Deixo aqui o meu muito obrigado a todos que prestigiaram o Seminário Nosso Eu Africano. Promovido pela Revista Pobres e Nojentas e com apoio de Sindicatos de SC, o seminário acabou sendo muito mais enriquecedor do que eu esperava. A presença dos colegas africanos da UFSC deu a profundidade e credibilidade para que o evento não fosse apenas a coleta de "louros" de um empreendimento , uma viajem egocêntrica, ou tão somente uma prestação de contas do apoio recebido. Meus agradecimentos a todos pela oportunidade que me deram de partilhar essa experiência, pois são essas oportunidades que enriquecem, não a notoriedade que se ganha quando realizamos algo. Um grande abraço aos meu amigos, irmãos de caminhada, que puderam estar lá! Um abraço também para aqueles não puderam ir. Haverá, se assim for a vontade do astral, outras oportunidades. Deixo aqui um agradecimento especial, cheio de saudade, aos meus amigos Suleimane Seide, da Guiné-Bissau, e Alioune Badara do Senegal, que foram os mais próximos a mim durante minha estada na África e que tocaram profundamente meu coração com sua força, alegria e retidão. Se existe mérito em contar histórias, esse mérito está no ressaltar das grandesa - ou mediocridade - dos protagonistas, não na habilidade do narrador.
quarta-feira, 30 de março de 2011
O meu muito obrigado nunca será suficiente
Deixo aqui o meu muito obrigado a todos que prestigiaram o Seminário Nosso Eu Africano. Promovido pela Revista Pobres e Nojentas e com apoio de Sindicatos de SC, o seminário acabou sendo muito mais enriquecedor do que eu esperava. A presença dos colegas africanos da UFSC deu a profundidade e credibilidade para que o evento não fosse apenas a coleta de "louros" de um empreendimento , uma viajem egocêntrica, ou tão somente uma prestação de contas do apoio recebido. Meus agradecimentos a todos pela oportunidade que me deram de partilhar essa experiência, pois são essas oportunidades que enriquecem, não a notoriedade que se ganha quando realizamos algo. Um grande abraço aos meu amigos, irmãos de caminhada, que puderam estar lá! Um abraço também para aqueles não puderam ir. Haverá, se assim for a vontade do astral, outras oportunidades. Deixo aqui um agradecimento especial, cheio de saudade, aos meus amigos Suleimane Seide, da Guiné-Bissau, e Alioune Badara do Senegal, que foram os mais próximos a mim durante minha estada na África e que tocaram profundamente meu coração com sua força, alegria e retidão. Se existe mérito em contar histórias, esse mérito está no ressaltar das grandesa - ou mediocridade - dos protagonistas, não na habilidade do narrador.
segunda-feira, 21 de março de 2011
Seminário: Nosso eu Africano, terça, dia 29 em Florianópolis
Seminário: Nosso eu Africano – Uma viajem particular pela realidade da África
Olá. Meu nome é Osíris Duarte, sou jornalista e, durante 22 dias, percorri três países africanos com um objetivo claro: contar histórias. Apenas com uma câmera fotográfica e a meta inicial de realizar uma cobertura jornalística para Sindicatos Catarinenses do Fórum Social Mundial 2011 em Dakar - Capital do Senegal - tive a oportunidade de vivenciar mais do que as discussões sobre política, sociedade e cultura.
Depois de seis dias em Dakar, segui minha viajem em direção ao arquipélago de Cabo Verde e em seguida para a República da Guiné Bissau. Nesses três países, com realidades e contextos sócio-políticos diferentes, pude experimentar um pouco da realidade dos africanos.
A África é um continente com uma das maiores diversidades étnico, cultural e religioso do planeta. Sendo assim seria impossível não trazer na bagagem, além das fotos e suvenires, um monte de histórias curiosas, peculiares, interessantes e informativas.
Pude acompanhar, durante o FSM, a queda de Hosni Mubarak no Egito e a festa dos militantes egípcios em Dakar. Vi a beleza das ilhas de Cabo Verde e o poder da influência da cultura e da mídia brasileira naquele país. Na Guiné Bissau vivi a realidade de um povo que se recupera de anos de guerra civil e exploração internacional.
Essas e outras tantas histórias, impressões e constatações você pode ouvir durante o Seminário: Nosso eu Africano – Uma viajem particular pela realidade da África, terça-feira, dia 29 de março, no auditório do SINTUFSC. Te espero lá para que eu posso ter o privilégio de partilhar essas histórias com você.
