sexta-feira, 26 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A culpa é dos golfinhos

   Os dóceis animaizinhos, alegres e simpáticos habitantes do mar, os golfinhos, nunca imaginariam que serviriam de bode-espiatório para as justificativas da imprensa e de alguns catarinenses em relação à mudança de endereço do futuro estaleiro do bilionário bonitão Eike Batista. Os pobres bichinhos, caçados até quase extinção em algumas partes do mundo, agora servem de argumento para diminuir a importância da não instalação desse empreendimento, que ameaçava a qualidade de vida de milhares de catarinenses, comprometendo fontes de renda importantes para o estado como o turismo. Colocar a culpa nos golfinhos é de uma conveniência argumentativa para os defensores do projeto que soa quase como piada.

  Um dos principais pontos de defesa do “bendito” projeto do estaleiro são os tais 14 mil empregos que o empreendimento geraria no estado. Relembrando que a maricultura gera os mesmos 14 mil empregos, setor esse que ainda tem muito para se desenvolver em Santa Catarina e de forma sustentável. Mas vamos então debater esses tais 14 mil empregos. Primeiro que são pelo menos 10 mil empregos indiretos, gerados em todo o processo de construção e manutenção do estaleiro, que tem prazo para ficar pronto e, conseqüentemente, prazo para desempregar. Apenas 4 mil vagas seriam de empregos diretos, quantia irrisória comparado com a geração de empregos no turismo, que depende intimamente da conservação do patrimônio natural para continuar gerando renda no estado. Santa Catarina é um dos destinos ecológicos mais respeitados do Brasil, não só pelas belas praias como também pela mata atlântica litorânea preservada (um dos maiores percentuais de conservação no Brasil) e região serrana, com seus cânions, cachoeiras e mata nativa. Na verdade, me parece que o argumento de geração de empregos no Brasil serve hoje para justificar qualquer ação, mesmo ela sendo a mais estúpida possível dentro do atual contexto ambiental, social e humano do planeta. Basta dizer que serão geradas algumas dezenas de empregos para que apóie a derrubada de florestas, a privatização de áreas da União (como é o caso da região costeira e matas nativas) ou mesmo o “desenvolvimento nas coxas” promovido pela ocupação de áreas sem qualquer fiscalização, planejamento ou vislumbre de uma estrutura sustentável. Enquanto os empregos forem gerados à custa da qualidade de vida do cidadão, fomentando as diferenças sociais – já que a maioria deles são subempregos, de baixa renda e com características exploratórias – e a exacerbação da importância do consumo e da notoriedade dentro de uma estrutura capitalista selvagem, não poderemos vislumbrar a manutenção desse belo estado da forma confortável e acolhedora, durante muito tempo.     

  Quanto ao senhor Eike Batista, o bonitão bilionário autor do projeto, há de se ressaltar que ele é um empresário que tem o lucro como objetivo, não o bem estar do cidadão. Um fato curioso e recente a respeito desse senhor foi a doação de 2 milhões de Reais feita por ele na campanha eleitoral desse ano. E para quem? Um milhão pra Dilma e outro para o Serra! Isso não me causou surpresa, apenas reforçou o papel que esse senhor tem na sociedade e como ele o desempenha. Fica claro o interesse desse sujeito apenas nos negócios, sem comprometimento ideológico ou posicionamento político. Estamos cansados de saber que o financiamento de campanha é uma troca de benesses entre grupos de interesse que nada tem a ver com o desenvolvimento do país e qualidade de vida do brasileiro. Dentro da realidade do “business” Eike exerce seu direito no jogo de toma lá dá cá da realidade Tupiniquim, mais isso não deve mais ser considerado uma condicionante para ascender economicamente no país, nem mesmo deve passar despercebida aos nossos olhos e senso crítico. É preciso saber quem são esses sujeitos para que possamos saber opinar melhor e de forma menos fragmentada.  

