quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Crônicas do Fim do Mundo



  É tão verdade que a gente não vê com os olhos, que apesar de na minha vista o fim desse ano ter mais aspectos de recomeço do que de término, muita gente vê o fim definitivo. Onde estão esses olhos que veem além das imagens, que criam, que mediam nossos sentidos?  Para aqueles que preferem considerar o fim ao invés de valorizar os recomeços, digo que o término justifica as falhas pregressas, e é fácil. Mas a ideia de recomeçar nos dá o senso de responsabilidade sobre o que passou, as consequências, e o que construímos para o futuro.

  O que têm de gente ganhando dinheiro com essa história de fim do mundo é absurdo. Se a parada fosse acabar mesmo, é de se refletir o que esse povo vai fazer com essa grana? Quem sabe apenas algumas horas pra gastar o que nunca pode seja a intenção... Essa história do calendário maia faz tempo que escuto. Tipo mais de 10 anos. Só é menos tempo do que as fábulas da branca de neve, chapeuzinho, Rapunzel e companhia na minha lembrança. O fato é que essa história tá justificando que o mundo acabe em festa! É! Já viu tanta festa programada pra um data só?! Todo mundo usando o marketing do fim do mundo pra promover sua própria "despedida" dos tempos.

  Cara, fim do mundo como? Se a gente nem mesmo consegue provar e afirmar quando ele começou?! O que tem fim, teve começo... Não é? Ainda creio que é tudo uma questão de pretensão do ser humano, que se acha ao ponto de querer traçar em tortos contos de fadas-campanhas-de-marketing, os destinos do universo. Uma frase que vi em uma rede social dia desses resume bem o que penso disso: O que me preocupa não é o mundo acabar em 2012, mas sim ele continuar como está em 2013. Pra você que subiu a montanha, se achando o escolhido, cuidado em! Porque quem fez a escolha foi você, e mesmo no alto da Minas Gerais dá terremoto, cai uma árvore, dá uma enchente e morre quem tem que morrer meus caros. Se o critério de escolha meritocrática de Deus for geográfico, que Deus justo é esse alardeado por quem se diz espiritualizado?!

 Pensem: e se não acabar? Voltamos para a mesma sociedade de merda, para a mesma inércia social, e nos contentamos em esperar pela próxima profecia, para que Deus venha a Terra fazer a justiça que nós não fomos capazes de fazer... E assim o barco segue em busca de novos cantos da seria para justificar os desvios de caráter.

