Negrinho, já pro
tronco! Gritava o capataz com veemência condizente a subserviência ao Coronel.
Enquanto isso, ao lado da senzala, de canto olhava a negra da casa, cozinha, lava
e passa, brinquedo manso do senhor. No canto escuro, em correntes, sonhava o
negro cheio de medo, com a misericórdia da aceitação na casa e não do tronco. O
capataz, com a tez tão negra quanto a do escravo, chicoteava o dorso escuro da
mão de obra, pensando no almoço na cozinha da Casa Grande e na cachaça no bar
da fazenda. Aquilo atenuava a dor nos braços das dezenas de chibatadas que
desferia no corpo dos irmãos de África.
A cena, comum a nossa
consciência histórica brasileira, se repete, se reinventa e se renova, com
novas roupas, novos personagens, mas com o mesmo enredo. Não é de hoje que nos
ensinam a escolher o mais fácil em detrimento do certo, do justo. É que justiça
como conceito só existe na coletividade, porque só se ajusta aquilo que têm
parâmetro, têm contraponto. O isolamento apaga a necessidade de justiça. Desde
a senzala, a moeda de cooptação para manutenção é a ilusão do conforto. Porque
quando a escravidão - nos moldes antigos - acaba, acaba também o conforto da
cachaça do capataz, assim como o almoço na Casa Grande.
Osíris Duarte - jornalista
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