terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Eu viajo é pra viver, não pra fazer turismo


  Eu adoro viajar. Conhecer novos lugares, pessoas diferentes, vivenciar novas experiências, tudo isso é combustível do viver, do apreender... Lugares diferentes ou já familiares guardam sempre novidades. O que faz de mim um viajante, não um turista, é a vontade do novo, do diverso. Atrativos como, beleza natural, diversidade cultural e descobertas existenciais são os principais motivos que me levam a se deslocar para outras paradas, novos pontos do planeta. Isso me põe em movimento com a vida, me relembrando que há muitas coisas além do que minha realidade cotidiana reconhece para experimentar. Viajar é assim: movimentar-se perante a vida.

 Segundo aquela enciclopédia da internet, que tem tudo e, muitas vezes não diz nada, embora não haja uma definição única do que seja Turismo, as Recomendações da Organização Mundial de Turismo/Nações Unidas sobre Estatísticas de Turismo, o definem como "as atividades que as pessoas realizam durante suas viagens e permanência em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros.”.
 Ainda segundo o site, o turista é um visitante que se desloca voluntariamente por período de tempo igual ou superior a vinte e quatro horas para local diferente da sua residência e do seu trabalho sem, este ter por motivação, a obtenção de lucro.
 Então ser turista é viajar sem pensar no que se ganha com isso em termos monetários. O turista, de acordo com essa definição, viaja por prazer. Já o Turismo se caracteriza com uma atividade econômica, que visa à obtenção de lucro através da vontade “livre” das pessoas se deslocarem em busca do novo. Sendo assim, turismo pode ser considerado a forma de exploração econômica da vontade humana de se manter em movimento e vivenciar o novo.
  Aqui em Santa Catarina o turismo, não o turista em si, é levado muito a sério. Pelo menos no que diz respeito à propaganda do estado em relação às terras catarinenses como melhor destino turístico do país. Em 2009 o estado ganhou pela terceira vez consecutiva o título de Melhor Destino turístico do Brasil. Mas, afinal, o que isso significa de verdade para o povo catarinense?
 A bandeira do turismo como atividade econômica serve de justificativa para atitudes que pouco, ou nada, acrescentam no combate as mazelas sofridas pela população do estado. Crimes contra a sociedade e o meio ambiente são considerados atos idôneos e inteligentes quando tem como o argumento a tal geração de emprego e renda advinda da atividade turística. Isso sem contar o prejuízo à qualidade de vida das populações de cidades apoiadas no turismo como atividade econômica. A contradição entre fomentar o turismo para melhorar a vida da população fica clara quando, durante os meses de verão, ninguém consegue dormir devido ao barulho e transtornos causados em cidades que, muitas vezes, dobram de tamanho em população, devido a movimentação turística. E aí de quem tratar mal os visitantes! Afinal, eles são o sustento da localidade e, portanto, podem quase tudo, inclusive tirar o seu sossego.
 Segundo dados da Secretaria de Turismo do Estado, o número de turistas cresceu 4,5 milhões de visitantes/ano de 2008 a 2009. Atraídos pelas belas praias do litoral catarina e pelos “atrativos turísticos” como parques temáticos, resortes de luxo e o frio da serra, milhões de brasileiros e estrangeiros chegam ao estado loucos para desfrutar do que há de melhor em Santa. Eles trazem junto com a máquina fotográfica e a bagagem, dinheiro, muito dinheiro. Mas, afinal, pra onde vai esse dinheiro?
   Um dos principais argumentos do turismo é a geração de emprego. O número de empregos temporários triplica nas temporadas turísticas para cada região do estado. É o povo a serviço do povo, tudo para livrar algum no verão, por exemplo, antes que a normalidade volte e o desemprego seja o cotidiano. O fato é que a maior parte do lucro gerado pela atividade turística no estado fica nas mãos de poucos empresários, os mesmos que usam o patrimônio natural e a mão de obra catarinense para encher as burras de dinheiro. E, para eles, sempre haverá um governo de braços abertos, concedendo licenças ambientais fraudulentas para hotéis nas restingas e reservas, shoppings nos mangues e teleféricos nas morrarias. Mas tudo isso é justificável com algumas vagas de salva-vidas temporários, guias turísticos para três meses e garçons para o verão. Além de explorar o patrimônio coletivo, eles exploram o próprio cidadão. Dói ver que muitos, pela condição de vida a qual são submetidos, se sentem agradecidos com a “oportunidade”.
  Quando o dinheiro público não é gasto com esse tipo de empreitada vil, de bajulação dos empresários do turismo, como foi no encontro internacional realizado em Florianópolis este ano, onde endinheirados do mundo todo puderam dar voltinhas de helicóptero pela ilha, vendo de cima as áreas com potencial comercial a ser explorado, ele é gasto de forma ilícita com árvores de natal milionárias para inglês ver. Essa lógica desmedida e burra do turismo é um dos principais motivos para justificar a falta de saneamento básico na maioria das cidades do estado, a baixa remuneração de servidores públicos dos serviços de base, como saúde e educação, a péssima qualidade do transporte coletivo entre tantos outros problemas graves que vivemos o ano todo, não só nos verões litorâneos nem nos invernos da serra.
   Outra coisa que me deixa literalmente “puto” da vida é essa mania de gestores públicos fazerem obras as vésperas das temporadas turísticas. Sem demonstrar o mínimo de cuidado para com a população que o elegeu, eles travam vias em horários de pico, fazem buracos nas ruas nos dias de semana, pintam prédios e plantam flores, tudo para manter a falsa ilusão de que SC é um “paraíso”, o estado com melhor índice de qualidade de vida no país! Essas histórias de números e médias me dão arrepios, porque sempre disfarçam a realidade através de algo intangível como um dado estatístico. Enquanto pessoas de todos os cantos do planeta desfrutam das maravilhas de Santa Catarina, o povo fica no seu canto, esperando uma hora ou mais no trânsito da SC 401, na Capital, porque agora eles vão tapar os buracos para não esculhambar os carros dos visitantes.
  Eu fiquei com aversão ao turismo como atividade econômica. É o negócio mais nocivo que há para a qualidade de vida e desenvolvimento sustentável. È com ele que se justifica quase tudo em Santa Catarina, do melhor ao pior. Se a geração de renda vinda dessa atividade fosse realmente aplicada na qualidade de vida no estado, gerando empregos fixos e emancipadores, promovendo avanços, talvez eu não tivesse tanto nojo dessa palavra hoje. Quem sabe eu vá fazer um turismo fora daqui, tirar umas férias desse turismo de cá, pra ver se entendo porque tanta gente acha que acreditar na fada madrinha é melhor que enfrentar a bruxa.

Osíris Duarte  15.12.09

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