   Algumas das opiniões que ouvi, favorável a vinda do estaleiro e desfavoráveis a atual situação, a ida do empreendimento para o Rio de Janeiro, são de uma ignorância (daquele que ignora os fatos, ou o fato) descomunal. Como o foco da imprensa tem sido o meio ambiente emperrando o desenvolvimento – fato esse que colabora para a condição atual do clima e da sustentabilidade ecológica do planeta – muita gente tem se armado de cinco pedras em cada mão para acertar o primeiro golfinho que ver pela frente. Opiniões como “se matarem uma pessoa o culpado pode até não ser preso (Nota minha: se for rico né!), mas se matarem um animal com certeza serão”, ou até responsabilizando o empresariado catarinense, dito sectário e ortodoxo por alguns, são algumas das críticas feitas por quem não mora perto da área nem vai ganhar nada com o estaleiro. Não entendo como o empresariado catarinense, um dos principais segmentos a serem beneficiados com tal empreendimento, poderia ter investido contra a instalação do mesmo. Culpar políticos também tem sido pauta no debate sobre o tema, logo eles que tanto fizeram esforços para que o negocio saísse! Mesmo com o anúncio da ida do Eike pro Rio, para fazer a lambança dele lá, o governador em exercício Leonel Pavan chamou a OSX para conversar, na tentativa de salvar “algum” nessa história para Santa Catarina. Mas de que Santa Catarina estamos tratando? A dos empresários e políticos ou a do povo do mar, pescadores, ecochatos – como alguns gostam – que se reuniram as centenas durante meses nas audiências públicas para debater o projeto, que engrossaram o coro de descontentamento junto ao MP e aos órgãos ambientais, que numa atitude pouco comum a nossa realidade, fizeram cumprir-se a Lei!  Infelizmente no nosso país as Leis são exercidas de acordo com a posição social e conveniência, e mesmo o cidadão mais simples, que não ocupa altos cargos e ganha muito, repete o discurso de contravenção social em detrimento da organização pelo bem estar coletivo. É preferível burlar as Leis para gerar os tais empregos, do que segui-la consciente da existência dela como instrumento de preservação ao que pertence ao coletivo, não apenas a mais um empresa de um cara cheio da grana. E, enquanto navios saem no estaleiro, os golfinhos ficam com o ônus da ignorância humana. Somos todos seres vivos, e o benefício de uns não pode significar a morte de outros. Se assim como os golfinhos somos parte da natureza, porque ainda nos colocamos na posição de julgadores dos destinos dos seres da Terra? Porque para o lucro de alguns podemos matar outros? Se temos mais direitos sobre esse planeta do que as demais espécies, nossa responsabilidade deve ser proporcional a posição que nos colocamos. Acho que vou contratar um advogado para os golfinhos, coitados... Gerações e gerações usaram aquela baia como ponto de parada e agora são responsabilizados pela frustração de uma vontade imediatista humana. Acho que vou contratar o advogado para processar por calúnia e difamação aqueles que insistem em culpar os golfinhos pela ignorância do homem.


Osíris Duarte



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A todos com amor...




   É normal que no dia de nosso aniversário as pessoas nos cumprimentem, parabenizem e demonstrem carinho. Normal pelo menos pra aqueles que, como eu, têm o privilégio de conviver com muitas pessoas e se relacionar de forma amorosa com todos. As demonstrações de apreço e carinho que recebo nesse dia são a alegria do meu coração que tanto ama nossa irmandade terrestre e, essa alegria, nasce não da lembrança dispensada a mim, mas principalmente pela disponibilidade dos seres de demonstrar amor e carinho por um amigo. Quisá pudéssemos amar e demonstrar esse amor para todos a nossa volta todos os dias, quisá...

  Essa história de rede social, internet, celular, fez com que nos dias de hoje nos possamos estreitar distâncias que impediam tais demonstrações. A facilidade e agilidade da net permite que nos expressemos em tempo real, colocando a mostra não só o que queremos mostrar, mas nosso estado de espírito momentâneo, nossas angústias nossa ansiedade... A net também permitiu que muitos lembrassem do dia do aniversário do próximo, coisa que pra mim, que sou ruim de data, foi ótimo. Assim como a internet permite que publiquemos os maiores absurdos, permite também a expressão daquilo que há de melhor no ser humano, mesmo que virtualmente.

  Nesse dia 11, onde completo 29 ciclos na minha caminhada terrestre, faço os melhores votos não apenas para meu anseios e sonhos, mas principalmente pela propagação desse amor dispensado em forma de mensagens curtas, mas carinhosas, dos meu amigos. Sou o que sou porque somos meus irmãos. Se falo de um jeito, me visto, me comporto, e porque existe VOCÊ ai do outro lado me dando um referencial, uma razão para expor quem sou e minha maneira de pensar. Sozinho não seria o Osíris que vocês conhecem nem você seria alguém, um indivíduo. O mais loco desse lance de indivíduo, de individualismo, é que pra existir tal conceito é necessário que haja um coletivo, afinal só separamos ou individualizamos algo que tem como tem distinção dentro de um coletivo, grupo ou sociedade. Só apenas existisse Adão na Terra, por exemplo, existiria o conceito de indivíduo ou mesmo de coletividade. A interdependência desses conceitos, ou nomenclaturas, é o que dá a razão da própria existência dos mesmos.