O que?
Seminário: Nosso eu Africano – Uma viajem particular pela realidade da África
Quando?
Terça-feira, dia 29 de março
Onde?
Auditório do SINTUFSC, Rua R. João Pio Duarte da Silva, 241 - C.Postal 5130 - Córrego Grande - Florianópolis/SC - CEP 88040-970
Quem?
Osíris Duarte é jornalista profissional, Bacharel em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí em 2005,
fotógrafo, blogueiro e assessor de imprensa do Sindicato dos Bancários de Florianópolis e Região.
quarta-feira, 16 de março de 2011
Gestão sindical e comunicação: uma questão de coerência
A distorção que existe no meio sindical do papel do jornalista e das atribuições de sua função é algo que somente atrapalha a luta promovida pelas entidades de classe, demonstrando inabilidade e incoerência de dirigentes sindicais na busca por angariar apoio da respectiva base e da sociedade. O fazer político, galgado na disputa e na conformidade com o status quo do sistema, e que em grande parte reproduz o modelo usado na política partidária, põe o profissional de comunicação em uma posição delicada e desviada das suas reais atribuições, já que esse fazer político é colocado como premissa e não como conseqüência. As discrepâncias e incoerências presentes no meio sindical, percebidas através de práticas inadequadas ao atual momento da comunicação social no planeta, acabam por respingar no jornalista, que tem seu emprego e sua credibilidade colocados na berlinda quando os ânimos se acirram.
Entender o papel do assessor de imprensa e o que é jornalismo sindical é prerrogativa de um bom gestor de entidades de classe. Em um mundo onde a informação é consumida como água, onde levantes civis são planejados pelas redes sociais e onde a internet e a televisão recebem mais respeitabilidade e admiração do que professores, seria no mínimo irresponsabilidade virar as costas para a importância dos profissionais de imprensa e para os setores de comunicação em entidades de classe. Como setor estratégico de um Sindicato, a comunicação não pode ser comprometida com disputas internas de cunho político ou pessoal, nem pela falta de comprometimento para com os trabalhadores. O único prejudicado, além do jornalista, é a categoria, que fica a mercê de marés de boa vontade e de consciência momentânea por parte de dirigentes sindicais. Ao mesmo tempo em que há uma ignorância de gestores de entidades de classe em relação as atribuições de um setor de comunicação em conformidade com as necessidades da militância dos trabalhadores, há também uma dose grande de contradição na forma como tal atividade é encarada pelos mesmos. O que mais se houve, dentre as tantas reclamações dentro de entidades sindicais nos dias de hoje, é a falta de comprometimento ideológico, entendimento político e militância das próprias categorias. Quando uma greve já não reúne mais o mesmo número de pessoas que reunia há dez ou vinte anos, argumentos generalistas apoiados nos “planos maquiavélicos bem urdidos do sistema” surgem como a desculpa para uma inércia administrativa e para um discurso desagregador, servindo assim de justificativa para a criação de um palco de disputa. Tal ambiente é conveniente e até mesmo necessário para a manutenção do poder nos Sindicatos. Essa manutenção de poder galgada em métodos pouco éticos, já que se fundamenta em um modelo de depreciação do trabalho e do caráter do opositor, seja pelo fato de ser filiado a uma diferente Central Sindical ou por ter uma relação declarada com determinado grupo político, com o tempo se consolida e, assim, se torna o paradigma moral da conduta de sindicalistas. Quem nunca ouviu a frase: mas em política é assim mesmo... Tal situação acaba por reforçar a divisão e desestruturação de uma pertença unidade entre trabalhadores, abrindo portas para a aceitação das influências dos veículos a serviço das elites dominantes e opressoras.
O amadurecimento das formas consolidadas de visão da política, inclusive no que diz respeito a gestão de recursos e bens construídos com o dinheiro dos trabalhadores, não é apenas uma vontade desvirtuada de um ex-socialista aburguesado, mas sim uma responsabilidade que independe de orientação ideológica ou opção política. Se há a necessidade de profissionalizar o setor de comunicação nos Sindicatos, já que uma imprensa sindical séria e aparelhada se faz necessária para a disputa por hegemonia comunicacional e no auxílio de formação ideológica e política dos trabalhadores, por outro lado há uma necessidade ainda maior de mudança na forma como se gere as entidades, porque é ai que mora a depreciação do setor. Uma das conseqüências desse tipo de visão política de gestão e a forma como profissionais de comunicação são envolvidos no contexto de disputa política que permeia os sindicatos, ficando a mercê de interesses de grupos. Isso faz com que a idoneidade da produção no meio sindical fique comprometida, minando assim a credibilidade perante a sociedade e junto às respectivas bases. Além disso, a falta de investimentos no setor, seja em estrutura física, seja em profissionais qualificados, faz com que a distância entre a capacidade de influência dos veículos de comunicação da imprensa alternativa e sindical fique cada vez maior com relação aos grandes veículos de comunicação.