   Osíris Duarte 20.12.12

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A saúde em Santa Catarina


Por Elaine Tavares - Jornalista

As mulheres falavam alto, porque, afinal, o ônibus é espaço pedagógico. Discutiam a greve dos trabalhadores da  saúde que, em Santa Catarina, já passa dos 30 dias. No dia anterior trabalhadores do transporte público e os bancários haviam feito uma paralisação em apoio aos grevistas, provocando horas de filas e ansiedade, tendo o apoio de estudantes, sindicalistas e militantes sociais. E, no dia seguinte, a imprensa catarinense tocava o pau em todo mundo, alegando que o "pobre" governador Raimundo Colombo, não tinha como dar o aumento "absurdo" que os trabalhadores pediam. Não bastasse isso, ainda vinham os "baderneiros" dos motoristas e cobradores fazer confusão.
O tema era esse. As mulheres discutiam a eterna capacidade da imprensa de distorcer os fatos. Ao longo da greve, passa para a população a ideia de que o "absurdo" é os trabalhadores quererem aumento, e não o fato de um governo deixar a população sem atendimento de saúde simplesmente porque não quer se render à luta. Algumas pessoas viravam o rosto com um olhar fulminante até as mulheres, numa clara atitude de discordância. Certamente acreditavam na imprensa e nas inverdades que cria.
Mas, no banco da frente, uma outra mulher espiava com o rabo do olho, até que não se conteve. "As pessoas não sabem o que a gente passa". Explicou que era trabalhadora da saúde, aposentada há alguns anos. "O que faz os trabalhadores entrarem em greve agora é que foi tirada do salário a hora-plantão, E é isso que dá alguma dignidade ao que a gente ganha. Sem isso, o meu salário, por exemplo, fica 800 reais. Como é que uma família vai se sustentar assim?".
Então, enquanto partilhavam o trajeto, as mulheres foram ouvindo aquela cuidadora de gente. Ela contou que a maioria dos trabalhadores da saúde é obrigada a ter dois e até três empregos para  garantir um salário digno. E que isso se reflete no trabalho. "Imagine a gente passar duas, três noites sem  dormir, nos plantões. Quanto erros não são cometidos? O perigo que isso é? Não porque a gente seja incompetente, é o cansaço. Fico pensando porque as pessoas não se indignam com isso. Amanhã ou depois elas vão parar num hospital e vão ser cuidadas por nós, trabalhadores esgotados, cansados, aturdidos. Isso sim deveria ser discutido".
A greve na saúde é de fato um transtorno e uma fonte de dor. Os empobrecidos, que sofrem tanto no dia-a-dia, sem médico, sem atendimento digno, sem acesso aos equipamentos modernos de diagnósticos, sem opções de tratamento nas cidades do interior, submetidos a ambulancioterapia, acabam enfrentando mais um obstáculo. Mas, se formos observar bem, nada muito diferente do cotidiano, o qual só é vencido por conta desses mesmos trabalhadores, alguns deles verdadeiros heróis, que conseguem tirar leite de pedra. 
O governador Raimundo Colombo, que não precisa de atendimento público, prefere ignorar o grito dos trabalhadores. Faz queda de braço e se mantém inflexível. A imprensa reproduz os argumentos dizendo que o Estado não tem condições de dar a gratificação que substituiria a hora-plantão. Observem que a reivindicação dos trabalhadores ainda é modesta: apenas uma gratificação, que viria para substituir a hora-plantão, diminuída ou retirada. Ainda assim, o governador manda corta salários, humilha, recebe com gás de pimenta. Ora, não tem condições de dar a gratificação? Segundo dados do governo, no Portal da Transparência, só em recursos próprios o estado arrecada por mês 12 milhões para a saúde, gastando apenas 1,5 com pessoal. Do total do orçamento anual a saúde representa 15% de gasto. Que tal então cortar os comissionados que têm salários variando de 5 a 12 mil? Ou a publicidade, que consome 110 milhões ao ano? Dinheiro o estado tem, o fato que não quer investir na saúde. É, porque salário é investimento.
A questão é simples. Um trabalhador como o da saúde, que atua diretamente na sustentação da vida, precisa estar bem pago e bem descansado. O certo seria ter um único emprego, descansar o suficiente para poder cuidar bem de si e dos outros. Mas, o que se vê é um trabalhador desesperado, esgotado pelo excesso de trabalho, tendo de atuar com uma estrutura sucateada, um sistema desmontado, equilibrando-se no milagre. É esse o que cuida do doente, que pode ser o teu filho ou tua mãe. Aí está o ponto que deveria ser discutido pela imprensa.
O ódio da população deveria voltar-se para isso. Para o descaso com a saúde pública, com os trabalhadores, com a estrutura dos postos e dos hospitais. Mas, a maioria das gentes prefere odiar o trabalhador que luta. E mais, quando um trabalhador, esgotado pela exploração, comete um erro que custa a vida de alguém, todos os holofotes se voltam contra ele, apontado como o monstro, o assassino, o irresponsável. Lembram da enfermeira que injetou café na veia de uma pessoa? Pois é. Essa é crucificada! Não há nenhum dedo apontando para o Estado, para o governador, o prefeito ou para o diretor do hospital. A culpa é sempre individual, e do mais fraco.
O fato é que o desmonte da saúde é responsabilidade de quem governa, de quem gere os recursos, de quem decide para onde vai cada centavo. A negativa da gratificação aos trabalhadores é só uma ponta do problema. Há que pagar os trabalhadores, garantir a sua dignidade, há que garantir atendimento à população nos postos de saúde, nos hospitais, há que modernizar a estrutura, garantir os melhores equipamentos. E as pessoas também precisam se mobilizar para que isso aconteça de fato. Não basta choramingar. Há que lutar. Mas, para isso seria necessária uma articulação estadual e nacional, para além do sindical, que pudesse avançar para uma mudança radical do Estado brasileiro. Esse é o desafio da esquerda nacional. Ser capaz de gestar no meio das gentes o desejo de um mundo outro, que não esse, no qual os direitos precisam ser diuturnamente lembrados, na esgrima com o poder. Resta saber se isso é possível num país onde as lideranças sindicais e sociais estão - na maioria - domesticadas  e cooptadas.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A luta do negro é uma luta do Brasil