  Por isso, se sou o que sou, sou por sua causa! Que nesse dia a festa fique por conta dos filhos de Deus, que o mesmo amor a mim dedicado retorne em dobro a todos e que a luz de um amanhã mais fraterno, amoroso e justo paire nos corações daqueles que dispõe do seu amor em prol da felicidade e reconhecimento do próximo. Aniversário tem todo o ano, então meu obrigado fica por conta da humanidade e afeto nos corações dos meus. Um grande beijo do amigo Osíris Duarte.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Apontamento sobre a censura e os conselhos de comunicação

Elaine Tavares  - jornalista

Um tema bastante complexo tem tomado o imaginário brasileiro através das usinas ideológicas da classe média, as revistas semanais, e os telejornais das grandes redes: a censura. O motivo de tal questão ter vindo à baila é a proposta de institucionalização dos Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação.   Jornalistas, comentaristas, analistas e palpiteiros tem se referido a esse assunto de forma rasa e redutora, o que é bastante prejudicial para a formação do juízo das pessoas sobre o que é verdadeiramente censura.
Para falar sobre esse assunto vou me remeter ao livro da historiadora Beatriz Kushnir, lançado em 2004, mas ainda pouco conhecido na área da comunicação. É o “Cães de Guarda – jornalista e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O trabalho tem uma importância tremenda porque, com ele, Beatriz desvela o outro lado da imprensa nos anos de chumbo, tempo da ditadura brasileira.  Ali, é possível caminhar pelas intrincadas veredas do processo de censura que tomou conta do país depois do Ato Institucional número 5, em 1968, e ver o quanto a categoria dos jornalistas também colaborou para que a censura se fizesse real, seja através dos profissionais que assumiram o cargo de censores ou dos que assumiram a função de polícia.

O livro de Kushnir talvez não seja tão conhecido porque é justamente uma chaga aberta a sangrar, mostrando que não só os donos dos grandes meios foram coniventes com as barbaridades do regime militar, mas também muitos profissionais do jornalismo colaboraram de forma ativa. Naqueles dias, a censura era concreta e cotidiana. Palavras eram proibidas de serem pronunciadas, notícias sobre fatos de interesse público como uma epidemia de malária eram proibidas, informações sobre as arbitrariedades do regime, torturas, assassinatos e desaparecimentos então, nem pensar. Havia um setor que cuidava da censura aos meios de comunicação, aos artistas e a qualquer outro sujeito que usasse a palavra. A censura era uma imposição do estado ditatorial e impedia a livre expressão das idéias. Ela permeava todas as instâncias da vida, uma vez que também as reuniões eram proibidas. Um grupo com mais de três pessoas já era considerado motim.

No campo do jornalismo ela se expressou com a obrigatoriedade de revisão prévia das notícias feita pelos censores que, como revela o trabalho de Beatriz, tinha entre eles um número expressivo de jornalistas. As pessoas que se prestaram a esse papel eram contratadas como funcionários públicos e tinham curso superior, desfazendo-se então a idéia corrente de que os censores eram criaturas ignorantes e incapazes. Não o eram. No mais das vezes chegavam a ser “treinados” nas universidades, que ofereciam cursos sobre como censurar. O governo investiu muitos recursos neste tipo de capacitação. Vários dos censores foram entrevistados por Beatriz e a maioria tinha consolidada a certeza de que estava realmente ajudando a manter a moral e os bons costumes.