Por mais que atividades como a assessoria de imprensa – que é a principal atividade nos setores de comunicação sindical – tenha uma característica unilateral, ela não deve apenas servir como forma de pintar uma boa imagem de uma gestão. O papel crítico do assessor atua mais dentro da entidade do que fora, pautando as necessidades e as lutas dos trabalhadores, sob critérios coerentes com a luta sindical. A credibilidade que o profissional de comunicação terá perante um público está em parte vinculada a credibilidade conferida a ele pela entidade, empresa ou grupo que representa. Para que isso se torne realidade é preciso que haja uma maior participação dos profissionais de comunicação na construção de estratégias e na organização da entidade, mas para que isso acorra é necessário que se leve realmente a sério a capacidade estratégica e a instrumentalização técnica do profissional de comunicação.
A clareza do papel do jornalista nos sindicatos se faz necessária para evitar que tal cargo sirva como benesse política de quem assume o poder, perpetuando assim um ciclo pouco produtivo para o movimento sindical. O profissional de comunicação deve servir a categoria acima de qualquer interesse político ou de grupo. Se um dirigente sindical não entende isso talvez suas pretensões dentro da entidade não sejam as mais afinadas com as necessidades dos trabalhadores.
Osíris Duarte – Jornalista
Tem/PB 02358 JP
sexta-feira, 4 de março de 2011
quarta-feira, 2 de março de 2011
Na Guiné-Bissau descobri como é ser humano
Francamente não sei por onde começar. É que caminhar não só como jornalista, mas também como ser humano, nos reserva experiências que muitas vezes transcendem a palavra. Por isso meu ofício se torna escasso de recursos para descrever o desfecho da minha estada na África. Foi na Guiné-Bissau, depois de ter passado pelo Senegal e por Cabo Verde, que vivi a experiência mais africana dessa viagem. Foi lá que aprendi e reforcei valores que, em meio a um mundo tão conturbado como o nosso, se tornam cada vez mais carentes de afirmação para alimentar a esperança. Se existe uma palavra que descreva resumidamente minha estada em Bissau, essa palavra é coexistir.
Contextualizando a conjuntura e a história política do país
Antes de relatar minha estadia em Bissau, capital da Guiné-Bissau, e tecer considerações a respeito, é preciso falar um pouco sobre a história desse país. Depois de 37 anos da guerra civil, a Guiné-Bissau ainda se encontra em plena recuperação. Durante três séculos a região constituiu a colônia da Guiné Portuguesa. Em 1951, a Guiné-Bissau mudou de estatuto, tornando-se uma Província Ultramarina de Portugal. Já em 1956, o intelectual guineense Amílcar Cabral, que estava no exílio em Conacri, e mais cinco correligionários, fundaram o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). A partir daí, em 1963, face à intransigência de Portugal quanto à independência e com o apoio de outros países, o PAIGC iniciou a luta armada de guerrilha, visando pôr termo ao colonialismo português. A guerrilha do PAIGC consolidou o seu domínio do território em 1973, mas, no mesmo ano, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri, tendo sido substituído pelo irmão Luís de Almeida Cabral. A independência, declarada unilateralmente a 24 de setembro de 1973, chegou com a Revolução dos Cravos em Portugal (1974). A 10 de setembro de 1974, a Guiné-Bissau foi a primeira colônia portuguesa na África a ter reconhecida a sua independência, constituindo-se na República da Guiné-Bissau.
