quinta-feira, 27 de maio de 2010

Resquícios Ditatoriais


Na sexta-feira, dia 21 de maio, a Polícia Militar em Florianópolis, durante manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus na Capital, que reuniu mais de 4 mil pessoas, chegou ao extremo de algemar e deter um jornalista e outros 4 estudantes sob a alegação de desacato a autoridade. Um repórter do Diário Catarinense foi preso por ter se manifestado no momento em que outro policial tentava impedir o repórter-fotográfico que o acompanhava de realizar suas fotos. A prisão de cidadãos, seja no exercício de sua profissão ou no direito constituído de livre manifestação, retrata a forma como o estado lida com a insatisfação popular perante a exploração e humilhação diárias a que são submetidos. Tão repressora é a conduta da PM e do Governo Municipal que nem mesmo a RBS escapou de sofrer a reprimenda de um estado autoritário, que não perdoa nem mesmo os aliados quando se trata de manter o um status quo de parcimônia diante da opressão do cidadão comum, povo.

  Na semana seguinte ao inscidente, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina divulgou nota de repúdio ao comportamento da PM. Na nota o Sindicato diz que a atitude da polícia acabou “Reproduzindo momentos da nossa história que acreditávamos banidos para sempre, a PM de Santa Catarina tem protagonizado cenas de desrespeito ao direito dos cidadãos.” O SJSC lembra ainda que “é bom que a comunidade saiba que esta polícia que age de forma truculenta é paga com os impostos arrecadados de toda a sociedade. Logo, deveria protegê-la, em lugar de reprimir e impedir a circulação da informação”.   


  O fato principal que deveria chamar mais atenção não foi à prisão do jornalista no exercício da profissão. Apesar de isso saltar aos olhos da maioria pelo peso da imprensa, a atenção não deveria ser desviada apenas para a truculência com o repórter, mas principalmente para com os cidadãos, sem distinção de profissão, raça, credo ou orientação político-ideológica. Lembrando que além do jornalista da RBS, outros 4 estudantes foram presos na manifestação do dia 21, sob a mesma alegação de desacato. Desde o início dos protestos, cerca de 10 manifestantes, entre trabalhadores e estudantes, foram detidos pela PM sob a alegação de desacato. Fica no ar a pergunta: O que é desacato à autoridade? Fica a critério do policial decidir se foi desacatado ou não?  E o desacato ao cidadão? Fica sem punição?


  Mais recentemente o Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, Alexandre Herculano Abreu, recomendou que as manifestações contra o aumento da tarifa na Capital fossem reprimidas com veemência, endossando assim a postura autoritária e inconstitucional da Polícia Militar e do governo municipal, além de ir contra às atribuições do próprio MP. A recomendação do Promotor de Justiça gerou uma reação esperada em quem exerce seu direito constitucional de manifestar-se na luta pela garantia dos direitos dos cidadãos de Florianópolis e do Brasil. Em nota de repúdio, as entidades sindicais de Florianópolis e Região manifestaram sua indignação perante o desrespeito de um magistrado ao artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, bem como na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, que resguardam o direito de liberdade de expressão. Na nota, as entidades sindicais ressaltam que “o transporte público é garantia constitucional (art. 7º, inciso IV da Constituição Federal)” e a não garantia de condições acessíveis e de qualidade em todas as variantes do serviço acaba por cercear o direito de ir e vir, assegurado pela mesma Constituição.


  O direito previsto na constituição de livre manifestação e liberdade de expressão devem ser exercidos em sua plenitude para que tenhamos uma sociedade realmente livre e justa. A Polícia Militar, além de não estar preparada no seu aparato, também padece de um mau chamado ignorância, não só quanto a determinados indivíduos dentro da corporação como na própria estrutura ideológica de formação dos mesmos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público e o Governo Municipal demonstram o mesmo despreparo e desinteresse pelo cidadão que a PM apresenta, mas os níveis em que se dá esse despreparo são muito mais preocupantes, já que cabe aos mesmos a gestão dos bens comuns e a fiscalização do cumprimento da lei em consonância com os direitos constitucionais. Tais situações de injustiça e distorção das leis que regem nossa sociedade em detrimento de interesses particulares somente aumentam a desconfiança e a revolta da população em relação as instituições públicas de gestão, colaborando assim para aumentar o clima de desamparo e o abismo social em nossa vida coletiva. 

Osíris Duarte - Jornalista


Leia a nota do SJSC abaixo 


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