O livro de Beatriz também desvela como a censura explícita e realizada diretamente pelos funcionários públicos vai se transformando em autocensura. Os donos dos grandes jornais se mostravam incomodados pela intromissão governamental, mas não era muito em relação ao conteúdo noticioso, uma vez que a maioria dos empresários da comunicação apoiou o golpe e conspirava das mesmas idéias. Houve uma certa rusga, mas logo tudo foi se acomodando, e tanto, que os grandes jornais contratavam censores, aposentados ou não, para fazerem a pré-triagem. Ou seja, eles eram pagos pelo jornal para adequar as notícias ao gosto dos censores, para impedir que os jornais sofressem atrasos ou cortes. Isso foi gestando uma cultura de autocensura nos jornalistas, que acabaram incorporando a idéia de que certas coisas, temas, palavras e assuntos eram proibidos. Tudo se ajustou. A TV Globo, conta Beatriz, teve um funcionário deste tipo até os anos 90, ou seja, sobreviveu ao próprio regime militar.

Informações desta natureza dão conta do caráter conservador do jornalismo de massa brasileiro, ficando para a resistência – pequena, alternativa e quase ineficaz – o território do jornalismo crítico. A coisa ficou tão contaminada nas grandes redações que, no início dos anos 70, os jornalistas contratados para noticiar a vida, distorcida pelas lentes da censura, eram também policiais. Ou seja, desfaziam-se os limites da repressão e da notícia. Só era noticiado aquilo que interessava ao regime e os jornalistas eram eles mesmos os cães de guarda. Arrepiante relato.

A herança policialesca

Não foi sem razão que esta forma de autocensura acabou se irradiado pelos demais meios de comunicação. No geral, os donos da imprensa nacional compõem uma meia dúzia de famílias que, de forma capilar, acabam se reproduzindo em todos os estados da federação.  Em cada um deles se pode observar o monopólio de um determinado grupo, que tem ligações muito próximas dos “jornalões” e TVs do eixo Rio-São Paulo. E, como os donos são sempre parte das elites locais, a forma de enxergar o mundo passa pelas lentes conservadoras e muitas vezes oligarcas.

Quando a ditadura militar terminou, o processo de censura estava consolidado. Mesmo com a volta da chamada democracia, nos veículos de comunicação os temas proibidos pelos militares continuavam proibidos. Basta lembrar a cobertura dos fatos que envolviam o MST. Ainda na metade dos anos 90, falar de sem-terra era aberração. E, quando estes temas puderam ser mostrados, a faceta policialesca do jornalismo seguiu de dentes arreganhados. Gente em luta logo era enquadrada nas caixinhas de “bandidos”, “baderneiros”, “invasores” e, agora, em pleno século XXI, “terroristas”. 

Isso mostra que o terrível momento da censura e toda a sua organização institucional e empresarial, tão bem narrados por Beatriz Kushnir, ainda não acabou. Se assim fosse por que teríamos as matérias da Veja? Ou os editoriais raivosos do Jornal Nacional? Por que causa tanto medo à elite que domina os meios de comunicação um Conselho de Comunicação que junte movimentos sociais, sindicatos e gente do povo? Por que a idéia de ter gente “comum” discutindo a comunicação é apresentada como a possibilidade da censura? Por que regular a atividade de comunicação está sendo chamada de censura?

Na verdade, toda essa algaravia de que  o Conselho vai trazer a censura é o exercício da má-fé dos mesmos de sempre, os que, inclusive, sustentaram todo o processo de censura nos anos de chumbo. A chamada “imprensa livre” não quer controle, não quer ninguém metendo o bedelho na sua extração de mais-valia ideológica, como bem já analisou o pensador venezuelano Ludovico Silva. A proposta do movimento social organizado não é a da censura. Não é esconder temas, proibir palavras, impedir que a vida real se expresse nos meios. Pelo contrário, o que foi construído pelos movimentos ao longo desta infindável transição para a democracia é a proposta de controle social, algo absolutamente natural num espaço que se diz democrático. As gentes têm sim o direito de opinar sobre o que sai na TV e no rádio. Estes setores são concessões públicas e a sede do poder é o povo. As pessoas têm sim o direito de estudar, discutir e deliberar sobre a programação e os horários de exibição de determinados conteúdos. Isso não é censura. Censura é o que os donos da maioria dos meios fazem hoje ao ocultar fatos, ao não contextualizar os acontecimentos, ao obscurecer a verdade. Isso é censura! O exercício do poder de veto de uma elite, dona dos meios.

Por isso que num momento como esse, de profunda desinformação provocada pelos mesmos meios, seria bem importante a leitura do livro de Beatriz Kushnir. Porque ela dá nome e sobrenome aos donos dos meios e aos jornalistas que colaboraram com a ditadura e com a censura. Porque mostra que ser jornalista não significa, em última instância, ser crítico. Não o era, naqueles dias, com grande parte dos jornalistas formados à facão, nas redações e na vida, e continua assim hoje, com os jornalistas formados em cursos na maioria medíocres e colaboracionistas em igual medida, articulados mais com os empresários do que com os trabalhadores.