Almícar Cabral |
Luís Cabral foi empossado como o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, instituindo-se um governo de partido único de orientação marxista controlado pelo PAIGC e favorável à fusão com a também ex-colônia de Cabo Verde. Luís Cabral foi deposto em 1980 por um golpe de estado militar conduzido por João Bernardo "Nino" Vieira, que assumiu a liderança do PAIGC, instituindo um regime autoritário. Com o golpe, a ala cabo-verdiana do PAIGC se separou da ala guineense do partido, o que fez malograr o projeto de fusão política entre Guiné-Bissau e Cabo Verde. Ambos os países romperam relações, que somente seriam reatadas em 1982. O país foi controlado por um conselho revolucionário até 1984, ano em que Guiné-Bissau ganhou sua atual Constituição. Nesse período, todas as alas de extrema-esquerda do PAIGC foram dissolvidas.A transição democrática iniciou-se em 1990. Em maio de 1991, o PAIGC deixou de ser o partido único com a adoção do pluripartidarismo. As primeiras eleições multipartidárias tiveram lugar em 1994. Na ocasião, o PAIGC obteve maioria na Assembléia Nacional Popular e João Bernardo Vieira foi eleito presidente da República.
Guerra civil e instabilidade política
Em junho de 1998, uma insurreição militar liderada pelo general Ansumane Mané conduziu à deposição do presidente Vieira e a uma sangrenta guerra civil. O conflito somente se encerrou em maio de 1999, quando Ansumane Mané entregou a presidência provisória do país ao líder do PAICG, Malam Bacai Sanhá, que convocou eleições gerais.
Antigo Palácio do Governo incendiado na guerra |
Em 2000 realizaram-se as eleições e Kumba Yalá, do Partido da Renovação Social (PRS), foi eleito, derrotando Sanhá com 72% dos votos. Yalá formou um governo de coalizão entre o PRS e a Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá. Em novembro de 2000 Ansumane Mané foi morto por tropas oficiais em uma fracassada tentativa de golpe.
Em setembro de 2003 teve lugar um novo golpe encabeçado pelo general Veríssimo Correia Seabra, durante o qual os militares prenderam Kumba Yalá por ser "incapaz de resolver os problemas" do país. Henrique Rosa foi colocado como presidente provisório até às novas eleições. Em março de 2004 o PAIGC venceu as eleições na Assembléia Nacional ficando com 45 das 100 cadeiras em disputa. O PRS, segundo mais votado, obteve 35 cadeiras. O líder do PAIGC, Carlos Gomes Júnior, foi indicado como primeiro-ministro.
Em outubro de 2005 João Bernardo Vieira foi reconduzido à presidência, mas não completou o seu mandato por ter sido assassinado no dia 2 de Março de 2009. Nas eleições presidenciais de 28 de junho de 2009, Malam Bacai Sanhá foi o vencedor com 63% dos votos.
Monumento de Pidjiguiti |
No porto de Bissau, o Monumento de Pidjiguiti (foto) é uma homenagem aos cerca de 50 trabalhadores portuários que foram mortos pela polícia em 3 de Agosto de 1959, fato que constituiu um dos estopins para a luta armada pela libertação da Guiné-Bissau de Portugal.
Por toda a parte nas ruas de Bissau é possível ver fotos de Amílcar Cabral (foto), o revolucionário responsável pelo início do movimento de independência da Guiné-Bissau de Portugal. Adorado e reverenciado pelo povo, sua foto está em camisetas, quadros nas paredes de prédios públicos e nas casas dos guineenses. O valor da liberdade na Guiné-Bissau, porém, não se encontra nesse tipo de reverência, mas sim nos olhos sinceros e na conduta de um povo que até hoje se vê à mercê da ajuda internacional para recuperar o país. Essa “ajuda” constitui um capítulo à parte dessa história.
Caminhando pelas ruas de Bissau tive muitas vezes a impressão de que a guerra civil havia acabado um dia antes. Com construções em ruínas e com poucas estruturas básicas de atendimento a população, como abastecimento de água, energia e saneamento básico, Bissau é um contraste desolador quando temos como referencial o povo guineense. Parece que a falta de tudo e o clima de terra abandonada não se encaixam com a cultura, inteligência e bondade daquele povo.
Falando em povo de Bissau chegamos ao ponto onde me faltam palavras para descrever minhas experiências. Depois de uma chegada conturbada, com imigração, aeroporto e procura de um lugar pra passar alguns dias antes da chegada de um amigo guineense na cidade, que me receberia em sua casa, vivi intensamente a emoção de ser tratado com carinho e admiração. Apesar de haver muitos mulçumanos, há também muitos católicos e evangélicos em Bissau. O que acho relevante ressaltar é que a orientação religiosa, assim como a política e ideológica não determinam a conduta em termos de virtudes da humanidade. Existem mulçumanos e mulçumanos, assim como católicos e católicos, entende? Esse maniqueísmo na análise de culturas e religião é o responsável por fomentar a discórdia e o conflito e não retratar a realidade. Mesmo com hábitos diferentes e com uma realidade cultural em vários pontos opostas, não presenciei nenhum episódio de fanatismo religioso nem intransigência de comportamento perante as diferenças. Em Bissau todas as religiões convivem juntas, sem rusgas nem conflitos. E mesmo eu, um ocidental, fui tratado e acarinhado como um familiar que há muito não regressava para o lar.
