terça-feira, 18 de junho de 2013

A mídia, o medo e os paralelepípedos



  Bastou um momento, um ensaio da possibilidade, para o medo se instalar naqueles que nunca imaginaram que isso poderia acontecer. O medo, o mesmo sentimento útil historicamente na relação da sociedade de classes brasileira, mudou de lugar, mesmo que por um lampejo, mesmo que ainda precisando ganhar mais corpo. A reflexão sobre como as ideias ganham corpo, mente e alma no nosso país, passam muito pelos olhos daqueles habituados ao status quo, a dita ordem. Porque foi nos olhos de colegas jornalistas, nos olhos de analistas e políticos, que vi a luz no fim do túnel, mais uma vez. Foi no medo que vi nos olhos deles.
  Assistindo ontem o Jornal Nacional, como exercício didático de análise semiótica, monitorando discursos, fui testemunha do ridículo a que se dobrou a emissora, que através do semblante do seu âncora não se furtou em demonstrar o tamanho da contrariedade em dar cobertura para as manifestações em todo o país, reunindo milhares de pessoas. Não podendo amplamente alimentar o ufanismo da Copa das Confederações, e tendo que dar destaque as manifestações para vender a imagem de que faz jornalismo, e é imparcial, o JN, principal telejornal do jornalismo da Globo, correu e corre atrás, assim como o departamento de jornalismo da emissora, para minimizar o impacto da insatisfação gerada pelo reacionarismo das declarações e abordagem da emissora na cobertura das manifestações.
  A mudança de termos, adjetivos, como vândalos para manifestantes, é apenas uma das estratégias adotadas pelas editorias para capitalizar o prejuízo de imagem e credibilidade. Outra e o pretenso fazer jornalístico agora alardeado por eles, que se omitiram até então com relação a buscar entrevistas com os manifestantes, a não exacerbar o vandalismo em detrimento da importância das manifestações e das bandeiras defendidas. O direcionamento que um discurso têm, mesmo travestido de jornalismo, não está somente nas palavras contidas nele, mas principalmente no tom e na abordagem que se dá. Existem especialistas para corroborar com quase tudo, desde que corresponda ao que defende a tese argumentada. Não existem verdade absolutas, mas escolhas de verdade. Mas o pior é ver que além de tentar minimizar prejuízos, a emissora insiste, sutilmente, em reforçar seu posicionamento político, mesmo o escondendo em mentiras que são, de fato, o  motor da máquina da Globo. O exemplo são as afirmativas de repórteres, dizendo que "as manifestações são motivadas pelo aumento das tarifas e pelo custo de vida no país". MENTIRA! As tarifas sim, mas essa afirmação, cunhada pela repórter, é política, tentando pesar no governo federal em algo que eles mesmos tem responsabilidade pela manutenção: ignorância. Acho que qualquer político no Brasil é farinha do mesmo saco, porque se sujeita ao jogo do sistema para disputar poder. Nada de mobilizar o povo, nada de luta por direitos, é poder e ponto. Quem entra no  jogo, por mais que tenha o tal discurso de mudar de dentro, de que se eu, que sou honesto e bonzinho, não estiver lá, vamos deixar espaço para quem não presta é balela de quem quer bebesse, mamar na teta. O fato é que quem entra nessa ou está disposto a se corromper, ou não terá força para resistir, esse é o jogo, e a máquina de dentro é bem melhor guardada do que por fora.
O fato é que o peso das manifestações se fez sentir numa parcela da sociedade que vive, e sempre viveu, a falsa sensação de segurança que corroborar com quem ascende ao poder oferece, mesmo com esse poder sendo adquirido na base da opressão e da mentira. O peso do que tem acontecido no Brasil não é político partidário nem mesmo o que está em jogo é quem será o próximo presidente do país. O que está em destaque, o que está em jogo é algo chamado senso de cidadania, de pertencimento. Nada muda para uma coletividade que não se reconhece como tal. E não são as bandeiras dos partidos ou grupos que fazem esse senso de coletivo, pelo contrário. Quem fez esse senso brotar foi a rua, foi a retomada do que é nosso, a apropriação. Para um povo que nunca se sentiu dono desse país, pelas inúmeras questões históricas que pesam, a rua é o melhor palco de retomada de posse, de construção de sentido de coletividade.

Osíris Duarte - Jornalista
   



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