Beatriz desvela esse universo desconhecido do período da ditadura militar que vai de 68 a 88 (quando da Constituinte), e isso é bom, porque, afinal, a imprensa só fala bem de si mesma, e os jornalistas críticos não têm onde escrever. Então, estas histórias muitas vezes só podem ser contadas assim, quando são objetos de dissertações ou teses. No caso da Beatriz avançou, virou livro e está aí para ser devorado.

Na história, o jornalismo sempre serviu às elites

É claro que um trabalho de gênese acadêmica tem suas limitações. Ele precisa de recortes, é o que pede a academia, tão pouco afeita a totalizações. Nesse caso, da discussão do jornalismo colaboracionista em tempos da ditadura militar, faltou um pouco da história do próprio jornalismo. Porque se a gente mergulha nessa história vai perceber que o papel da imprensa não é, nem nunca foi fiscalizar o poder. De que a imprensa não é, nem nunca foi um “quarto” poder. Ela é braço forte do poder instituído pelos poderosos, pelas elites.

O jornalismo como profissão, como espaço de divulgação diária de notícias sobre o mundo, nasceu com o capitalismo. Não que não houvesse jornalismo antes, se considerarmos jornalismo o ato de noticiar algo sobre o mundo. Os desenhos pré-históricos são notícias, as tábuas da mesopotâmia são notícias, as pedras chinesas são notícias, a bíblia, o alcorão, os vedas, a ilíada. Tudo isso são notícias. Mas o jornalismo, tal como o conhecemos hoje, como espaço da informação diária, ela própria virada em mercadoria, é cria do capitalismo. Os jornais diários são criados para o anúncio das mercadorias. Os textos são assessórios.

Assim, se é o capitalismo que  cria o jornalismo, o que podemos esperar desta prática humana? Nada mais nada menos que ela trabalhe para a consolidação daquilo que é o próprio sistema que a engendra. Se for assim, é da natureza do jornalismo ser colaboracionista do sistema. Do status quo.  Por isso, durante a ditadura iniciada em 64, assim como no Estado Novo, boa parte do jornalismo esteve a serviço do sistema. Então, o que o trabalho da Beatriz nos revela é pura e simplesmente o jornalismo sendo ele mesmo.

 Ao longo da história do jornalismo nós vamos observar que o que sempre esteve em questão foi a liberdade de expressão dos donos do poder. As situações de crítica ou do jornalismo assumindo a frente de denúncias, desvendando maracutaias, etc, sempre foram coisas pontuais, espaço específico de alguns “jornalistas”, hereges, os fora da casinha. Pessoas, seres humanos comprometidos com uma outra visão. E também, ao longo da história podemos perceber que quando estes jornalistas tiveram poder, é porque de alguma maneira estavam ajudando seus patrões a ganharem dinheiro, ou porque estava acontecendo alguma mudança de temperatura do mundo, como por exemplo, no período da abolição.

E os dias atuais?

Vamos nos remeter ao hoje. Qual a diferença entre o jornalismo entreguista e colaboracionista dos anos de chumbo e o de hoje? Qual a diferença do jornalismo praticado pelos Frias/Caldeira naqueles dias, e o praticado pela Globo hoje, ou qualquer outro, Diário Catarinense, Record, etc??? Como eles noticiam as FARC, os fatos na Venezuela, na Bolívia, em Cuba? Como são as manchetes? Que denúncias aparecem na televisão, se não aquelas que são levantadas pelos repórteres/policiais, que sobem os morros no carro da polícia? Quem são os terroristas de hoje, apontados com nome e sobrenome na televisão? Nada mudou. É da natureza do jornalismo ser parceiro do sistema.