Minha família Guineense |
Fiquei hospedado durante cinco dias na casa de uma linda família guineense. Quem me levou até lá foi meu amigo, e agora irmão da Guiné-Bissau, Suleimane Saide. Com 28 anos, Sulei é um jovem daqueles de dar orgulho. O rapaz fala russo, francês, inglês, português, holandês e mais uns cinco dialetos africanos. Sem curso superior, Sulei trabalhou durante três anos em uma organização holandesa que construía escolas no interior do país e formava o corpo docente para atuação nessas áreas. Assim ele pode ajudar a irmã nos estudos de enfermagem, pois não existem universidades públicas no país.
Suleimane |
Dono de uma cabeça privilegiada, Sulei sonha com os estudos todos os dias. Já conseguiu visto para estudar na Rússia, mas sem o dinheiro para ir e se manter fica inviável a empreitada. Ele foi o primeiro Africano que conheci, ainda em Dakar, durante o 11º Fórum Social Mundial. Lá ele me ajudou, dada a minha dificuldade com o francês e, lá mesmo, depois de comentar que iria para a Guiné-Bissau, fez o convite para que eu ficasse em sua casa. Sulei tem uma filha de quatro anos chamada Seide. Sua esposa mora no interior. Ele retornou para Bissau atrás de oportunidades e de meios para ajudar a família. Mas a vontade que esse homem demonstra em relação aos estudos me fez por diversas vezes sentir vergonha do pouco valor que alguns jovens brasileiros dão para a educação.
Mais do que se formar como uma peça do mercado de trabalho, Sulei quer estudar para se tornar um homem melhor e ajudar seu povo. Essa consciência me deixava atônito perante as dificuldades que eles enfrentam lá para conseguir uma melhor educação. Decidi que a partir daquele momento nunca mais iria reclamar da vida, pois, assim como muitos jovens do Brasil, - que têm oportunidades – só tenho motivos para agradecer.
Vida Guineense
Na casa feita de tijolos de barro batido e telhado de zinco, as paredes são brancas e o chão é bem limpo. A comida - arroz - é feita em um pequeno braseiro, com lenha. Na frente da casa existe um poço, assim como em quase todas as casas do Bairro Militar, em Bissau. A área foi dada pelo governo aos veteranos da guerra pela libertação da Guiné-Bissau de Portugal. Assim, como em quase toda a Bissau, o bairro não conta com serviços básicos de atendimento a população, como rede elétrica, saneamento básico, coleta de lixo e água encanada. Ainda assim, nas casas dos guineenses, reina uma limpeza e um zelo para com as coisas que destoa do que se vê nas ruas. A água dos poços só é consumida depois dos devidos cuidados de fervura e filtragem. No banheiro um buraco no chão com um encanamento leva os dejetos para fossas fora da casa, assim como é em muitas comunidades de interior no Brasil. O chão é de terra batida e o transporte feito em vans chamadas Tubas, que vão sempre lotadas em direção às várias zonas da cidade.
Bairro Militar |
O sol levanta lá pelas sete horas da manhã. A camada de poeira vermelha que se ergue do chão faz com que possamos olhar para o astro rei sem apertar os olhos. Ele se levanta em uma bola quase que tridimensional. Prestando atenção dava até para ver a curvatura da estrela. A despeito da destruição e da falta de serviços públicos, a vida da maioria dos guineenses é simples, bem regrada e ordeira. A imagem negativa que os veículos de imprensa internacionais passam da Guiné-Bissau e de outros países na África destoa da realidade que transparece do povo, pacífico e modesto. Talvez o ritmo da recuperação - mesmo depois de décadas de intervenção internacional sobre o argumento de ajuda humanitária - é que não corresponda às necessidades e ao mérito do povo guineense. Fui questionado por várias pessoas se estava gostando de Bissau. Minha resposta quase sempre tinha duas abordagens: adorei o povo, mas não podia dizer que gostava da situação de pobreza e de desprezo que encontrava naquele país em relação às necessidades da população.