  O primeiro transporte negreiro no Brasil foi em 1594. Parece que faz tempo, mais de 400 anos, mas os rastros e consequências dessa viajem dolorosa e imposta aos africanos permanecem até os dias de hoje. Talvez não nos damos conta de o quanto essa história impacta em nossas vidas até o momento presente e, talvez, isso seja o principal motivo para continuarmos a reproduzir a segregação, a desigualdade e a desunião em nossa sociedade.
  O que é o Brasil?  Um país solidário, ético, para todos? Qual é nossa ideia de povo, de nação... Você já se perguntou? O movimento negro no Brasil não nasce por necessidade de reparação histórica apenas. Ele nasce por uma necessidade muito mais humana e ampla do que alguns discursos gritam. Para explicar, mais algumas pergunta cabem: O que define a qualidade de um ser humano? É sua cor, sua etnia, sua posição social ou seu caráter?
  Ao longo da história certas referências de bom, ruim, melhor ou pior nos foram impostas. A visão Eurocêntrica (a Europa como centro) predomina na média do pensamento do brasileiro como referência do que é melhor. Um certo complexo de primo pobre e uma necessidade de ascensão de classe passa por cima da nossa ideia de coletividade, de nação. Mas o que define o Brasil, mais do que o maior pais dos trópicos, do carnaval e do futebol é nossa diversidade cultural e étnica. Então, se o que nos define é nossa indefinição, porque ainda desconsideramos o papel, a importância e a contribuição do povo negro em nossa construção como Nação? Nossa cultura, nossas referências mais marcantes como povo, moram na herança dos Africanos, legado esse de peso de valor muito mais para o mundo do que a Europa nos deixou...
Consciência do que?
  Falar de consciência é falar de sensatez. É se contrapor a ignorância de quem não arreda pé de posicionamentos mancos, teimosos e arrogantes. É quando alegremente festejamos nossa cultura, esquecemos que ela é Africana em maior parte do que Europeia. Porque? Ser negro no Brasil ainda significa ser pobre, ser marginal, ser menos. É contraditório. Amar e admirar quem nos oprimiu ao longo da história, e odiar e diminuir quem nos deu o que temos de mais rico e bonito no nosso espírito brasileiro.            
 Nesse dia em que afirmamos a necessidade de uma consciência sobre o que significa a herança e o papel do negro no Brasil, é importante convocar  todos para uma reflexão. Se vivemos todos sobre o mesmo solo, brancos, negros, pardos, amarelos e vermelho, nesta terra onde nos construímos como coloridos, porque ainda os espaços sobre a terra mãe são limitados a cor, posição social e status? O negro ainda é o pobre, o marginal, a referência do que é sujo ou menor, mesmo sendo a maior parte da nação e mesmo não se valendo disso para ter prevalência na sociedade. O que a consciência negra prega não é uma inversão de ditaduras, o que ela propõe é uma noção mais profunda de valorização da nossa cultura e do nosso povo, de forma justa e humana.    
A dureza das conquistas
  Conquistamos o Estatuto da Igualdade Racial, Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades e Institutos Federais. O fato das Cotas Raciais serem oficializadas por força de lei, é a prova cabal de que as conquistas do negro sempre será mais difícil e que há um longo caminho a trilhar para transpor esse modelo de sociedade, abrindo um novo horizonte para construção de um país justo e igualitário.
A participação dos movimentos sociais na luta por igualdade
A invisibilidade histórica levou o Movimento Negro a empreender cruzada, prol a importância do negro no contesto histórico nacional. Na década de 80 o Movimento Sindical Brasileiro se aliou ao Movimento Negro em função da conjuntura brasileira, que expunha em suas entranhas, a segregação em especial do negro na sociedade brasileira. A importância da união dos movimentos sociais vai muito além de solidariedade de classe ou afinidades políticas. Diz respeito a construção de um mundo com lugar para todos, onde o individualismo seja suplantado pela noção de coletividade, com consciência de que as ações individuais afetam o coletivo, e de que a militância social não deve reproduzir modelos de segregação e disputa
Osíris Duarte
Jornalista
Wilson Martins Lalau
Diretor do SINERGIA-SC

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fotos: Quando morar é um privilégio



Uma história é contada por pessoas. E as pessoas, no plural, é que são a história.

Gente... Gostaria de frisar alguns pontos: Tive autorização dos pais das crianças e das lideranças da ocupação para fazer as fotos. São cerca de 200 famílias, em condições precárias e negligenciadas pelo estado. É duro ver que mesmo com direitos básicos, garantidos pela constituição, essas pessoas serem tratadas como párias, a míngua, e descriminadas. Assim como a saúde e a educação, o direito a moradia é um direito fundamental. Infelizmente o individualismo e o pensamento privativo se sobrepõe ao direito coletivo em um país como o nosso. Não publiquei no facebook e aqui a toa essas fotos, elas servem como um lembrete, depois de tantas promessas de campanha eleitoral, do quanto ainda temos para lutar por uma sociedade onde o seres humanos não sejam apartados por classe, gênero, raça ou credo. Fica aqui a lembrança e o reforço do papel do jornalista também, que se coloca fora de um contexto para relatar, mas perde a lógica quando decide não se envolver. Afinal, qual é a história mais verdadeira. Aquela de quem assiste o filme na sala do cinema, ou do ator que protagonizou a filmagem. É só uma reflexão crítica que acho que podemos fazer.
















segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Um sábado com fotos, Michel Poivert e reflexões




  Aquela imagem projetada no fundo do palco do Teatro Álvaro de Carvalho, de uma laranja quase toda mofada, com apenas algumas partes da casca ainda na cor original, sendo que o resto era tomado por um branco que se esverdeava em algumas partes, enrugada como pele de senhora de idade, ficou rondando meus olhos enquanto esperava por Michel Poivert. Doutor em história da arte, o Francês é professor de história da arte contemporânea e da fotografia na Universidade de Paris, foi presidente da Société Française de Photographie, é membro do comitê de redação da Revue de l’Art e da Revue Études photographiques. Na platéia mais de 60 pessoas esperavam para ouvi-lo e, é fácil afirmar, todos apaixonados pela fotografia. 

   A presença do professor Francês foi promovida pelo Duo Arte e produção, e integra o Floripa na Foto. A palestra se intitula “A fotografia contemporânea: uma corrente artística ou cultural?” num sábado, dia 26, abordou de forma geral, as produções contemporâneas a partir da década de 1980, tentando explicar a estrutura da fotografia contemporânea de um ponto de vista histórico e crítico, insistindo notadamente sobre as relações das novas imagens com as questões próprias da modernidade, da história da arte e da informação. 

  Contemporânea... A que? Talvez esse questionamento resuma bem a abordagem de Poivert sobre fotografia na modernidade. A capacidade mutante que a fotografia tem, reinventando usos ao longo de sua história e da história da sociedade humana, a perspectiva de fotografia como arte é o inicio da abordagem do Francês, que afirma: A fotografia é contemporânea da arte. É claro que nessa abordagem Poivert não encerra um entendimento global sobre fotografia na visão da contemporaneidade, mas ilustra, com a fotografia experimental entre os anos 70 e 80, a busca por reproduzir os paradigmas artísticos, da pintura e da escultura, nos trabalhos fotográficos. 



