quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Pinheirinho ou Pau-Brasil?

Osíris Duarte - Jornalista

  "O pau-brasil só poderia ser retirado de nossas matas se houvesse uma autorização preliminar da Coroa Portuguesa e o acerto das taxas era estipulado por esta. O primeiro a usufruir dessa concessão, em 1501, foi Fernando de Noronha, o qual tinha como sócios vários comerciantes judeus, porém, em troca desta permissão, tinham por obrigação enviar embarcações à nova terra, encontrar pelo menos trezentas léguas de costa, pagar uma quantia pré -estipulada à Coroa e também edificar e conservar as fortificações, mantendo assim a segurança do novo território tão almejado pelos invasores. Era proibido aos colonos explorar ou queimar a madeira corante.(1)"

  Semelhança não é mera coincidência. A forma como se lida com a noção de coletividade no Brasil é reproduzida ao longo da história no que tange nossa constituição e entendimento como sociedade. O mês de janeiro de 2012 ficou marcado por mais um episódio, fácil de comparar e de fazer o trocadilho com o título do artigo,  e quase impossível de evitar: A dissolução da Comunidade do Pinheirinho, em São José do Campos, estado de São Paulo. Mesmo com o assunto ficando velho na imprensa nacional de massa, podemos afirmar que o tema não envelhece na conjuntura social do país, o que motiva abordagem do mesmo. É que não é só na prática, mas também no discurso de muita gente,  que está presente a defesa da propriedade privada prevalecendo sobre o bem coletivo. E mesmo quando tal interpretação configura um equívoco jurídico e, principalmente moral, ainda se sustenta essa argumentação, que reforça os dias de individualismo em meio a uma existência coletiva, dias que vivemos hoje. 

Sobre o direito de propriedade privada

  Segundo o Jurista e livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP e juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí desde 1998, Jorge Luiz Souto Maior,  "na base jurídica do ato (desocupação do Pinheirinho) cometido está, dizem, o direito de propriedade.  Mas, o direito de propriedade, conforme previsto constitucionalmente, deve atender à sua função social (artigo 5º, inciso XXIII, da CF). Sem esse pressuposto nenhum direito de propriedade pode ser exercido. A Constituição, ainda, garante a todos os cidadãos, como preceito fundamental, o direito à moradia (artigo 6º, inserto no Título II, do Capítulo II, da CF)."

  Desse ponto de vista, a ocupação, para fins de moradia, de uma terra improdutiva, abandonada, sobre a qual o proprietário não exerce o direito de posse, que não serve sequer ao lazer e que pela sua localidade e tamanho precisa, necessariamente, atender a uma finalidade social, não é mera invasão. Trata-se, em verdade, de uma ação política que visa pôr à prova a eficácia dos preceitos constitucionais, cabendo esclarecer que essa não é uma temática exclusiva do meio rural já que as normas jurídicas mencionadas não fazem essa diferenciação e também a Constituição de 1988 passou a admitir o usucapião de imóveis urbanos (artigo 183), afirma o jurista. (2)

A história da Pinheirinho


   A comunidade do Pinheirinho era uma ocupação em um terreno habitado irregularmente por moradores da região devido ao grande déficit habitacional municipal. O número de habitantes é estimado entre 6 e 9 mil moradores (no começo de 2010, esse número era de 5.534), que ocupavam a área abandonada desde 2004. O terreno pertence a uma massa falida da Selecta SA, que tem como proprietário Naji Nahas.

   O Campo dos Alemães, como era conhecido a área onde o terreno da comunidade do Pinheirinho estava, é um bairro localizado na zona sul da cidade de São José dos Campos. O maior bairro da cidade, foi fundado a partir de uma fazenda antigamente denominada Chácara Régio, que pertencia a família Kubitzky. Porém esta família de imigrantes alemães, foi brutalmente assassinada em meados do ano de 1969. A área ficou sem herdeiros, pois seus donos eram bem idosos e solteiros. O caso nunca foi solucionado e, como a família não tinha parentes ou herdeiros, o Estado acabou incorporando a fortuna dos Kubitzky, inclusive os seus imóveis.(3)

E Naji Nahas com isso?

   Naji Robert Nahas é um empresário, atuando como comitente de grande porte na área de investimentos e especulação financeira. Nasceu no Líbano e mais tarde recebeu cidadania brasileira. Chegou ao Brasil no começo da década de 1970 com cinqüenta milhões de dólares para investir e montou um conglomerado de empresas que incluía fábricas, fazendas de produção de coelhos, banco, seguradora e outros. Tornou-se nacionalmente conhecido depois de ter sido acusado como responsável pela quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. De acordo com reportagem da revista Veja, Nahas tomava emprestado de bancos e aplicava na bolsa, fazendo negócios consigo mesmo por meio de laranjas e corretores, inflando as cotações. Ante grandes valorizações de ações, os bancos pararam de lhe emprestar, causando quebra em cascata na bolsa do Rio, que nunca se recuperou totalmente.

