O vento sopra tão forte em Praia que o sino da igreja na zona do Platô bate fora de hora. Uma badala ao sabor do vento me trás à cabeça a sensação de que tempo em Cabo Verde parece ser algo trivial, sem muita relevância. Talvez o sino batendo de acordo com as rajadas do atlântico fosse a analogia perfeita dos critérios de tempo nessas ilhas da costa africana. Ao invés dos relógios e lógicas matemáticas do ser humano era a natureza quem determinava quando o badalo da igreja devia marcar as horas. Sem tempo para o tempo dos homens, mas com tempo suficiente para desprezar o tempo e fazer dos minutos apenas brisas durante as manifestações da existência.
A geografia de Cabo Verde é - para nós brasileiros acostumados com o verde de nossa terra - algo diferente e novo. O clima seco e o solo árido e pedregoso lembra as paisagens desérticas estadunidenses, ou até mesmo as regiões mais secas do semiárido do nordeste brasileiro. Mesmo assim é diferente, inesperado para alguém que nunca havia deixado o Brasil. A falta de àgua doce natural em todo o arquipélago, que se abastece de àgua desalinizada, junto com uma média de chuva de 8 cm por ano em algumas ilhas, fez com que Cabo Verde acabesse sendo um lugar dependente da importação.
As ilhas de Cabo Verde contam 10 no total, sendo 9 delas habitadas. Em Santiago, principal ilha do arquipélago onde fica a capital Praia, o relevo é escarpado, com morros que se juntam formando vales secos. Apesar do nome, o forte de Praia não é praia! Capital administrativa do país, a cidade conta com a beleza das construções portuguesas quase intáctas, muito devido a falta de recursos naturais da ilha, o que forçou a presevação do casaril. Além das construções históricas se come bem na cidade, cheia de cafés charmosos, praças bem cuidadas e dias de sol intermináveis, intercalados por um frio surpreendente a noite. Estando aqui vi como foi bom ter trazido roupas de frio porque, se não, fatalmente teria que comprá-las aqui. Tanto no Senegal quanto em Cabo Verde as temperaturas tem variado muito do dia pra noite.
Praia carrega um ar de paz e tranquilidade ideal pra quem - como eu neste momento - precisa de um pouco de sossego. Mas minha surpresa na cidade não foi tanto pelo tamanho da influência brasileira na vida dos caboverdianos, nem por ouvir todos os dias nas praças, bares e cafés Gilberto Gil, Caetano velozo, Chitanzinho e Chororó e até, pasmem, Sandy e Junior! Mas sim pela quantidade de chineses que se pode encontrar na cidade. Isso mesmo, chinenes! É como se para cada 3 habitantes de Praia houvesse um chinês. Com certeza isso é um exajero meu, daqueles que a gente faz pra descrever surpresa, mas realmente o número de mercados chineses e produtos made in China e de assustar. Já no avião, na saída de Dakar para Praia, uns 5 chineses conversavam na fila de embarque. No mercado cetral de Praia as únicas coisas - que não são coisas né - que não são chineses são os vendedores, na maioria Caboverdianos e Senegaleses.
A migração de senegaleses para Cabo Verde é algo que a polícia parece estar sempre atenta, aliás. No aeroporto, todos os senegaleses que estavam no meu voo foram barrados e ficaram esperando enquanto os outros passageiros passavam pelo posto de imigração. Muitos deles podem até terem sido mandados de volta para o Senegal. Casos de passaportes e vistos falsos também parecem frequentes. Tudo isso é um reflexo das condições melhores de vida e trabalho que Cabo Verde oferece em relação aos países africanos mais próximos, como o Senegal e a Guiné Bissau. Mas não se iludam, porque mesmo com condições melhores a pobreza e o desemprego são fatos em qualquer país africano, inclusive aqui.
Depois de 2 dias e meio em Praia, conhecendo as partes históricas da cidade, peguei mais um voo de assustar. Já na ida de Dakar para Praia, o avião - um bimotor de porte médio e em bom estado - balançava como um barco. Enquanto o comissário de bordo explicava os procedimentos de queda no mar eu me peguei prestando atenção nele, coisa que para quem já viajou de avião algumas vezes se torna repetitivo e chato. Pois dessa vez, em caso de necessidade, prestei atenção no sujeito, vai saber... O voo de Praia para Sal foi pior ainda. Aquela coisa bem mais pesada que o ar balançava como se fosse papel no vento. Mas depois da tenção, e do alerta de um colombiano a meu lado de que aquilo era normal, cheguei a salvo e inteiro.
Em Sal tenho falado mais inglês que português. É que, além dos inúmeros turistas da Itália, França, Reino Unido, Portugal e Espanha, a maioria dos artesãos são senegaleses que falam francês e inglês. Os africanos são muito inteligentes. Todos falam várias linguas e são donos de uma memória de dar invéja. Em Cabo Verde, além do português, fala-se creole, que é a lingua dos nativos. Assim como em Dakar, além do francês se fala Wolof. Mas devo voltar a memória prodigiosa dos africanos, coisa que vale a pena ressaltar. Basta falar uma vez seu nome que parece que nunca mais eles vão esquecer. A maior prova disso são os vendedores, que depois de dois ou três dias, quando você passa por eles novamente, te chamam pelo nome como um velho amigo que a muito não o via.
As belezas de Sal estão no mar. A ilha parece ser - assim como em quase todo o arquipélago de Cabo Verde - um paraíso do entretenimento marítimo. Com vento constante, o lugar é cheio de kitesurfers,windsurfers, sufistas, - por tem altas ondas aqui - pescadores, mergulhadores e velejadores. Com uma àgua azul turquesa de um tom que nunca tinha visto, transparente e cristalina, o atlântico de Cabo Verde parece até uma piscina. Parece mentira! As vezes fico pensando se isso não foi coisa de alguns "investidor" europeu - um dos muitos aqui - que mandou trazer a areia branca e encheu um buraco na costa de Santa Maria - cidade dos turistas e do agito em Sal - para poder atrair mais gente e construir as centenas de resorts chiques a beira mar que existem aqui. Como meu bolso não enche em Euro e meu gosto não é tão afrescalhado como o dos Europeus, fiquei em Espargos, Capital da ilha, há cerca de 12 quilômetros de Santa Maria.
Esses são meus últimos dias em Cabo Verde antes de ir para a Guiné Bissau, na sexta, dia 18. Ainda sinto na boca o gosto da água turquesa de Sal e das delícias das padarias de Praia. Mas tudo aquilo que vale a pena passa para deixar um gosto de quero mais e de saudade. Mesmo antes de ir já sinto falta daquilo que tenho no momento. Com certeza vou tentar adotar o tempo de Cabo Verde no meu relógio. Um tempo que tem tempo pra si. Um tempo que parou no tempo. Um tempo que mostra que já é tempo de abolir o tempo...
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