 No fotojornalismo Poivert observa o fenômeno da estetização e da padronização da imagem jornalística, inclusive com a mesma reprodução de simbologias da pintura e da escultura – Pietás, cristo crucificado, naturezas mortas, retratos, etc. Bem como nas referência iconográficas e em uma construção semiótica da imagem jornalística.  Tal referência ainda vigora até hoje como um modelo de fotografia com peso artístico, premiada e reconhecida. Basta lembrar do vencedor do Picture of the Year desse ano, o fotojornalista espanhol Samuel Aranda, e sua Pietá do Yemen. Podemos ir mais longe um pouco na história da fotografia, e lembrar a famosa foto da menina queimada na guerra do Vietnã, feita pelo fotógrafo Huynh Cong "Nick" Ut, da Associated Press, que reproduz um cristo crucificado, imagem clássica da arte ocidental, que de certa forma pode explicar, além do peso dramático e histórico, seu sucesso. Esses exemplos reforçam a idéia de Poivert das incursões da fotografia pelas referências artísticas em seus diversos campos de atuação. A estetização da imagem também é um sinal da busca dos fotojornalistas por uma construção imagética que não só encerre o propósito do ofício de informar. Pode-se afirmar que a estetização complementa o processo de informação obtida através da imagem fotográfica, se não a sobrepõe. Poivert citou Sebastião Salgado como exemplo de estetização da imagem informativa, de denuncia social. Sem entrar no mérito de que se esse cuidado com a beleza da imagem ofusca a crítica, o exemplo de Salgado, citado por Michel, serve como referência de uma visão da fotografia que se vale dos paradigmas artísticos clássicos para se reinventar, ou mesmo galgar seu espaço como forma de expressão artística no mundo da arte.

 Mas a fotografia continua a galgar novos espaços de experiência. Michel citou a retomada da fotografia documental nos anos 90, também como forma de resgate, revisitação de velhas roupagens, reinventadas ao longo do processo de afirmação da fotografia na história social humana, até a busca nos anos 2000 por um híbrido da história, agregando novos referenciais. Poivert falou sobre fotógrafos que buscam inspiração em cenas comuns a psicanálise e a publicidade. Falou sobre a teatralização da fotografia, buscando referências nas artes cênicas. "No século 19 se posava pela necessidade de um longo tempo de exposição, hoje se posa por uma necessidade de teatralidade fotográfica."

 O que se pode acumular da fala de Michel Poivert, que se soma a autores como o também Francês, Andre Rouillé, na busca por encerrar algum entendimento sobre a fotografia por um ponto de vista da história, é que a fotografia acompanha as mudanças das sociedades humanas, não só físicas, mas culturais, afetivas e intelectuais. Para Poivert, a fotografia “propõe uma obra do modernismo, pensa o valor da arte e fala da relação do real e do imaginário humano”. A fala do professor se restringiu a uma abordagem de um recorte de 30 anos, 1980 até 2010, mas está contida nesse recorte uma essência histórica da fotografia que denuncia suas tendências, sua dinâmica. É como falássemos de o quanto muda a forma como vemos o mundo de acordo com o tempo, espaço e contexto, e como se procede essa dinâmica no ser humano. A proposição de Poivert guarda também uma característica fundamental para mim no pensar a fotografia: A de que é um reflexão filosófica, mais do que de ordem histórica, cultural ou técnica. O que vemos? O que fotografamos? Porque fotografamos? São perguntas tão amplas como as que a filosofia propõe. No final, a laranja podre, projetada como capa da palestra de Michel, pode ser levada a esta reflexão filosófica, e acabo por pensar que aquilo que se degrada, volta a natureza, e aquela imagem estática, congelada de uma dinâmica, que é a degradação, acaba por me levar a considerar o tempo como não tempo, e a fotografia como meus olhos que vêem um mundo diferente todos os dias.       

Texto e fotos:

Osíris Duarte
Jornalista -Mte PB 02538

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Casa Grande e Senzala e a subserviência no mundo do trabalho




  Negrinho, já pro tronco! Gritava o capataz com veemência condizente a subserviência ao Coronel. Enquanto isso, ao lado da senzala, de canto olhava a negra da casa, cozinha, lava e passa, brinquedo manso do senhor. No canto escuro, em correntes, sonhava o negro cheio de medo, com a misericórdia da aceitação na casa e não do tronco. O capataz, com a tez tão negra quanto a do escravo, chicoteava o dorso escuro da mão de obra, pensando no almoço na cozinha da Casa Grande e na cachaça no bar da fazenda. Aquilo atenuava a dor nos braços das dezenas de chibatadas que desferia no corpo dos irmãos de África.  
  A cena, comum a nossa consciência histórica brasileira, se repete, se reinventa e se renova, com novas roupas, novos personagens, mas com o mesmo enredo. Não é de hoje que nos ensinam a escolher o mais fácil em detrimento do certo, do justo. É que justiça como conceito só existe na coletividade, porque só se ajusta aquilo que têm parâmetro, têm contraponto. O isolamento apaga a necessidade de justiça. Desde a senzala, a moeda de cooptação para manutenção é a ilusão do conforto. Porque quando a escravidão - nos moldes antigos - acaba, acaba também o conforto da cachaça do capataz, assim como o almoço na Casa Grande.   