Agora, mesmo diante desta realidade e justamente porque o jornalismo é feito por pessoas, ele pode escapulir de seu leito. O jornalismo, então, pode ser crítico. Sim, pode. Assim como o direito pode ser crítico, a arquitetura, a história, a medicina. Todos os saberes podem ser críticos se as pessoas forem formadas para isso, se aprenderem a fazer uso da criticidade. Mas, como sê-lo se a escola é formatadora de uma mentalidade conservadora, se a universidade é hoje um dos espaços mais atrasados, de colonialismo mental, de reprodução do mesmo

Há um autor gaucho que formulou seu pensamento mais original em Santa Catarina, na Universidade Federal: Adelmo Genro Filho. Ele criou o que chamou de “teoria marxista do jornalismo”.  Também compreendeu que o jornalismo é filho dileto do poder instituído, do capitalismo, mas, igualmente percebeu que o jornalismo não é um “ente”, algo imobilizado, cristalizado. Ele é praticado por pessoas. E estas são passíveis da dialética. Portanto, o jornalismo apresenta brechas. E os jornalistas críticos podem e devem mergulhar nessas brechas, trazendo para os leitores/ouvintes/espectadores um texto que possa caminhar da singularidade do fato até a universalidade de toda a atmosfera que envolve aquele acontecimento singular. Isso tira o maniqueísmo do processo jornalístico e ele pode ser crítico em qualquer tipo de sistema. Adelmo é pouco conhecido na universidade, talvez por sua teoria ser “marxista”, o que só consolida o atraso da academia.

No caso da ditadura militar brasileira, foi o jornalismo alternativo que usou do expediente de ser crítico. E hoje, igualmente é o alternativo que combate o jornalismo chapa branca, que se entrega aos dominantes. Mas, já não mais apenas como o jornalismo, tal qual o conhecemos, e sim como uma proposta original, nascida das entranhas do que deveria ser, de fato, a sede do poder, ou seja: o povo organizado. É a proposta da soberania comunicacional, na qual está inserida a ideia de um conselho de comunicação democrático, onde as gentes sejam protagônicas.

A soberania comunicacional

Por isso que não trabalhamos mais com a ideia de democratização da comunicação, que era válida nos anos 90, mas que, agora, encontra seus limites. Democratizar implica em melhorar o que aí está. E não é isso que queremos. Nossa proposta é a de soberania comunicacional, algo que pressupõe o novo, o absolutamente novo. O jornalismo reinventado, o jornalismo assumido pelas gentes organizadas. Porque as pessoas sabem que o jornalismo que aí está não lhes diz respeito. Por isso foi tão difícil aos jornalistas, e eu diria que foi impossível, fazer as gentes compreenderem porque o STF devia manter a exigência do diploma para o exercício da profissão.  As pessoas não se reconhecem no jornalismo dos grandes meios, não se vêem. Sabem que não os representa. E isso provocou uma profunda derrota aos trabalhadores do jornalismo, vitória para os patrões, que agora poderão explorar mais.



Mas, é por conta de não se reconhecerem no jornalismo oficial, dos grandes meios, que os movimentos sociais estão se apropriando das técnicas de comunicação para contar suas histórias. Querem produzir conteúdo, controlar os meios, decidir o que é importante ou não. Querem exercer a soberania. Uma grande batalha com a corporação, mas que precisa ser pensada e compreendida. A luta contra o capital pressupõe a parceria com o povo. Sem as maiorias os jornalistas que estão fora do sistema de colaboração tampouco poderão avançar.

Não é sem razão que o sistema de poder, a se ver ameaçado pelo povo, a verdadeira sede do poder, revê suas estratégias e as legaliza, como vimos no livro de Beatriz Kushnir “Os cães de guarda”, no qual ela mostra como a ditadura ia criando as leis que determinavam a censura, amparando “legalmente” os desmandos de um governo ilegalmente constituído. Por isso, não causa surpresa, hoje, a decisão jurídica definida pelo STF no que diz respeito à profissão do jornalismo. Os empresários temem a opinião pública bem informada, tal como já alertava George Orwell, no seu prefácio ao livro “Revolução dos Bichos”. Assim, com medo do povo informado e caminhando para a soberania, os donos dos meios inviabilizam a presença da massa crítica nas redações dos seus veículos. Desregulamentar a profissão é diminuir ainda mais a chance de qualquer pensamento crítico nos meios de comunicação de massa, porque, afinal, mesmo levando em conta a formação colonizada, sempre há a possibilidade de alguém escapar. Agora, sem lei que os ampare, sem exigência de formação, será mais fácil contar com os colaboracionistas, os que se autocensuram em nome da manutenção do emprego. Jogada de mestre.

