segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Um nordestino do sul
"Escreva uma resenha da suas férias... " Disse meu primo Juninho enquanto nós conversávamos em frente ao estúdio de tatuagem de Shoko, onde ele trabalha, no retão de Manaíra, em João Pessoa, Paraíba. Eu resolvi que iria escrever sobre minhas férias depois que elas acabassem. Escrever e fotografar são meus ofícios, mas certas fotos, certas poesias e artigos, são melhores quando feitos na nossa cabeça, sem intermédio de aparatos técnicos. Aproveitei mais uma vez meu "intervalo do cotidiano", minhas férias, para tecer lindos poemas e belas imagens sobre família, saudade, infância, sobre amor, relacionamento humano e sobre mim, sem precisar parar de viver para fazer isso. O que meu coração guarda tem mais valor e fica impresso muito mais forte do que qualquer foto ou texto que eu possa fazer.
Nasci no hospital do grupamento de engenharia do exército, na Avenida Epitácio Pessoa, em 1981. Ainda guardo comigo lembranças da casa do meu avô, na Torre, onde morei alguns anos, bem como da casa do Castelo Branco, onde morei até os 6 anos de idade, antes de me mudar com minha mãe, pai e irmão, em 1989, para São Paulo. Assim como tantos, fomos retirantes nordestinos, mesmo que meus pais fossem do tipo retirante que não precisaram viajar em pau de arara ou batalhar emprego de pedreiro ou empregada doméstica. O estudo, a família e as oportunidades foram a diferença, apesar de saber que tudo isso também tem sua existência devido ao esforço, garra e trabalho que cada um dá na vida. Não é um julgamento de mérito, ser empregada doméstica ou ter ensino superior... É só minha história dentro da malha diversa, e contraditoriamente comum, de histórias brasileiras: O sonho, a oportunidade, o emprego, a metrópole, a família...
João Pessoa reaviva memórias que as vezes eu achava que já não tinha mais. Mas além das lembranças pessoais, da infância feliz, da época de recém formado quando morei por lá algum tempo, passo por reflexões mais existenciais também, mais concretas, sociais e políticas. Ser um nordestino do sul por tanto tempo me proporciona algumas teorias, que brotam das minhas impressões e dos meus sentimentos por lá. O jeito aberto, dado, sem frescura ou mesmo pudor que o nordestino tem para com a vida, para com o outro, freqüentemente esbarrou durante essas férias com a educação mais fria, por assim dizer, do sul. O ônibus é um termômetro social interessante pra isso. Aqui em Florianópolis, onde moro, pouco se conversa no ônibus, a não ser com conhecidos. Mesmo existindo gente mal educada em todo lugar, aqui ainda há um clima de polidez que descamba para certa indiferença, velada pela educação. Já em Jampa - apelido para os íntimos - quem tá no fundo do ônibus grita para o conhecido na frente, enquanto as pessoas fazem observações umas para as outras sobre os mínimos fatos da vida ou das circunstâncias, sem muito rodeio ou com uma barreira muito densa para aqueles que são desconhecidos. Esse é só um exemplo e um argumento para uma das minhas teorias: O Brasil se traduz muito mais do que qualquer região do país no Nordeste. Lá, a cultura, o jeito e até o clima resumem a imagem de Brasil mais fiel que consigo fazer e mais coerente com aquilo que nos define como povo. O calor humano, que faz faísca na proximidade e ao mesmo tempo aquece. Penso que a educação - aquela de bom trato social - pode servir como desculpa para o distanciamento. Ao mesmo tempo a proximidade, a abertura, permite vivenciar de mais perto as contradições e desvirtudes humanas, muitas vezes evidenciando coisas não tão boas em nós e nos outros. Esse é, para mim, o paradigma Nordeste x Sul, não em um sentido maniqueísta, pois no final da análise, é tudo Brasil mesmo. Aquele dos enlatados culturais e do desenvolvimento econômico e do panelão de cultura misturada aliada ao coronelismo na cabeça e complexos de inferioridade.