Osíris Duarte - jornalista

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Salvar os Guarani-Kaiowá?



Aprendi com meu irmão, há muitos anos, que não há nada pior no humano do que a hipócrita (por vezes não intencional) musculação de consciência. E isso é coisa que acontece muito no meio daqueles que estão no topo ou no meio da pirâmide social. Olham para o sofrimento dos pobres - a comunidade das vítimas do sistema - como se fossem coitadinhos, e sentem pena. Podem até chorar diante de uma foto ou de uma dada situação. E desde sua pena, buscam ajudar, musculando a consciência. Um quilo de arroz numa campanha para vítimas da enchente, um agasalho para as entidades filantrópicas, uma doação ao “criança esperança”. Depois, consciência musculada, voltam a vida normal, certas de que fizeram tudo que podiam fazer. Arrisco dizer: isso não é suficiente. Apazigua a consciência, mas não muda as coisas.

Detectei essa reação nesses dias em que se resolveu prestar atenção ao sofrimento indígena. Um grupo de índios Guarani, do Mato Grosso do Sul, que desde há 500 anos vêm observando a estranha mania dos cristãos – seus dominadores - em se purificar no sacrifício, resolveu expor a chaga aberta do sofrimento de sua gente numa concreta vivência sacrificial. Ou lhes deixam viver nas suas terras, ou se matam, em grupo. Ato extremo, sofrimento extremo, decisão extrema. Então, como que atiçados pelo sempre excitante momento do sacrifício, as gentes brasileiras decidiram começar a falar do “absurdo” que é essa desesperada decisão. Assim, terminada a novela das oito, que segundo algumas vozes “parou o país”, agora as redes sociais e todos os que têm espaço de voz nos meios começaram a discutir a questão dos Guarani que estão prometendo se matar. Sinto aí certo cheiro de musculação de consciência.

O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul não é o primeiro nem será o último. Desde o momento em que os povos originários perceberam que a cruz e a espada que chegavam com os homens do além-mar eram armas de opressão, a luta pela manutenção do direito de viverem na sua terra, com seus deuses e do seu jeito, começou. Ao longo dos anos, com a colonização europeia, milhões de pessoas foram assassinadas, das formas mais cruéis, simplesmente porque atrapalhavam o caminho para o ouro e as riquezas do novo mundo. Essa gente desesperada que hoje grita em agonia por um naco de terra onde descansar a cabeça, é a mesma gente que antes da invasão aqui vivia em fartura, nas grandes cidades como Tenochtitlán, Cuzco, Tiuahanaco, maiores e mais populosas que Madrid, Lisboa ou Florença no mesmo tempo. Eram homens e mulheres que conheciam a astronomia, a matemática, a hidráulica, a engenharia. Eram os que experienciavam uma forma de vida comunitária, na qual ninguém passava fome, no mesmo tempo em que na Europa medieval as pessoas padeciam de fome crônica. E foram eles os considerados sem alma, os passíveis de todo o tipo de selvageria e escravidão, porque não falavam a língua espanhola ou portuguesa e professavam outra fé, na variedade dos deuses.

O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul é o mesmo grito do cacique da etnia Taíno, Hatuey, que, em 1511, poucos anos depois da invasão, ao descobrir que o deus verdadeiros daqueles homens era o ouro, viajou desde o Haiti até a ilha de Cuba, com 400 guerreiros, para avisar que o que chegava pelo mar era a destruição. Não foi escutado. Mesmo assim se dispôs a lutar contra os espanhóis e só parou quando foi capturado e morto na fogueira. Foi vencido pela força dos arcabuzes, tendo seu povo sido dizimado em castigo. Esse grito segue aí. Também continuam ressoando os gritos de Cuauhtemotzin, no México, quando em 1520 igualmente iniciou a resistência contra os espanhóis que haviam assassinado milhares na cidadela de Montezuma, e os de Ruminahuia, que na região de Quito também se levantou em rebelião contra os que queriam destruir seu mundo e o dos seus. E o que dizer dos Tamoios no Brasil de 1562, que chegaram a constituir uma confederação para enfrentar a vilania portuguesa?

Pois essa gente tem gritado, lutado, batalhado, peleado desde os primeiros momentos da invasão. E, desde sempre esses gritos foram abafados, porque os indígenas não eram vistos como seres capazes de gerir suas vidas. Eram homens e mulheres dominados que tinham de se render calados e servis. Só que nunca foi assim. A batalha pelo continente segue aí, desde então.

Mas, como sempre acontece, os vencedores impõem suas razões. Os povos indígenas foram dizimados em nome do progresso e do bem estar dos invasores. Os que valentemente sobraram acabaram confinados em reservas, ora como bichos raros, ora como coitadinhos e incapazes. Integrar o índio à sociedade passou a ser o mantra dos caridosos vencedores. E os que acreditaram no engodo já viram o que sucedeu. Incorporados a uma sociedade racista, patriarcal, capitalista, seguem sendo vistos como seres inferiores, mesmo os que chegaram aos mais altos postos da estrutura social. Índios, os seres sem alma.