Uma olhada no acórdão do STF e lá está: “os jornalistas são os que se dedicam profissionalmente ao pleno exercício da liberdade de expressão. Estão ligados e não podem ser pensados separadamente, então a regulamentação da profissão vai contra o direito inalienável de expressão”. Ora, que relações perigosas da justiça com o empresariado provocam uma fala como essa?

O jornalismo é uma profissão, a liberdade de expressão não depende do jornalismo. Qualquer ser humano pode escrever uma carta, pintar um muro, fazer um desenho, gritar na praça. O jornalismo é uma profissão que, por acaso, usa a palavra. Mas, agora, desregulamentado, se prestará ainda mais ao jogo obsceno na censura velada. E aí estamos de novo no mesmo mundo de 68, 69, 70. A proposta dos conselhos de comunicação, com a participação de outros setores da sociedade organizada,  não garante nada, nem democratização, nem soberania. Isso pode ser visto em outros conselhos já existentes como o da saúde e o da educação. Mas é um espaço importante de organização, de compreensão. Ou seja, é espaço “perigoso”, que pode provocar esclarecimentos, que pode fazer as gentes avançarem para o desejo de soberania. Por isso esse é um tema tão atacado. As elites têm medo do povo e isso é muito bom. Não é à toa, portanto, que os dignos representantes da elite nacional falem tão mal do conselho, e se esganicem falando que eles trarão a censura. Porque, na verdade, é o contrário. O povo não trará a censura e sim o esclarecimento. E isso é coisa difícil de engolir.                     

Então, não surpreende que nas redações continuem vicejando os cães de guarda, mais do que nunca. Aos jornalistas críticos estão relegadas as margens, o alternativo. Com a diferença de que, agora, estes e as gentes, juntos, poderão avançar no rumo da soberania comunicacional, construindo com os movimentos organizados um outro tipo de estado, que não este, e uma outra forma de organizar a vida, que não a capitalista.







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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Uma mulher na presidência

Por Elaine Tavares - Jornalista

Sempre admirei as mulheres valentes e ainda me arrepio ao lembrar Micaela Bastidas, vendo seus filhos e seu marido serem esquartejados, impávida, sabendo que havia feito a coisa certa: lutar pela liberdade, contra o colonialismo, pela sua terra e pelo direito de ser quem era. Encanta-me a história de Juana Azurduy, espada em punho, lutando pela libertação desta “nuestra América”, encurralada, com seus filhos nos braços, sem nenhuma vacilação. Ou ainda Bartolina Sisa, comandando as tropas aymaras no cerco a La Paz, poderosa como uma deusa, a alertar para o perigo da conciliação de classe. E Manuelita Saenz que, desde seu profundo amor por Bolívar, se fez generala, defendendo a liberdade assim como defendia seu homem, adaga na mão, lutando contra os assassinos. Ou Anita Garibaldi, que enfrentou o olhar de reprovação dos seus e partiu, montada em seu cavalo, com seu amor, empunhando a espada na luta pela liberdade. Ah, essas mulheres...

Poderia ainda citar outras tantas que, nestas terras de Abya Yala, mostraram seu valor, entregando a vida para construir um mundo novo, que garantisse a liberdade e a soberania popular. Mulheres guerreiras que simplesmente foram à luta sem reivindicar diferença de gênero, porque o que estava em jogo era o futuro das gentes e isso era tudo o que importava. E foi porque me criei ouvindo estas histórias que nunca fui muito afeita a esse debate feminista. Desde pequena, nas planuras da fronteira, as mulheres da minha vida, poderosas, estavam muito mais para Ana Terra que para Bibiana. Sempre prenhas de minuano e horizontes, as mulheres da minha infância empunhavam armas, corcoveavam nos cavalos bravios, banhavam-se nuas nas sangas, dormiam com seus homens na campina, disputavam carreira, queda de braço, tomavam caçacha e ainda lavavam roupa e faziam comida, com o palheiro acesso entre os lábios e aquele olhar de picardia.

Digo isso para alertar sobre o fato de que termos agora a primeira mulher presidente não quer dizer muita coisa. Porque antes de tudo é preciso saber: que projeto de país tem essa mulher? Que propostas têm para a educação, a saúde? Que modelo econômico vai defender? Com que valentia vai enfrentar a oligarquia agrária? Como vai enfrentar o tema dos povos originários? Até onde vai ceder diante da pressão das transnacionais? O quanto vai efetivamente tornar real o serviço público capaz de atender as demandas concretas da população? Assim, o fato de ser mulher não a torna especial. O que a fará única e “imorrível” é o caminho que vai trilhar. Basta lembrar Margareth Tatcher, a dama de ferro, mulher. E aí? Qual o seu legado para a Inglaterra? Para quem governou? Quem não se lembra da lenta e cruel destruição da categoria dos mineiros?