Quando dizia lá em Jampa que moro em Floripa, assim como em quase todo o lugar do Brasil, as pessoas ficavam elogiando onde moro e de certa forma superestimando minha condição: Uaaal Floripa! Mora mal em! Queria tanto ir para lá... Entendo eles, Floripa é um lugar lindo e adoro morar aqui, mas posso afirmar, pelas minhas andanças, que João Pessoa é uma das melhores cidade que já estive em minha vida, e que não deixa nada a desejar em comparação a ilha da magia. Minha experiência morando lá, já como jornalista, teve sim suas frustrações, mas faria tudo de novo se assim fosse preciso. A realidade do mercado de trabalho em Jampa é difícil ainda, apesar do evidente crescimento econômico da cidade, percebido nos carros, no aumento físico do município... Ainda assim, Jampa tem uma dicotomia mais profunda no cotidiano social, tanto moralmente quanto economicamente e culturalmente. Certo peso de valores tem uma medida própria lá. Casar e fazer família é um valor mais abertamente aclamado pela juventude, bem como a relação sobre aparência x essência, oriunda, quem sabe, de uma noção de poder historicamente estabelecida no nordeste. Vi muita gente me dando valor pelo que eu vestia, pelo que tinha, mais do que pelo que sou. Não que isso não exista aqui no sul, existe e muito, mas parece ser algo mais velado, menos exposto, mas não menos evidente na noção social e na relação de luta de classes. No Nordeste nossa herança histórica, cultural e ética ficam a mostra, são jogadas em nossa cara, quase como um tapa, o que dói, mas é melhor do que fingir que não existe, que as coisas não acontecem. O fato é que sempre que vou para a Paraíba respiro Brasil, respiro povo, São João, carnaval de rua, levesa de ser e de estar, noção de sociedade, poder e história. Respiro verdade, contradição, tapioca, Tambaú, feirinha, Ponto de 100 Réis e cajá. Respiro avó, tio, tia, primos, família e, enfim, transpiro amor, mais uma vez.
Sobre casas e família
Desde de bem pequeno que não tenho uma noção de família grande. Apesar de ter uma bem grande, a distância e o tempo não me proporcionaram tal noção, tal gosto. É quando vou para João Pessoa que consigo um pouco desse sabor. Lá tenho primos as dezena, tios, avó e amigos em quantidade e qualidade que não tive e não tenho aqui no sul. Esse ano eu aproveitei mais esse gosto. Com um pouco mais de tempo de férias, pude rever muita gente da família e amigos. É claro que o tempo, pra quem não teve, sempre é pouco, e que não pude me dedicar como gostaria a todos. Mas já me bastou para refazer as energias, colocar os "pingos no ís" que faltavam na minha compreensão sobre minhas relações humanas e poder dar e receber o carinho furtado na minha história ao longo desses anos. Ainda tenho nas roupas a poeira de Intermares e no chinelo a areia da praia do Bessa. Trouxe de volta uma Serra Limpa, beijos de tias no rosto e saudade dos meus. Trouxe a certeza dos amigos, que mesmo não podendo dar tudo o que queria a eles, pude constatar que ainda existo em suas vidas e trouxe um mala cheia de amor a minha terra e a aqueles que fazem dela a brilhante recordação de um menino nordestino que jamais esquece o gosto do Jambo do pé atrás da casa do Castelo, os amores e dores da juventude e a noção clara de ser um homem que aceita sempre, mas sempre querendo mais...
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Osiris...sou um sulista no nordeste.Nasci no RS mas passei uns 20 e tantos anos em Floripa antes de vir a João Pessoa... cansei de frio eh principalmente o das relações humanas... gostaria de te parabenizar pelo acerto das comparações e principalmente por me fazer alegre neste dia em que li teu artigo. Tenho muito mais (qualidade de) vida aqui. É como tu descrevestes preto-no-branco, sem frescuras...Espero que um dia tu também possa voltar aqui para ficar em definitivo podes ter certeza que seria excelente opção... Jampa, como dizem os manés aí, dá um banho... abraços e felicidades...
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