Bastou um momento, um ensaio da possibilidade, para o medo se instalar
naqueles que nunca imaginaram que isso poderia acontecer. O medo, o mesmo
sentimento útil historicamente na relação da sociedade de classes brasileira,
mudou de lugar, mesmo que por um lampejo, mesmo que ainda precisando ganhar
mais corpo. A reflexão sobre como as ideias ganham corpo, mente e alma no nosso
país, passam muito pelos olhos daqueles habituados ao status quo, a dita ordem. Porque foi nos olhos de colegas
jornalistas, nos olhos de analistas e políticos, que vi a luz no fim do túnel,
mais uma vez. Foi no medo que vi nos olhos deles.
Assistindo ontem o Jornal Nacional, como exercício didático de análise
semiótica, monitorando discursos, fui testemunha do ridículo a que se dobrou a
emissora, que através do semblante do seu âncora não se furtou em demonstrar o
tamanho da contrariedade em dar cobertura para as manifestações em todo o país,
reunindo milhares de pessoas. Não podendo amplamente alimentar o ufanismo da
Copa das Confederações, e tendo que dar destaque as manifestações para vender a
imagem de que faz jornalismo, e é imparcial, o JN, principal telejornal do
jornalismo da Globo, correu e corre atrás, assim como o departamento de
jornalismo da emissora, para minimizar o impacto da insatisfação gerada pelo
reacionarismo das declarações e abordagem da emissora na cobertura das
manifestações.
A mudança de termos, adjetivos, como vândalos para manifestantes, é
apenas uma das estratégias adotadas pelas editorias para capitalizar o prejuízo
de imagem e credibilidade. Outra e o pretenso fazer jornalístico agora alardeado
por eles, que se omitiram até então com relação a buscar entrevistas com os
manifestantes, a não exacerbar o vandalismo em detrimento da importância das
manifestações e das bandeiras defendidas. O direcionamento que um discurso têm,
mesmo travestido de jornalismo, não está somente nas palavras contidas nele,
mas principalmente no tom e na abordagem que se dá. Existem especialistas para
corroborar com quase tudo, desde que corresponda ao que defende a tese
argumentada. Não existem verdade absolutas, mas escolhas de verdade. Mas o pior
é ver que além de tentar minimizar prejuízos, a emissora insiste, sutilmente,
em reforçar seu posicionamento político, mesmo o escondendo em mentiras que são,
de fato, o motor da máquina da Globo. O
exemplo são as afirmativas de repórteres, dizendo que "as manifestações
são motivadas pelo aumento das tarifas e pelo custo de vida no país". MENTIRA!
As tarifas sim, mas essa afirmação, cunhada pela repórter, é política, tentando
pesar no governo federal em algo que eles mesmos tem responsabilidade pela
manutenção: ignorância. Acho que qualquer político no Brasil é farinha do mesmo
saco, porque se sujeita ao jogo do sistema para disputar poder. Nada de
mobilizar o povo, nada de luta por direitos, é poder e ponto. Quem entra
no jogo, por mais que tenha o tal
discurso de mudar de dentro, de que se eu, que sou honesto e bonzinho, não
estiver lá, vamos deixar espaço para quem não presta é balela de quem quer
bebesse, mamar na teta. O fato é que quem entra nessa ou está disposto a se
corromper, ou não terá força para resistir, esse é o jogo, e a máquina de
dentro é bem melhor guardada do que por fora.
O fato é que o peso das
manifestações se fez sentir numa parcela da sociedade que vive, e sempre viveu,
a falsa sensação de segurança que corroborar com quem ascende ao poder oferece,
mesmo com esse poder sendo adquirido na base da opressão e da mentira. O peso
do que tem acontecido no Brasil não é político partidário nem mesmo o que está
em jogo é quem será o próximo presidente do país. O que está em destaque, o que
está em jogo é algo chamado senso de cidadania, de pertencimento. Nada muda
para uma coletividade que não se reconhece como tal. E não são as bandeiras dos
partidos ou grupos que fazem esse senso de coletivo, pelo contrário. Quem fez
esse senso brotar foi a rua, foi a retomada do que é nosso, a apropriação. Para
um povo que nunca se sentiu dono desse país, pelas inúmeras questões históricas
que pesam, a rua é o melhor palco de retomada de posse, de construção de
sentido de coletividade.
Osíris Duarte - Jornalista
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