sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Anti-socialismo revolucionário



 A expectativa que muitos criam em relação às correspondências de conduta, ou discurso, em relação aos paradigmas dos sistemas humanos de organização social vigentes, são meramente o reforço das mazelas causadas pelos mesmos ao convívio humano.  Esperam que eu seja mais um boneco do sistema, até nas coisas que parecem mais leves, menos significativas. Isolar-se é impossível, mas o despertar da consciência da dicotomia humana pode significar a disponibilidade para viver e compreender a vida de maneira mais abrangente, sem necessidade de cumprir com as cartilhas de sistemas humanos falidos, auxiliando a construir novas formas de organização social, baseadas em valores imutáveis e mais evoluídos.

  Constantemente somos cobrados pelo próximo a interagir de acordo com determinadas condutas. E essa cobrança se faz independente da consciência do cobrador em relação à individualidade do cobrado. Claro que tal consciência não representa um verdadeiro ato de esclarecimento, seguindo de respeito, em relação ao universo particular presente em cada um de nós. Certos ritos sociais e determinadas práxis da boa convivência são apenas reflexos viciosos da necessidade de domínio sobre o “outro” e alento em relação aos próprios medos e permissividade das responsabilidades humanas, projetadas ao próximo em tom de cobrança, corroborando assim com sua própria conduta e servindo de justificativa para a manutenção dela, mesmo sabendo no íntimo que ela é distorcida ou errada, e que a cobrança é uma mera projeção do íntimo de cada um.

  Desde que parei de comer carne e decidi me excluir de determinados ritos da sociedade humana, me tornei um ser anti-social. Esses pontos são só alguns exemplos particulares. Na verdade deixei de ser “sociável” quando me enveredei pelo caminho da auto-descobrimento. Na procura de minha identidade essencial, da minha autenticidade, cada vez mais venho desconsiderando as obrigações sociais que fomentam relações egocêntricas, dominadoras e cheias de apego. Os rótulos não me aprazem mais, os preconceitos somente confundem meu entendimento do mundo, distorcendo meu julgamento e meu discernimento. E isso não pode ser considerada uma demonstração de frieza ou indiferença, não quando o foco é a evolução própria que, consequentemente, beneficia o coletivo e clareia a conduta sob a luz da compreensão.

  Hoje é comum dissociar caráter de conduta. Pregasse a boa relação, valores elevados, justiça... Mas faz-se pouco para atingir tais metas. Nos discursos sempre estão presentes tais valores importantes: Amor, fraternidade, união, solidariedade... Mas muitas vezes essas palavras são somente palavras, nada mais. A participação em determinados ritos sociais somente reforça estereótipos burros, servindo para muitos como uma fuga da realidade a ser encarada e das verdades a serem vividas. Quando a boa educação serve para um propósito que não o amor ao próximo, ela é apenas um instrumento de dissimulação, que reforça a mentira dos rótulos que assumimos, disfarçando a conduta que realmente adotamos. Na política partidária esse exemplo é corriqueiro, não é?

  Ter me excluído de rodas de cervejada semanal, de churrascadas regadas a gargalhadas em meio à comilança, não me afastou da noção real que deve estar presente na forma como nos relacionamos, pelo contrário. Viver com mais certeza das minhas buscas e daquilo que sou aproximou muitas pessoas de mim. Parece que a necessidade de se descobrir atrai quem sente dentro de si o mesmo anseio. E sem me afastar de ninguém me aproximei de todos, estabelecendo os consensos nas relações que vivo sem mentiras. Não deixei minhas amizades, mas deixei meus amigos sim. Deixei com que eles trilhassem seus caminhos, empreendendo a mesma busca que faço comigo, busca essa repleta de alegrias e conquistas, muito maiores do que as vitórias meramente materiais.

  O afastamento de determinadas convenções sociais também me proporcionou a vivenciar as minhas próprias convenções. Assim me aprofundei ainda mais no que sou, dando chance para ver coisas que antes não podia ver, mesmo estando guardadas em mim. É assim que hoje caminho, no presente. A transitoriedade da vida, quando vivida, abre portas que antes nunca pareceram possíveis, ou que nunca passaram por nossas cabeças. Aí novas coisas, que antes eram desdenhadas ou não almejadas, passam a ter importância, tudo graças à impermanência da vida.

  Mas apesar dessa condição instável – que demonstra a constante busca por equilíbrio da existência, fato que nos ensina o caminho do equilíbrio em si – viver nos reserva verdades essênciais absolutas, como, por exemplo, o fato de coexistirmos. A condição biossocial do homem é algo factual. A interdependência existencial das individualidades humanas está sempre presente na construção de rótulos e máscaras, mas eles só se constróem porque não possuímos, ainda, a firmeza em nossas reais identidades, nosso eu integral. Assim, para nos sentirmos parte da sociedade, assumimos os paradigmas pré-estabelecidos pelo sistema de organização humana, feito pelos próprios homens, que desconhecem a profundidade real que reside dentro deles mesmos.  Antes de estabelecer paradigmas é necessário conhecer o terreno onde essas referências se apóiam. Em um mundo que se apresenta tão caótico, será mesmo que conhecemos a terra onde pisamos?  Será mesmo que nos conhecemos? A pergunta filosófica fundamental não é só apenas um devaneio intelectual de boêmios na madrugada, é necessidade existencial. 

  Nossos valores incorruptíveis são inquestionáveis e independentes da vida dentro do sistema humano. A nossa dependência simbiótica do bioma terrestre, nossa necessidade de tolerância e paciência em relação às diferenças na busca pela paz, nossa necessidade de amor recíproco e de harmonia nas relações são coisas que todos nós, quando abdicamos por um momento do nosso ego inchado e da nossa cegueira arrogante, sabemos o quanto são verdadeiras e inquestionáveis. Portanto, se não nos falamos há muito tempo, se não apareci na festa, se faço questão de não falar sobre determinados pontos de vista, condutas ou temas, é porque me amo tanto quanto amo você. E não passarei por cima do teu livre-arbítrio, não vou tirar teu mérito em descobrir quem és realmente. Não hei de sugá-lo para justificar meus erros e não vou cobrá-lo por aquilo que devo esperar apenas de mim, assim como eu espero ser respeitado na particularidade do meu íntimo autoexistente, o eu e eu no balé da vida.

Osíris Duarte – Jornalista

Um comentário:

  1. caiu como uma luva de renda para esta segunda...Santos Palavrões Batman, ou melhor Osíris!

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