  Se a família Kubitzky não deixou herdeiros e o terreno passou (a princípio) para as mãos do Estado, como Naji Nahas adquiriu o direito de propriedade de um "patrimônio público"? Até agora o empresário não apresentou nenhum documento confirmando a posse do terreno. O Governo de São Paulo aceitou o terreno, que se dizia fazer parte da massa falida da empresa Selecta, como garantia, sem checar os documentos?(4)

Da repressão a depressão

  A Polícia Militar cumpriu mandado de desocupação do Pinheirinho no domingo, 23 de janeiro, desabrigando um número de pessoas, que varia conforme a fonte da informação de seis mil a nove mil. Definida pela presidenta da República Dilma Rousseff como barbárie, a ação da polícia  na Comunidade do Pinheirinho, na opinião do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, foi uma questão de método. “O método democrático busca ouvir, dialogar com a Justiça e os entes federados. Os governos de São Paulo e de São José dos Campos optaram pelo enfrentamento armado, sem levar conta a necessidade de respeitar a dignidade das pessoas”, afirmou o Ministro em declaração feita no Fórum Social Mundial Temático, realizado em Porto Alegre no mês de janeiro.

  A organização repressiva do Estado tem nas tropas da PM a sua ponta do iceberg. Porém, mais profundas são suas bases, que durante os oito anos, deliberadamente abandonou a comunidade do Pinheirinho, negando acesso à saúde, educação, segurança e à justiça. Após a violentíssima atuação da PM paulista, a imprensa de massa imediatamente apresentou os fundamentos jurídicos da ação, respaldando o Estado na defesa da propriedade privada do conhecido Naji Nahas, réu de vários processos envolvendo evasão de divisas, sonegação de impostos, fraude financeira que somam milhões em prejuízo para o erário. O governador de São Paulo, o prefeito de São José dos Campos, a PM, a guarda municipal e os tribunais asseguraram a legalidade da diáspora da população pobre da comunidade do Pinheirinho, reforçando os laços de interesses com determinados segmentos da elite social em detrimento do bem estar e direito coletivo. (5)

 Assim como no caso do pau-brasil, o Pinheirinho foi derrubado em benefício de poucos, e nenhum dos beneficiados pela sua queda, mora, pretende morar ou liga para quem tem onde morar ou não. O fato é que, mais uma vez, prevaleceu a lógica da propriedade privada dos ricos e poderosos contra o direito coletivo a habitação e a dignidade dos pobres e miseráveis. A mesma lógica tem prevalecido na questão fundiária no Brasil, só foi reproduzida em escala menor e mais localizada no caso do estado de São Paulo. O pior não é ver tal modelo sendo defendido e reproduzido no país, seja com nossas praias, nossas montanhas, nossas florestas... O pior é perceber que grande parte de nossa sociedade ainda não se deu conta que tais atitudes estão intimamente ligadas aos problemas que a própria elite enfrenta no cotidiano social. A defesa da posse de um indivíduo perante o que é necessário para um sentimento social mais harmônico e equilibrado, o que é responsabilidade coletiva, gera conseqüências como a violência, criminalidade, desemprego e depressão. E ao invés de lutar para que haja as mínimas condições de elevação do indivíduo moralmente, necessário para o combate a monstros como a violência de todos os tipos, nascida na revolta de quem não teve nada e é obrigado a olhar um mundo que tem de tudo, sem tocar, sem poder almejar, é o que assusta, avilta. A falta de humanidade, de fraternidade. Meritocracia - como argumentam alguns reacionários de plantão - não é possível se não há igualdade de oportunidades. A dita palavra "nossa" é uma palavrinha que hoje deprime, porque ou você oprime o outro, seja nas idéias ou materialmente, ou você será oprimido. Oprimido, deprimido, comprimido... Palavras que traduzem muita coisa do nosso cotidiano atual.

  Assim como o pau-brasil, explorado por estrangeiros até quase a extinção, e servindo de fonte de enriquecimento para os mesmos, sem deixar nada na terra pátria além de floresta derrubada e terra arrasada, o Pinheirinho também virou mais um grande elefante branco, que será admirado e, quisá usufruído, quando convir ao dono, enquanto do lado de fora da cerca, milhares de brasileiros sonham com moradia sem endividamento, com casa sem área de risco, com bairro sem bandido, com segurança sem polícia, com seu quinhão legítimo. Me pergunto como colonos e índios viam aquelas toras de tom vermelho, sendo derrubadas uma a uma e embarcadas para além mar, deixando apenas o rastro do que já foi nosso e passou a ser deles. Quantos Pinheirinhos precisaremos derrubar até que o natal finde por falta de lugar para pendurar adornos, adorar os bens e o consumismo e rezar pela meia mais cheia do que a do irmão. Tantos quanto pau-brasil?

Fontes:
www.infoescola.com(1)
Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2012(2)
pt.wikipedia.org/wiki/Pinheirinho_%28S%C3%A3o_Jos%C3%A9_dos_Campos%29(3)
pt.wikipedia.org/wiki/Naji_Nahas(4)
Pinheirinho: os limites da democracia burguesa. Por Odair Rodrigues* Publicado no Portal Vermelho.(5)

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