Há poucos anos o país acompanhou a polêmica da reserva Raposa Terra do Sol, uma imensidão de terra indígena que os originários lograram garantir para si. Quem não se lembra dos ferozes argumentos da distinta sociedade pensante? “Para quê tanta terra para índios? O que eles vão fazer com isso? Vão destruir tudo e vender as madeiras.” Esse era o diapasão dos caridosos brasileiros. E as batalhas pela região do Xingu que estão aí, se arrastando há anos, sem que ninguém se apiede das almas das gentes que vão perder seus rios, seus deuses, seu território em nome de uma barragem para gerar energia aos estrangeiros. E os mesmos piedosos argumentam que “essa gente” (os índios) é o atraso, a decadência, o anacrônico, incapaz de ver a importância do progresso que virá com a devastação da Amazônia.

É que esses índios são os que, por estarem em grandes grupos e articulados com movimentos sociais, lutam. Travam a boa batalha contra a destruição do seu modo de vida. E como valentes guerreiros precisam enfrentar as armas inimigas que já não são só arcabuzes e cavalos. Vêm acompanhadas da mídia que fortalece pré-conceitos e visões pré-determinadas do poder. Esses, os “arruaceiros”, não são dignos de piedade por parte da sociedade que fica em frente à TV musculando sua consciência.

Então, das entranhas do cerrado mato-grossense, um pequeno grupo de Guarani-Kaiowá, que luta desde há anos por demarcação das terras, sofrendo violência, mortes, assassinatos, desaparição e o sistemático suicídio de seus jovens guerreiros, resolve usar a última arma que lhe resta: o próprio corpo, sua humanidade, o corpo coletivo de toda a gente. O drama dessas famílias vem sendo denunciado ano após ano pelos Cimi, por jornalistas, por estudiosos, por todos os que se importam, mas nunca tocou o coração das maiorias. O ataque diário dos fazendeiros, a violência da justiça local que não os escuta, o preconceito e o ódio dos que vivem na cidade, picados pela ideia de que os índios só atrapalham o progresso, tudo isso é tema de debate e denúncia nos fóruns de luta social. Mas, nunca houve piedade. As terras seguem sendo griladas, roubadas, subtraídas dos índios. A vida foi se extinguindo, o espaço se apequenando. Foi preciso um ato extremo, uma decisão de desespero, para que a nação se voltasse para esses que são os cordeiros de um novo sacrifício. Agora sim é a hora da compaixão. Os “atrasados” não estão armados, não estão em luta, não fazem arruaça. Eles desistiram. Não têm mais força. São muito poucos, estão sozinhos. Eles desistiram. Já não são mais “perigosos”. São apenas as ovelhas do sacrifício. Eles desistiram. Estão vencidos. Então, por esses sim, podemos rezar, chorar, nos apiedar. Sepulcros caiados. Sociedade apodrecida.

Arrisco dizer que os Guarani-Kaiowá sabem muito bem dessa hipocrisia ocidental, dessa pantomima que os piedosos gostam de fazer para parecerem bons. Ah, eles conhecem essa psicologia desde há 500 anos. E, agora, se valem disso para expor o seu drama e para testar a “bondade” branca. Mas, eles não estão brincando. Seu grito de agonia ecoa anos a fio. Nada nunca foi feito. Já basta. Não há sentido viver quando a vida não pode se fazer real. Diante de uma justiça que protege o rico, o grileiro, o ladrão; diante de uma sociedade que vê como normal a miséria e o abandono de famílias inteiras na beira da estrada; diante do opressivo preconceito que as pessoas da cidade manejam cotidianamente, o que fazer? Se vida não há, porque preservar um corpo? A lógica da simplicidade.

E os Guarani-Kaiowá colocam a sociedade brasileira diante de um dilema também. Salvá-los não basta. Definir uma terra para aquelas famílias não significa o fim do drama indígena no Brasil. O apressado movimento dos atletas de consciência em demarcar áreas para essas famílias em particular não acomodará as tensões que eclodem todos os dias nas áreas permanentemente em disputa entre indígenas e grileiros ou entre indígenas e Estado. Há que ultrapassar esse limite da resolução de um drama singular. Há que se colocar de frente com todos os conflitos. Há que se compreender a realidade indígena, conhecer seus costumes, seus deuses, seu modo de organizar a vida. Salvar os Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul não pode ser só um ato a mais de musculação de consciência, praticado numa situação específica, com um grupo específico. O drama indígena em “nuestra américa”, inaugurado com a valentia de Hatuey, atravessando perigosas ondas do Haiti até Cuba para anunciar a desgraça e conclamar a união na luta, não se esgota naquele grupo de homens, mulheres e crianças que hoje assumem a condição de cordeiros de sacrifício. Os indígenas não precisam de nossa pena, nem da nossa comiseração. Eles só precisam ser respeitados nos seus direitos e na sua vontade de ser quem são.

Os Guarani-Kaiowá estão a dar uma lição. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. E aprenda!
 
