Por Osíris Duarte - Jornalista
Por vezes uma angústia toma conta de mim.
Um sentimento de inadequação, de ranço do mundo, da vida e das pessoas... Mas
imediatamente busco encarar este sentir como sendo a dor do crescimento, dos
ossos esticando, dos músculos endurecendo... Lidar com determinadas distorções
que desenvolvemos nas formas de relação com o outro e o mundo não pode ser
depreciado com base no nosso egocentrismo nem nas nossas vaidades. A imagem que
construímos da vida e de uns dos outros está tão condicionada a fatores de
ordem psíquica, afetiva e espiritual que perdemos de vista os lampejos de
verdade por trás das nossas interpretações de realidade. Quanto a mim, em meio
a está condição do mundo, sou apenas mais um, ao mesmo tempo em que em mim,
reside um universo particular, tão meu quanto minha forma de olhar a vida.
Estereótipos são uma merda. Apesar de serem necessários, dada a nossa incapacidade
de assimilar o entendimento do ser humano de forma mais plena, menos
condicionada aos fatores múltiplos da nossa vida material, de forma menos
fragmentada e descontextualizada e mais adequada à própria insondável e
misteriosa compreensão de ser quem somos, seja lá quem somos, já que somos
compostos ainda, dada nossa ignorância, de elementos mágicos na caminhada
universal e existencial. Portanto incorremos constantemente no equívoco do
julgamento do outro de forma cega, desconsiderando nossas condicionantes, que
se mostram de forma empírica no nosso comportamento, quase de maneira
inconsciente.
Fico sempre ressabiado com as
contradições e com a forma contraproducente como nos educamos e nos postamos
perante os métodos de educação humana formal. Sou Paulo Freireano no meu
entendimento educacional. Como processo humano, parte da nossa capacidade de
comunicar aquilo que pensamos e sentimos, partilhando assim com o outro nossa
compreensão e conhecimento, a educação só pode ser considerada a sério para mim
como processo dialético. Portanto, a forma como se dá a troca nesse processo
necessita de valores e comportamentos muito mais bem “digeridos” do que
conhecimento em si. Professor
e aluno têm suas parcelas de responsabilidade equiparadas no processo e,
somente com humildade e fraternidade de ambas as partes será possível estabelecer
algum equilíbrio produtivo para o crescimento mútuo.
Quanto aos rótulos que nos colam na testa devo fazer aqui outras
considerações. Penso que os estereótipos partem, em princípio, de nós mesmos.
Nosso comportamento e nosso discurso determinam a forma como nos enquadramos
dentro da memória padronizada de distinção de tipos sociais, de pessoas e seus
papéis, do seu “gueto” ideológico. Fico surpreso quando ainda desconsideramos a
ideologia como condicionante comportamental e fiel da balança na tomada de
escolhas, formulação de opiniões e ordenamento de discurso. O simples fato de
termos o livre arbítrio, a condição de escolha, já determina critérios
condicionados a idéias, por mais que muitas vezes isso se dê em um nível
implícito. Ser um jornalista em entidade sindical, bem como ter um estilo
estético característico do despojo, da simplicidade, que é uma questão de
gosto, já me submete a um julgamento que desconsidera 99% do que me compõe como
um homem, como um ser humano. Mesmo tentando fugir disso, acabo, por outro lado,
reforçando tais rótulos, mesmo com toda a distância que eles têm de contemplar
minhas particularidades e minhas condicionantes. Ser um sujeito expressivo
também acarreta no mesmo problema de discernimento. Ter esse traço de
personalidade me escravizou e me submeteu a expectativa do outro quanto a
corresponder ao rótulo. Se falo, falo muito, e se não falo sou cobrado para
falar. O meu direito de não estar num bom dia ou de preservar meu silêncio,
minhas reflexões, foi comprometido por mim mesmo e pela nossa humana de
organizar o pensamento, compartimentando, criando parâmetros e enquadrando a
vida de acordo com uma paleta seleta e particular de cores. Na fotografia o
mesmo se dá, por exemplo, já que fotografamos não aquilo que é, mas sim aquilo
que temos na cabeça como sendo o que é, sabe como é?
A confusão que se faz entre militância, ideologia e política pra mim é
outro entrave. Porque, apesar de serem todos interdependentes, podem ser
analisados e considerados isoladamente também. Porque nem todo mundo que milita
o faz por uma orientação política e, nem toda a política se faz com base em
preceitos ideológicos convencionados. Acho que quem sobrevive nesse paralelo é
a ideologia, mas sobre uma forma mais livre, menos referendada. O equívoco
cometido por muitos é pensar que ideologia se resume a Capitalismo e
Socialismo, ou quisá Comunismo e Anarquismo, quando na verdade não há referencial
permanente para determinar o que pode ser ideológico. Mas o rótulo – no meu
caso de jornalista sindical falante! – me prende a tal julgamento: o de que meu
discurso e minha atitude são de um sindicalista socialista revolucionário e
que, para quem discorda, é algo que não me faz uma pessoa séria. Claro que isso
não é uma interpretação de todos. Para quem se considera socialista eu sou um
companheiro! Por mais crítico no discurso ideológico distante da prática que eu
seja. Tais compartimentações estreitam nossa capacidade cognitiva, inclusive,
de visão ampla de mundo, um mundo que cada vez mais necessita desse tipo de
visão mais ampla, que abraça com mais facilidade as mudanças do ser humano e a
subjetividade do mesmo, refletida nas formas de relação com os demais seres e o
mundo.
Dentro de todas essas considerações, na busca por tentar amarrar as três
palavras do título do texto, faltou uma fundamental: Amor. Poderia discorrer
aqui sobre amor na sua forma mais abrangente, que serve de motor para tudo
nessa vida, seja nas relações com o outro, com o mundo ou consigo. Faz pouco
que me redescobri como homem. Talvez tenha mesmo apenas descoberto, já que o
Ser homem de hoje pra mim não se enquadra em nenhuma outra compreensão que tive
anteriormente. Em meio à busca por humanizar minha postura e apaziguar meu
coração, me vi retomando parte do adolescente que já não sou mais, parte do
jovem que ainda luta por sobreviver e parte do adulto que gostaria de ser. O
que diferencia homens de meninos é a atitude. Isso serve pra diferenciar tudo,
não só a evolução cronologia, mas também a maturidade de gênero. Deixar com que
meu orgulho se esvaísse e lutar por aquilo que creio como pessoa, se tornou
ponto passivo de felicidade e coerência, não mais uma vontade revolucionária
sem causa. Mas o complexo não é lidar
consigo, mas sim lidar consigo perante o outro.
Apesar de buscar construir bases mais justas e coerentes para o meu
caráter, isso tem esbarrado na forma como o outro procede perante tal
iniciativa. Em geral menospreza-se, perde-se o respeito e se negligencia aquele
que difere da média. Por mais que no discurso as pessoas alardeiem a vontade de
ética e caráter, na prática o que se faz e depreciar aquele que busca
coerência. Assim constroem-se discursos como “homens não prestam” ou “política
não é coisa séria”. Novamente somos injustos, nos excluímos do cenário para
tecer a crítica ao outro, sem considerar a si no contexto dessa avaliação.
Deixei-me ser desrespeitado, menosprezado e manipulado por amor. Por que
entendo que a causa é nobre. E mesmo entendendo que isso é meu, que cabe a mim
como decisão, há sim, sempre, a expectativa que o outro corrobore com a visão
amorosa do respeito e da partilha. Tem amigo meu que diz que sou otário por me
deixar sofrer. Mas eu me sinto cada vez mais humano quando me perco em meio a
tais sentimentos.
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