Tubas |
Enquanto coletava minhas impressões, na imprensa surgiu a notícia de que uma comissão do governo da Guiné-Bissau estava em comitiva na Europa e com encontro marcado na ONU para tentar impedir que a comunidade internacional impusesse mais uma sanção econômica contra o país. O argumento das Nações Unidas era com relação aos episódios de março de 2009 e abril de 2010, que incluem o assassinato do ex-presidente João Bernardo Vieira, e com relação ao tráfico de drogas no país. Para mim sempre ficava a estranheza dos argumentos para uma intervenção tão pouco produtiva e repressora da comunidade internacional. Via um país em ruínas, precisando de ajuda, e não entrava na minha cabeça que sanções econômicas resolveriam qualquer coisa. Se o tráfico de drogas e assassinato de políticos fossem argumentos para intervenções que ameaçam a autonomia e liberdade do país e de um povo, o Brasil devia estar na lista faz tempo, assim como quase todos os países do mundo.
Muito se vê da herança dos europeus, estadunidenses e orientais na vida dos africanos. Tanto nas roupas chinesas que imitam marcas ocidentais quanto na cultura afro-americana do hip hop e do reggae. A influência da cultura brasileira também é muito forte. Canais de televisão brasileira estão entre os de maior audiência no país, assim como em Cabo Verde. Mas essa expansão de produtos e ideologias capitalistas que, na visão de alguns, é o caminho do desenvolvimento, lá não me pareceu mais do que uma nova forma de exploração, já que o potencial de mercado não corresponde à necessidade humana. As necessidades criadas no imaginário da população não são correspondidas com o tipo de apoio dispensado ao país. Não consegui responder com argumentos dignos as perguntas sobre qual era o real papel das inúmeras ONGs estrangeiras, veículos das Nações Unidas e pretensos “investidores estrangeiros” que circulavam pelas ruas de Bissau com mapas detalhados do país nas mãos. Mesmo os africanos vêem de maneira cética ou desconfiada a presença de alguns organismos internacionais no país, não só na Guiné-Bissau, como também em outros países africanos.
Em uma rua com pouco mais de três metros quadrados de asfalto, buracos e lixo, passava por mim um jovem de óculos escuros dentro de um BMW modelo do ano. A aparência, principalmente para a classe mais rica em Bissau, é algo importante. Tanto que eles chegam ao ponto de circular com um carro caríssimo em meio a tanta pobreza. Fiquei com um sentimento de falta de respeito, um asco similar ao que sinto quando me encontro com pessoas arrogantes e egoístas. A construção de um país não pode se basear em aparências. Fui alertado inclusive, que se talvez eu tivesse entrado no país de terno e gravata seria tratado com muito mais respeito e presteza. Não que tenha sido tratado mal, mas talvez fosse ainda melhor se não andasse de calça jeans e camiseta.
A Guiné-Bissau é um país que em muito lembra nossa terrinha amada. Com grandes riquezas naturais, mais de 40 ilhas atlânticas, muitas delas inexploradas, o país conta com grandes áreas de mata nativa, cultura rica e diversificada, harmonia no convívio religioso e caminha com firmeza para o equilíbrio político. Em Bissau circulei por lugares que, se fossem aqui no Brasil, teria algum receio de circular. Todos lá me diziam que o país era seguro, e comprovei isso caminhando com minha câmera pelas ruas com toda a tranqüilidade. Embora eu fosse olhado por quase todos, percebia que ali eu era artigo diverso, diferente, e era mais que normal que me olhassem com curiosidade.
Na embaixada Brasileira com Ticiane e Seco |
As palavras escritas aqui em profusão não dão conta de expressão os sentimentos por trás das considerações. Ainda as considero insuficientes. É que viajar sem fazer turismo, mas sim em busca de uma experiência humana, nos reserva o gosto doce de estar vivo e comungar com a humanidade terrestre. Se existe algo que se aproxime de um conceito de globalização, fora da imposição ideológica e do desfrute dos sentidos, é aquilo que se passa dentro de nós quando nos entregamos aos braços do povo, da irmandade terrestre e da vontade divina. Ainda precisaria de mais tempo para realmente falar com propriedade sobre a história, política e cultura desse país. Uma semana lá foi pouco. Mas o que posso afirmar, no sentido das impressões pessoais que construí, é que a Guiné-Bissau tem tudo para ser um grande país. Porque apesar de ter um território pequeno, tem um povo com o coração do tamanho do mundo.
Osíris Duarte - Jornalista
mte/PB 02358 JP
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