 Elaine Tavares - Jornalista
http://eteia.blogspot.com.br/

terça-feira, 16 de outubro de 2012

É que viver é mais do que palavras


Se amanhã você me encontrar não finja que não me viu. Se amanhã a vida nos juntar não finja que foi por acaso. Se hoje você não me ver não finja que eu não existo.

Humanos em luta se amam sem razão. A razão sem emoção é só um rompante egoísta de quem não quer entender o que é sentir...

Osíris Duarte

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dias de poesias

Hoje to naqueles dias que sem poesia morro a míngua. To pegando a saudade, a verdade e a bondade e colocando em um bolo de consciência pra o café da tarde. To fazendo versos e fazendo alarde, pra ver se lá no fundo de minha'alma encontro caridade. São dias depois de dias que fazem das minhas noites prelúdios de um amanhecer de nova sina. Hoje to naqueles dias que sem poesia vivo pela metade. Amanhã, quem sabe, terei mais um dia pra tecer sonhos em colchas de retalhos de texto, de palavras sem contexto, sem métrica nem adereço, só o preço de ser um Ser a crescer. Hoje to naqueles dias que sem poesia fico sem rumo, sem alegria.

Osíris Duarte 09.12.12

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Primavera

Eu colho flores na prévia desse dia cinza.
Busco cores onde os amores pintaram cor neutra.
Nesse prelúdio de primavera, quem dera eu ser dia azul.
Nessa busca inglória, 
O dia não demora a clarear a fé na passagem do tempo,
Em mais uma estação que passa por mim.

Osíris Duarte

21.09.12

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O que há

O que há é a tribulação de ser humano. Não há tristeza sem medida, mas sim a delicadeza de achar beleza onde antes era infindo véu de cetim. Na ditadura da alegria, me fortaleço nas agruras de passos mansos, desço das alturas e me canso, pra olhar de novo o céu sobre minha cabeça, estender minha mão para o horizonte, e entender que o ontem também é. Coragem é fé, meus caros. É um faro inerente a n
ós, mesmo quando o cheiro é atroz. Esse presente em nós, é só um rompante dos anseios intermitentes do passado, é um passo dado, é um mutante ausente. A gente pira se não grita, não chora, não sente. A gente treme se não encara, se não separa o joio do trigo na mente. A gente pára, a gente teme, se depara com o desafio de ser ciente de si, ser presente atemporal, ser um paranormal, porque de conformidade, eu já tive minha parte, prefiro agora ficar ausente. Na verdade, desse alarde todo que arde, no gozo dos sentidos, eu já me recuso a fonte de água tratada quimicamente, e bebo o livre arbítrio da nascente que jorra sem parar, da vida que não demora mais do que um tardar de estação, mas que a seu tempo me dá a mão a oportunidade de existir.

Osíris Duarte 11.09.12

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Regresso

Volto a ser criança que engatinha...
Lembrança minha de um ventre,
Necessidade latente de andar,
Intermitente vontade de gritar.
Sou vivo ser crescente,
De novo ser paciente,
Comigo volto as pazes,
Vida quente de fases,
Batente bom de labutar.

Osíris Duarte

quarta-feira, 14 de março de 2012

Todo dia têm poesia

Meu poema chama-se todo dia,
Ele nasce cedo e dorme tarde,
Ele cresce e irradia sem alarde,
Mais uma tarde que cedo partia,
Mais uma noite que tardia,
Mais um poema que eu fazia...




Feliz dia da poesia!

Osíris Duarte 14.03.12

quinta-feira, 8 de março de 2012

Todo dia é dia de João e Maria




    Senti a necessidade de compartilhar minha opinião sobre gênero, família e sociedade nesse 8 de março, dia Internacional da Mulher. É que depois de ler tantas manifestações, por vezes ufanistas, das qualidades, méritos e lutas das mulheres nas redes sociais, fiquei com um sentimento de vazio quando me propus a refletir sobre os argumentos e condutas alardeadas nesse dia. Já de cara devo afirmar: Sou fã de mulher! Minha mãe, uma grande mulher, foi minha mãe e meu pai na minha criação. Meus melhores valores são herança da conduta dela perante a vida. E eu não sou o único homem construído dessa forma. Assim como eu, existem muitos outros homens que sabem o valor que a mulher têm. Homens que sabem respeitar e admirar esse ser tão lindo aos nossos olhos, tão forte e combativo, e ao mesmo tempo tão doce e terno. Mas minha reflexão não quer caminhar para o discurso comum de dias como hoje: as mulheres ressaltando suas qualidades (ainda que por vezes atreladas a um senso machista) e os homens bajulando-as na esperança de serem aceitos e bem quistos como pessoas sensíveis e que sabem dar o devido valor a uma mulher e a história da luta feminista. É esse tipo de abordagem que deixa minha reflexão vazia, capenga. 

