores por cá, semente por semente se assim for preciso. Dessa forma, quem sabe um dia, poderemos respirar o ar doce do perfume da primavera e nos deleitar com as cores que decoram essa estação.
Osíris Duarte - Jornalista
Mte / JP 02538 PB - SJSC
osi_duarte@hotmail.com
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