Dilma Russef tem uma linda história. É, sem dúvida, uma guerreira. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras desta nossa América. Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma bonita carreira profissional e política. Mas, no governo de Luis Inácio, foi “a mãe” do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, muitas vezes, mal planejado e eleitoreiro, não cumpriu com a sua promessa de melhorar a vida das gentes. Um exemplo da minha aldeia: aqui, no bairro Campeche, o PAC financiou a construção de uma rede coletora de esgoto. Isso é bom. Mas a proposta que tem para o destino final é a construção de um emissário que leve os dejetos todos para o mar, poluindo e destruindo a natureza. Que crescimento isso acelerou? Também foi ela quem ajudou a derrubar os “entraves ambientais” para a construção de grandes usinas, comprovadamente nocivas ao meio ambiente e as gentes. Isso foi ruim, muito ruim. Que o digam as gentes ribeirinhas e os povos indígenas.

Agora ela aí está. Competente, séria, dedicada, criatura do Lula, a quem agradeceu emocionada no seu discurso de posse. “Sou uma mulher de esquerda”, declarou em uma entrevista. “Vou governar para todos”, insistiu na sua fala à nação pouco depois de eleita, e deu bastante ênfase a idéia de desenvolvimento, fazendo crer que o Brasil pode entrar para o seleto clube dos países centrais. Mas, é isso que se quer? Ser “desenvolvido” como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França? Ser predador, explorador, imperialista? Há que ver qual é a estação final a qual Dilma quer chegar.

Os oito anos de Luis Inácio foram anos de bonança para a elite nacional. Nunca os ricos ganharam tanto, nunca os bancos ganharam tanto, nunca os latifundiários ganharam tanto. O próprio Luis Inácio admitiu isso em um de seus discursos. É fato que os pobres tiveram um quinhão do bolo, mas, vamos combinar, um pequeno quinhão. O bolsa família deu sobrevida a uma gente que definhava, mais ainda não lhes apontou o caminho da libertação. Criaram-se 14 novas universidades, que ainda patinam na qualidade. Com o Reuni, deu-se muita grana para as escolas privadas, embora isso garantisse vaga para alunos carentes. Então, não dá para negar que houve alguns avanços, mas sempre se reivindicou que era preciso mais. Muito mais.

Hoje, na senda neodesenvolvimentista apregoada por Dilma, estão encerradas as promessas de crescimento econômico e social, o que parece coisa boa. Mas, talvez falte ao governo explicar a custa do quê isso pode acontecer. Se antes o chamado desenvolvimento estava bloqueado pela dívida externa, hoje, sendo o Brasil periferia e dependente, esse tal desenvolvimento só pode chegar com o sacrifício da maioria, os mais pobres. E sempre tem sido assim. Desenvolvem-se os mais ricos, recorrentemente.

Dilma falou em diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, em acabar com a miséria, com a cracolândia, com o atraso. Promessas grandiosas que serão cobradas. Mas, na queda de braço com a elite nacional é que se poderá ver até onde vai a posição de esquerda da nova presidente. Existe aí um grande desafio que não será vencido sem uma mudança radical na proposta de organização da vida. O desenvolvimento sonhado não pode ser o mesmo dos países centrais. Há que se avançar para uma proposta nacional popular, capaz de realmente garantir a participação popular efetiva e protagônica. Sem a soberania do povo os avanços serão pífios.

Enfim, aí está a nova presidenta, uma mulher que “sim, pode”. Mas, feminina ou não, sua proposta de governo estará sob as luzes, e a nós cabe acompanhar. Sabemos que na composição PT/PMDB não deve haver espaço para o avanço no rumo do socialismo. O que se pode esperar são algumas reformas, e muitas delas serão contra as gentes, como a anunciada nova reforma da previdência, cuja versão européia está levando milhões às ruas no velho continente. Isso significa que não há tempo para esmorecer na luta por outra forma de viver. A luta das gentes segue e seguirá até que se construa, coletiva e conscientemente, a nova sociedade.

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