  Já discorri antes no palavrão sobre a fragmentação das lutas sociais e o caráter nocivo que isso tem na luta coletiva, no entendimento de comunhão humana. O mesmo argumento sustenta minha opinião sobre os clichês utilizados para ressaltar e glorificar a mulher, colocando-a mais uma vez, na história, em um pedestal de admiração machista, como objeto de admiração masculina e, também, egocentricamente feminina. Vejam bem... Não confronto a história de opressão as mulheres, nem mesmo o direito delas de terem oportunidades iguais as dos homens. E isso não é só questão de justiça, mas sim um ponto óbvio, prático, considerando as necessidades de reforço de valores que fomentem a coletividade e o combate a fragmentação das sociedades humanas, dos preconceitos, da intolerância e da repressão no contexto de relação de poder no mundo humano atual. Mas se levarmos em consideração os diversos segmentos que sofreram ao longo da história - mesmo sabendo que as mulheres representam uma parcela das mais sofridas e negligenciadas - deveríamos criar dias para quase todo mundo, ressaltar as qualidades de todos e valorizar os pontos de luta por justiça para tudo. Não estou questionando a importância de se falar e rememorar a luta feminista, até porque ainda existe uma caminha grande a se fazer nas questões de equidade de oportunidades e tratamento na abordagem de gênero. Mas me pergunto se alguém leva em consideração, nós, homens, quando se fala das mudanças do mundo e das conquistas da luta das mulheres. Eu cresci em um mundo onde os novos papéis femininos já representavam uma parcela muita significativa da construção social. Sou um homem moderno, de tempos novos, que não consegue ver diferença - a não ser a biológica, claro - entre homens e mulheres. Mas, ainda assim, tenho que carregar a responsabilidade histórica da opressão as mulheres, coisa que não fiz, mas que pesa sobre meus ombros. Isso não é justo, mas eu entendo...

  Minha preocupação maior é que o movimento feminista não se vista de algoz como forma de vingança. Se as mulheres podem fazer melhor, podem contribuir para um mundo melhor, elas não devem inverter a lógica da ditadura. Quero dizer que substituir uma ditadura dos homens por uma ditadura das mulheres não tem mérito nenhum, pelo contrário, reforça o equívoco humano de busca por prevalência nas relações de poder. Outra: Ser mulher não é garantia de caráter, boa conduta, maior inteligência ou capacidade. Esse tipo de discurso soa para mim como uma forma de reparação retórica, uma maneira de amenizar o peso histórico da opressão masculina sobre as mulheres com bajulação e subserviência, pelo menos discursiva. Quando falo de considerar o homem nessa caminhada feminina, não falo como se as conquistas das mulheres fossem concessões masculinas, mas sim tento desconstruir uma lógica que fomenta a disputa, o revanchismo e a fragmentação do entendimento de ser humano. Não sou mulher e não sei o quão duro é estar na pele de uma, mas sei das dificuldades de ser homem no processo mutante de vida social. Ao mesmo tempo que me vejo impelido a me questionar sobre meus valores machistas, na busca de ser um sujeito mais justo e digno, combatendo meus preconceitos, entendo que as mulheres têm a mesma responsabilidade de compreensão e transformação íntima. Pra resumir o que estou tentando dizer afirmo: Meninas, não façam como fizeram os homens que me antecederam! Em meio ao entendimento de coletividade não há mais espaço para esse tipo de disputa.     

  Existe uma certa confusão masculina entre reconhecer a capacidade feminina por causa de uma certa relação de complexo de édipo, atrelada ao desejo sexual, que suplanta por vezes a real potencialidade humana da mulher. Isso eu confesso. Mas, por outro lado, existe também por parte das mulheres a busca por um modelo arcaico de homem para ser admirado e desejado. E esse homem, em muitos aspectos, é o mesmo que as oprimiu ao longo da história. Basta prestar atenção em como ainda se dão as relações afetivas entre homem e mulher e quais são as expectativas que ambos tem com relação aos papéis e as características da cada gênero. Ao mesmo tempo que as moças dizem querer um homem sensível, prestativo e respeitoso, na prática muitas se sujeitam a paixão pelos machistas, violêntos e durões. Pior que o machismo dos homens é o machismo das mulheres. Se a mudança do comportamento masculino está atrelada as conquistas da luta feminista e do papel mais significativo da mulher na sociedade, da mesma forma as mudanças nas mulheres se alimentam das transformações nos homens. É uma relação de troca, de interdependência, de sinergia, como tudo é quando se considera um todo acima das partes que lhe compõe.   

  Minha argumentação não pretende polemizar. Sou um dos tantos que acredita na importância da mulher na sociedade, e não como cuidadora apenas, ou como o complemento do homem. Creio na mulher protagonista e não corroboro com o dito popular machista de que "atrás de um grande homem sempre há uma grande mulher". Porque não consigo imaginar ninguém atrás ou na frente de ninguém. Creio mesmo é em uma humanidade que caminhe lado a lado, independente de orientação sexual, credo, raça ou gênero. E por crer nisso que faço reflexões e cerca dos temas que insistem em nos separar, em nos compartimentar. Instituições como a família, a religião e o estado estão em um processo de mudança claro. Os papéis de mãe, pai, filho, político, padre, e outros tantos mudaram e continuam a mudar. E dentro desse contexto mutante mudamos, quisá para melhor.  A mulher de hoje cada vez mais tem muito do homem de ontem, bem como o homem de hoje tem cada vez mais em si a mulher de ontem. E o meio termo humano, que visa o equilíbrio, não se traduz em orientação sexual, papéis sociais ou características atribuídas ao gênero. Ele se mostra na prevalência dos melhores valores, que são assexuados. E no final, sejam homens ou mulheres, vivemos debaixo do mesmo céu e temos a mesma responsabilidade de construção de mundo melhor, de evolução.