terça-feira, 29 de abril de 2014

Crônicas de Gaveta - Banzé


  De cima do tronco, Banzé, o chimpanzé, fitava a menina de vestido rodado. Ela comia pipoca, tomava suco gelado e fitava Banzé de volta. Meio de lado, o macaco olha admirado as cores do vestido dela, bem cuidado, colorido, decorado... A menina se chama Ana e, enquanto ele mastiga a banana, ela acena e chama adoidado. Quero ver o macaco já Nana! Dizia para a Babá que mesmo no fim de semana estava lá, a trabalhar, a lhe cuidar sem merecer. Ana era mimada, adulada e voluntariosa. Não tinha proza de criança doce. Fosse o que fosse seria feita sua vontade. Sua mãe ficava perplexa com nossa sociedade, então tomava mais uma dose de hipocrisia todas as manhãs. Já Banzé não sentia desejos complexos, mas para ele não tinha nexo só água, comida e teto. Via as flores coloridas ali perto, na cerca. No vestido de Ana o vento balançada solto, atrás do muro e, mesmo quando escuro, olhava as pessoas ali no vai e vem, pela cerca, envoltos no absurdo... Mas a maior contradição daqueles que pensam ser o símio superior, que comparam a dor com a destreza, vivendo no temor da incerteza de sua superioridade, esquecem que na verdade nesse zoológico, por de trás das grades, no viveiro utópico concebido como realidade, mora Ana, sua mãe, Nana, e toda humanidade, enquanto Banzé clama piedade aos céus ao nos ver réus da nossa própria iniquidade. 

Osíris Duarte

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Dia do Jornalista - Sobre papéis



"Eu mamava na onça e comia carne de rinoceronte coleguinha!". Seu Waldemar tinha dessas, disparates disfarçados de lendas, estórias travestidas de história, ou vice versa. Seu Waldemar Duarte, dentre tantas outras coisas, era um bom contador de estórias. Jornalista, escritor, poeta, sertanejo, colecionador de livros, pai, filho, avô... Talvez tenha sido com ele que aprendi a sonhar com jornalismo, mesmo sem me dar conta. Voínho era de um tempo onde não existiam cursos de jornalismo no Brasil. As redações nessa época (décadas de 1930 à 1950, mais ou menos) eram cheias de escritores pobres, funcionários públicos metidos a intelectuais e figuras ligadas a política, em meio a uma variedade grande de espécies dadas a escrita e a documentação dos fatos. 
Quando eu entrei no curso de jornalismo, entrei obrigado por mim mesmo. Depois de um ano na Relações Públicas, curso que entrei como forma de rebeldia, porque "não vou copiar só porque vovô foi", cheguei a conclusão de que na Comunicação Social o único caminho que me restava para coerência com meus princípios e busca pelo papel social que queria exercer era no jornalismo. Um contador da história presente, seria a atribuição. Nessa caminhada, desde a faculdade até ingressar no mercado de trabalho, descobri que o jornalismo não é o que eu sonhava, não é o que eu aprendi na faculdade, mas ainda é um caminho para pessoas como eu, com vontade de falar sobre nós, mesmo quando o nós vem como justificativa do eu. Descobri que mercado é a merda da frase, mas descobri também, pasmem, que não preciso do mercado para ser jornalista! Essa mania de contar estórias que viram história. Essa coceira constante no senso crítico, na reflexão crítica, na busca crítica por algo que se aproxime de alguma verdade palatável para maioria dos gostos, alguma verdade crítica... De fato descobri que essa busca pela verdade alheia, pelas verdades do mundo e dos seres humanos, da existência em si, é uma busca pelas minhas próprias verdades. O jornalismo acaba sendo um exercício filosófico prático sob esse viés, acredito. Acho que é a busca de todos, não só do jornalista, busca por respostas... E se acreditamos que encontramos verdade é só para aprendermos que, de fato, nos formamos nas mentiras. São elas que contestam as verdades e fazem delas realidade. A minha mentira foi acreditar no mercado, mas a minha verdade sempre sobrepuja a ilusão, e me lembra que fatos não são notícia, mas sim o desenrolar entre um fato e outro. É ai que mora a estória e a história. Se existe algo que o jornalismo fez de bom pra mim, além de me empregar, foi me ensinar a ver o mundo do "outro". Mesmo que sempre estejamos condicionados a mediação dos nossos sentidos e idéias, viver de narrar a vida nos doutrina numa senda de sensibilidade e noção de existência comum. Por isso que, pra mim, o mal jornalista é aquele que se prende e se restringe a entidade, empresa ou grupo em que atua, moldando-se, se enformando, sem se informar. O bom, pra mim, vive em movimento, se dá ao tormento ético, moral, está na rua, junto com as pessoas, não apenas com os seus. O bom conta estórias sabendo que a história se constrói na narrativa dos que se prestam vivê-lá e contá-la. O bom jornalista vive e narra sob seu ponto de vista a mesma, sem se esconder, assumindo a responsabilidade e o papel do narrador. Acho que ai está o mérito dessa profissão. O mesmo mérito que meu avô tinha quando contava suas estórias mirabolantes do sertão, e eu imaginava ele mamando na onça e ficava com vontade de mamar também. 

Osíris Duarte

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O que me pega


Me apego e não nego. Eu não pratico o desapego porque fui pego pelo mundo num arremedo profundo de virtuosismo, tudo para disfarçar meu medo cego. O problema não são os apegos, são as razões que nos levam apegar ou desapegar. Desapego as vezes é justificar escolhas, e dar um sentido nobre a negligência, fechar com rolhas o entendido amor da existência, para destampa-lo quando convir, as vezes sem paciência. Contradiz a forma da comunhão, não dar a mão aos irmãos perante a eminencia da solidão... Desapegar é válido em segredo. Apreendesse e não rendesse a indolência. É aprender resiliência entendo, saber abraçar e resistir as deficiências, as consequências, sabendo deixar quando não há mais lugar para permanência, assim como devemos abraçar sempre de forma intensa, quando se pode, quando se quer. Desapego não pode ser filosofia, tem que ser com alegria, maturidade, de saber que o barco parte no raiar do dia assim como ele chega no final da tarde. 

Osíris Duarte