quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sobre estudar, militar e amar



Por Osíris Duarte - Jornalista

    Por vezes uma angústia toma conta de mim. Um sentimento de inadequação, de ranço do mundo, da vida e das pessoas... Mas imediatamente busco encarar este sentir como sendo a dor do crescimento, dos ossos esticando, dos músculos endurecendo... Lidar com determinadas distorções que desenvolvemos nas formas de relação com o outro e o mundo não pode ser depreciado com base no nosso egocentrismo nem nas nossas vaidades. A imagem que construímos da vida e de uns dos outros está tão condicionada a fatores de ordem psíquica, afetiva e espiritual que perdemos de vista os lampejos de verdade por trás das nossas interpretações de realidade. Quanto a mim, em meio a está condição do mundo, sou apenas mais um, ao mesmo tempo em que em mim, reside um universo particular, tão meu quanto minha forma de olhar a vida.

  Estereótipos são uma merda. Apesar de serem necessários, dada a nossa incapacidade de assimilar o entendimento do ser humano de forma mais plena, menos condicionada aos fatores múltiplos da nossa vida material, de forma menos fragmentada e descontextualizada e mais adequada à própria insondável e misteriosa compreensão de ser quem somos, seja lá quem somos, já que somos compostos ainda, dada nossa ignorância, de elementos mágicos na caminhada universal e existencial. Portanto incorremos constantemente no equívoco do julgamento do outro de forma cega, desconsiderando nossas condicionantes, que se mostram de forma empírica no nosso comportamento, quase de maneira inconsciente.

   Fico sempre ressabiado com as contradições e com a forma contraproducente como nos educamos e nos postamos perante os métodos de educação humana formal. Sou Paulo Freireano no meu entendimento educacional. Como processo humano, parte da nossa capacidade de comunicar aquilo que pensamos e sentimos, partilhando assim com o outro nossa compreensão e conhecimento, a educação só pode ser considerada a sério para mim como processo dialético. Portanto, a forma como se dá a troca nesse processo necessita de valores e comportamentos muito mais bem “digeridos” do que conhecimento em si. Professor e aluno têm suas parcelas de responsabilidade equiparadas no processo e, somente com humildade e fraternidade de ambas as partes será possível estabelecer algum equilíbrio produtivo para o crescimento mútuo.

  Quanto aos rótulos que nos colam na testa devo fazer aqui outras considerações. Penso que os estereótipos partem, em princípio, de nós mesmos. Nosso comportamento e nosso discurso determinam a forma como nos enquadramos dentro da memória padronizada de distinção de tipos sociais, de pessoas e seus papéis, do seu “gueto” ideológico. Fico surpreso quando ainda desconsideramos a ideologia como condicionante comportamental e fiel da balança na tomada de escolhas, formulação de opiniões e ordenamento de discurso. O simples fato de termos o livre arbítrio, a condição de escolha, já determina critérios condicionados a idéias, por mais que muitas vezes isso se dê em um nível implícito. Ser um jornalista em entidade sindical, bem como ter um estilo estético característico do despojo, da simplicidade, que é uma questão de gosto, já me submete a um julgamento que desconsidera 99% do que me compõe como um homem, como um ser humano. Mesmo tentando fugir disso, acabo, por outro lado, reforçando tais rótulos, mesmo com toda a distância que eles têm de contemplar minhas particularidades e minhas condicionantes. Ser um sujeito expressivo também acarreta no mesmo problema de discernimento. Ter esse traço de personalidade me escravizou e me submeteu a expectativa do outro quanto a corresponder ao rótulo. Se falo, falo muito, e se não falo sou cobrado para falar. O meu direito de não estar num bom dia ou de preservar meu silêncio, minhas reflexões, foi comprometido por mim mesmo e pela nossa humana de organizar o pensamento, compartimentando, criando parâmetros e enquadrando a vida de acordo com uma paleta seleta e particular de cores. Na fotografia o mesmo se dá, por exemplo, já que fotografamos não aquilo que é, mas sim aquilo que temos na cabeça como sendo o que é, sabe como é?

   A confusão que se faz entre militância, ideologia e política pra mim é outro entrave. Porque, apesar de serem todos interdependentes, podem ser analisados e considerados isoladamente também. Porque nem todo mundo que milita o faz por uma orientação política e, nem toda a política se faz com base em preceitos ideológicos convencionados. Acho que quem sobrevive nesse paralelo é a ideologia, mas sobre uma forma mais livre, menos referendada. O equívoco cometido por muitos é pensar que ideologia se resume a Capitalismo e Socialismo, ou quisá Comunismo e Anarquismo, quando na verdade não há referencial permanente para determinar o que pode ser ideológico. Mas o rótulo – no meu caso de jornalista sindical falante! – me prende a tal julgamento: o de que meu discurso e minha atitude são de um sindicalista socialista revolucionário e que, para quem discorda, é algo que não me faz uma pessoa séria. Claro que isso não é uma interpretação de todos. Para quem se considera socialista eu sou um companheiro! Por mais crítico no discurso ideológico distante da prática que eu seja. Tais compartimentações estreitam nossa capacidade cognitiva, inclusive, de visão ampla de mundo, um mundo que cada vez mais necessita desse tipo de visão mais ampla, que abraça com mais facilidade as mudanças do ser humano e a subjetividade do mesmo, refletida nas formas de relação com os demais seres e o mundo.

  Dentro de todas essas considerações, na busca por tentar amarrar as três palavras do título do texto, faltou uma fundamental: Amor. Poderia discorrer aqui sobre amor na sua forma mais abrangente, que serve de motor para tudo nessa vida, seja nas relações com o outro, com o mundo ou consigo. Faz pouco que me redescobri como homem. Talvez tenha mesmo apenas descoberto, já que o Ser homem de hoje pra mim não se enquadra em nenhuma outra compreensão que tive anteriormente. Em meio à busca por humanizar minha postura e apaziguar meu coração, me vi retomando parte do adolescente que já não sou mais, parte do jovem que ainda luta por sobreviver e parte do adulto que gostaria de ser. O que diferencia homens de meninos é a atitude. Isso serve pra diferenciar tudo, não só a evolução cronologia, mas também a maturidade de gênero. Deixar com que meu orgulho se esvaísse e lutar por aquilo que creio como pessoa, se tornou ponto passivo de felicidade e coerência, não mais uma vontade revolucionária sem causa.  Mas o complexo não é lidar consigo, mas sim lidar consigo perante o outro.  Apesar de buscar construir bases mais justas e coerentes para o meu caráter, isso tem esbarrado na forma como o outro procede perante tal iniciativa. Em geral menospreza-se, perde-se o respeito e se negligencia aquele que difere da média. Por mais que no discurso as pessoas alardeiem a vontade de ética e caráter, na prática o que se faz e depreciar aquele que busca coerência. Assim constroem-se discursos como “homens não prestam” ou “política não é coisa séria”. Novamente somos injustos, nos excluímos do cenário para tecer a crítica ao outro, sem considerar a si no contexto dessa avaliação.

   Deixei-me ser desrespeitado, menosprezado e manipulado por amor. Por que entendo que a causa é nobre. E mesmo entendendo que isso é meu, que cabe a mim como decisão, há sim, sempre, a expectativa que o outro corrobore com a visão amorosa do respeito e da partilha. Tem amigo meu que diz que sou otário por me deixar sofrer. Mas eu me sinto cada vez mais humano quando me perco em meio a tais sentimentos.

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